Apesar de decisão do STJ favorável a varejistas, incerteza sobre tributos permanece

Corte entende que não cabe tributação de Pis e Cofins sobre bonificações e descontos, mas Receita tem outra visão

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Mesmo com decisão favorável aos contribuintes por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os varejistas devem continuar inseguros com relação ao pagamento de Pis e Cofins sobre bonificações e descontos que eles ganharam de fornecedores. Em recente julgamento, o STJ entendeu que descontos e bonificações não são uma receita dos varejistas e, portanto, os dois tributos não devem incidir sobre esses valores. No entanto, apesar da unanimidade em prol do contribuinte, o caso não foi julgado sob o rito dos recursos repetitivos e não possui efeito vinculante — ou seja, o Fisco não é obrigado a seguir o entendimento. Portanto, autuações da Receita Federal sobre o não recolhimento dos impostos podem ocorrer.

O caso é relevante para os varejistas. “As empresas do varejo são muito impactadas pela decisão, pois a prática de bonificação e descontos é comum no setor que, por vezes, firma acordos comerciais com seus fornecedores que buscam a fidelização ou, até mesmo, mais divulgação ou melhor exposição de suas mercadorias nas lojas físicas. Neste momento, mais do que a economia em si, a decisão é importante no sentido de formalizar um posicionamento do STJ favorável à tese defendida pelos contribuintes”, consideram os advogados Pedro Simão e Romero Marinho, sócio e associado do Freitas Ferraz Advogados.

O resultado do julgamento também é relevante, porque o assunto é controverso. Na esfera administrativa, houve a mudança do entendimento por parte do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), observam Rafael Amorim e Priscila Generoso, sócio e associada do Vieira Rezende Advogados: “A decisão é importante principalmente porque, recentemente, os contribuintes vinham obtendo decisões desfavoráveis no âmbito administrativo. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) diferenciava se os descontos eram concedidos incondicionalmente ou mediante contraprestações por parte dos varejistas”. Em decisão proferida em março, por exemplo, ao julgar o assunto, o Carf entendeu que os impostos são devidos porque bonificações e descontos concedidos por fornecedores têm caráter contraprestacional e são uma receita para o varejista.

Simão e Marinho considera que a decisão do STJ, por unanimidade, é um bom precedente para aqueles contribuintes que possuem discussões administrativas ou judiciais em curso sobre o tema, e que os varejistas que pagaram impostos referentes às bonificações e descontos podem pedir a restituição. Como a decisão não é vinculante, eles acreditam que as chances de ganharem na esfera administrativa são baixas no momento, mas que pode ser um forte precedente para buscar, no Judiciário, o direito de não pagar Pis e Cofins relativos às bonificações e descontos.

“Apesar de a decisão não possuir caráter vinculante, o contribuinte poderá utilizá-la como referência para firmar suas teses de restituição no futuro, já que o tema permanece não pacificado”, consideram Amorim e Generoso.

Na entrevista abaixo, Simão, Marinho, Amorim e Generoso abordam a decisão do STJ e a sua importância para os varejistas.


– O que o STJ julgou a respeito da incidência de Pis e Cofins sobre bonificações e descontos dados a varejistas?

Romero Marinho e Pedro Simão: A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que as bonificações e descontos obtidos pelos varejistas na aquisição de mercadorias não são tributados pelo Pis e pela Cofins, acolhendo o posicionamento dos contribuintes.

Na visão dos varejistas, não haveria que se falar em tal tributação porque esses tributos incidem sobre receitas obtidas, não devendo ser assim considerados os descontos concedidos, na medida em que são redutores de seu custo de aquisição das mercadorias.

Por outro lado, a Receita Federal entende que as mercadorias recebidas em bonificação e os descontos obtidos pelos varejistas de seus fornecedores são condicionais e deveriam compor a base de cálculo do débito de Pis e Cofins. Nesse sentido, a fiscalização as considera como receita dos varejistas, conforme a Solução de Consulta Cosit nº 542/2017 (sobre descontos concedidos) e, mais recentemente, a Solução de Consulta Cosit nº 202/2021 (sobre bonificações).

Rafael Amorim e Priscila Generoso: A primeira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, no âmbito do RESP nº 1836082/SE, sob relatoria da ministra Regina Helena Costa, que não deve incidir Pis e Cofins sobre os descontos e/ou bonificações dados aos varejistas pelos fornecedores, na aquisição de mercadorias.

O caso envolve empresa do setor varejista que buscava afastar a cobrança feita pela Receita Federal, que a autuou por não incluir os valores referentes a bonificações e descontos no cálculo do Pis e da Cofins.

O julgamento já havia sido iniciado em novembro de 2022, mas foi interrompido por pedido de vista do ministro Gurgel de Faria. Nesta ocasião, a ministra relatora havia se manifestado no sentido de que a base de cálculo do Pis e da Cofins é composta pelas receitas obtidas pela empresa, e que os descontos não integram o conceito de receita.

