Segregação patrimonial pode vir com norma do BC

Mercado aguarda por regulamentação do mercado de criptoativos

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Publicado o decreto que define o Banco Central (BC) como regulador dos criptoativos, agora as atenções se voltam para as futuras normas que o órgão irá editar. Uma das expectativas é que a segregação patrimonial – separação entre os ativos dos clientes e das corretoras de criptoativos – seja implementada por meio de norma do BC. A segregação estava inicialmente prevista no Projeto de Lei que resultou no Marco Legal dos Criptoativos (Lei 14.478/22), mas este não incorporou o mecanismo.

As normas do BC devem versar sobre o estabelecimento dos requisitos para que as chamadas VASPs (Virtual Assets Service Providers), empresas que prestam serviços relacionados aos criptoativos, desempenhem suas funções e sobre o funcionamento do mercado, especialmente considerando as questões relativas à transparência e proteção dos investidores, que hoje são as principais preocupações do regulador. “Por exemplo, está em discussão a possível obrigatoriedade de segregação patrimonial entre os ativos do cliente e das VASPs, além da possibilidade de introdução de regras referentes à transparência na remuneração dos prestadores de serviço envolvidos”, informam Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Thomaz Veiga, sócio e associados do Vieira Rezende Advogados.

O Decreto nº 11.563, publicado em 13 de junho de 2023, não trouxe surpresas: já se esperava que o BC fosse ser designado como o órgão regulador dos criptoativos e que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) continuasse como supervisora das transações com criptoativos que são valores mobiliários (ainda que, para alguns ativos, exista uma zona cinzenta para a definição do que pode ser assim considerado). “O enquadramento de um criptoativo como valor mobiliário ainda é algo muito discutido pelos órgãos reguladores mundiais e tem sido um fator de insegurança para o mercado. Cita-se como exemplo o caso dos Estados Unidos que, recentemente, adotou uma interpretação mais abrangente em relação ao enquadramento de criptoativos como securities (nomenclatura adotada pela Securities and Exchange Commission, SEC, para se referir a valores mobiliários), como no caso dos criptoativos Solana (SOL), Cardano (ADA) e Polygon (MATIC)”, afirmam os advogados do Vieira Rezende.

Na entrevista abaixo, Hanszmann, Brandão e Veiga abordam pontos referentes à regulação e regulamentação do mercado de criptoativos.


– Quais serão as atribuições do Banco Central (BC) no mercado de critpoativos? E o que cabe à Comissão de Valores Mobiliários (CVM)?

Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Thomaz Veiga: O Decreto nº 11.563, publicado em 13 de junho de 2023, que regulamenta a Lei 14.478/22, conhecido como “Marco Legal das Criptomoedas”, conferiu ao Banco Central (BC) a competência para, em resumo, regular a prestação de serviços de ativos virtuais, incluindo autorizar e supervisionar as empresas que venham a atuar em tal mercado (conhecidas pela sigla VASPs, do inglês Virtual Assets Service Providers). Sendo assim, conforme já era esperado pelo mercado, competirá ao BC estabelecer as regras de funcionamento aplicáveis às corretoras de ativos virtuais no Brasil (exchanges) e suas operações.

Não houve alteração em relação a competência da CVM já estabelecida na Lei 6.385/76, que permanece como autoridade responsável por regular o mercado de capitais brasileiro. Dessa forma, a CVM continua incumbida de regular os criptoativos que sejam enquadrados como valores mobiliários nos termos da legislação aplicável.


– Considerando a novidade do tema, há ativos cuja natureza de valor mobiliário ainda é passível de discussão, ou seja, ainda existem zonas cinzentas? Nesses casos, como será definido se o ativo em questão fica sob a alçada da CVM ou do BC?

Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Thomaz Veiga: Com certeza. O enquadramento de um criptoativo como valor mobiliário ainda é algo muito discutido pelos órgãos reguladores mundiais e tem sido um fator de insegurança para o mercado. Cita-se como exemplo o caso dos Estados Unidos que, recentemente, adotou uma interpretação mais abrangente em relação ao enquadramento de criptoativos como securities (nomenclatura adotada pela Securities and Exchange Commission, SEC, para se referir a valores mobiliários), como no caso dos criptoativos Solana (SOL), Cardano (ADA) e Polygon (MATIC).

A opção legislativa brasileira quanto à definição de valores mobiliários é abrangente. Por um lado, se alinha com o padrão europeu, que lista nominalmente os títulos enquadrados como valores mobiliários (como ações, debêntures, bônus de subscrição etc.). Por outro lado, também se alinha com o padrão norte-americano, ao incluir um inciso aberto (contratos de investimento coletivo) que outorga à CVM margem de interpretação para definir o enquadramento como valor mobiliário com base em análise casuística das características de cada título, considerando se: há investimento feito em dinheiro ou outro ativo que possa ser precificado; seria um empreendimento comum; há expectativa de lucro; o retorno seria originado de esforços de terceiros; e há oferta pública.

Diante desse cenário, a análise deve observar o caso concreto de cada criptoativo, que pode ser enquadrado como um Contrato de Investimento Coletivo para fins da legislação caso estejam previstos os requisitos no caso concreto, e assim eventualmente até mesmo estar sujeito à dupla jurisdição, do BC e da CVM.


– Em linhas gerais, sobre o que devem versar as normas que o BC irá editar para regular o mercado de criptomoedas?

Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Thomaz Veiga: Considerando a nota divulgada pelo BC em 21 de junho de 2023, espera-se que o foco principal seja o estabelecimento dos requisitos para o desempenho das funções das VASPs e do funcionamento do mercado em geral, em especial sobre transparência e proteção dos investidores, que hoje são as principais preocupações do regulador. Por exemplo, está em discussão a possível obrigatoriedade de segregação patrimonial entre os ativos do cliente e das VASPs, além da possibilidade de introdução de regras referentes à transparência na remuneração dos prestadores de serviço envolvidos. Importante ressaltar, ainda, a preocupação do BC na “coibição de fraudes, de preservação da integridade de mercados e de mitigação de riscos devido a interrelações entre os segmentos tradicionais e descentralizados.”


– Como deve ser o processo de adaptação das plataformas de criptomoedas e demais participantes desse mercado?

Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Thomaz Veiga: Ainda é cedo para antecipar como será exatamente o processo de adaptação das plataformas, mas é esperado que haja um período de transição para permitir a readequação das atividades e exigências pelos participantes do mercado, sem prejuízo aos serviços prestados aos clientes.


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