De acordo com a relatora, há redução do valor de compra dos bens a serem posteriormente vendidos, cuja análise não tem relação com o ingresso financeiro positivo ao varejista (conceito de receita).

O ministro Gurgel, em ato seguinte, proferiu voto vista acompanhando a relatora, classificando os descontos como “meros redutores” do custo de aquisição, e que os argumentos do Fisco decorrem de “premissas equivocadas”, de modo que, para ele, independentemente da forma dos descontos, não integram o conceito de receita, não incidindo Pis e Cofins. Contudo, é de se destacar que o acórdão ainda não foi disponibilizado para análise precisa dos votos.


– Qual é a importância da decisão para as empresas do varejo? A economia de impostos será relevante?  

Romero Marinho e Pedro Simão: As empresas do varejo são muito impactadas pela decisão, pois a prática de bonificação e descontos é comum no setor que, por vezes, firma acordos comerciais com seus fornecedores que buscam a fidelização ou, até mesmo, mais divulgação ou melhor exposição de suas mercadorias nas lojas físicas. Neste momento, mais do que a economia em si, a decisão é importante no sentido de formalizar um posicionamento do STJ favorável à tese defendida pelos contribuintes.

Rafael Amorim e Priscila Generoso: A decisão é importante principalmente porque, recentemente, os contribuintes vinham obtendo decisões desfavoráveis no âmbito administrativo. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) diferenciava se os descontos eram concedidos incondicionalmente ou mediante contraprestações por parte dos varejistas. Além disso, o julgado representa decisão inédita na 1ª Turma, sendo a primeira vez que esta julga o tema (não havendo ainda posicionamento da 2ª Turma, também competente para julgar o assunto).

Vale mencionar que na recente decisão proferida pela 3ª Turma do Carf, em 15/3/2023, nos autos do processo nº 16561.720008/2012-12, foi julgado procedente o Auto de Infração contra o Carrefour Comércio e Indústria Ltda, por entender que as bonificações e descontos concedidos por fornecedores têm caráter contraprestacional, constituindo receita para o varejista. Assim, foi mantida a cobrança de PIS e Cofins sobre os valores. Note-se, ainda, que a decisão representou uma reversão de entendimento na turma, que em setembro de 2022 decidiu de modo favorável ao contribuinte no processo 10480.722794/2015-59.

Além disso, é de se destacar que as discussões sobre o tema começaram a ficar aquecidas a partir de 2017, quando a Receita Federal manifestou entendimento acerca da incidência do Pis e Cofins nesses casos, através da Solução de Consulta nº 542, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) de 2017 e, mais especificamente, em relação às bonificações em mercadorias, na Solução de Consulta Cosit nº 202 de 2021.

A não-incidência do Pis e da Cofins sobre descontos e bonificações representa uma economia expressiva, excluindo parcela de receita anteriormente tributada, que deixa de ter o tratamento de receita.


– A decisão do STJ deverá ser seguida pela Receita Federal, ou seja, a discussão sobre o assunto terminou? A partir de quando ela passa a valer?

Romero Marinho e Pedro Simão: A decisão foi proferida pelo STJ por unanimidade, entretanto, o caso não foi julgado sob o rito dos Recursos Repetitivos e não possui efeito vinculante.

Nesse sentido, a Receita Federal não está obrigada a seguir a decisão proferida pelo STJ e pode manter seu entendimento e autuações sobre falta de recolhimento de tributos sobre as bonificações e descontos. Por outro lado, a decisão por unanimidade se torna um bom precedente para aqueles contribuintes que possuem discussões administrativas ou judiciais em curso sobre o tema.

Rafael Amorim e Priscila Generoso: Não. Vale ressaltar que a decisão não foi proferida em sede de recurso repetitivo e não tem caráter vinculante, de modo que não vincula o entendimento da Receita Federal, tampouco do Carf – apesar de representar um importante precedente judicial.

Assim, a discussão não está terminada, devendo o contribuinte continuar acompanhando as novas decisões a serem proferidas pelos tribunais.


– Varejistas que pagaram Pis e Cofins sobre bonificações e descontos das mercadorias adquiridas podem pedir restituição desses valores, agora que o STJ decidiu a respeito do assunto?

Romero Marinho e Pedro Simão: Os varejistas que tributaram os valores relativos às bonificações e descontos podem pedir a restituição. Contudo, se optarem pela esfera administrativa, as chances de deferimento são baixas no momento. Como mencionado, a decisão do STJ não possui efeitos vinculantes e a Receita Federal não está obrigada a segui-la.

Por outro lado, os contribuintes podem se valer da recente decisão como forte precedente para tratar do tema na esfera judicial, buscando o reconhecimento do direito de não tributar os valores relativos às bonificações e descontos.

Rafael Amorim e Priscila Generoso: Apesar de a decisão não possuir caráter vinculante, o contribuinte poderá utilizá-la como referência para firmar suas teses de restituição no futuro, já que o tema permanece ainda não pacificado.


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