Por Dentro da Assembleia Geral Ordinária – A aprovação das contas e das demonstrações financeiras

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Em mais um artigo de nossa série de principais aspectos relacionados às Assembleias Gerais Ordinárias (AGOs), abordaremos a aprovação das contas da administração e das demonstrações financeiras (DFs), as quais devem ser submetidas anualmente para deliberação pela AGO.

Como mencionado anteriormente nesta série, como mecanismo de fiscalização dos acionistas, é necessária a apresentação de documentos para que os acionistas possam exercer seu direito de voto de forma informada na AGO. Estes documentos estão listados no artigo 133 da Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.), quais sejam: (i) o relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; (ii) a cópia das DFs; (iii) o parecer dos auditores independentes, se houver; (iv) o parecer do conselho fiscal, se houver; e (v) demais documentos pertinentes a assuntos da ordem do dia.

Para as companhias abertas, a Resolução CVM nº 81/2022 prevê a divulgação de uma proposta da administração para a AGO contendo, entre outras informações, os comentários dos administradores sobre a situação financeira da companhia, nos termos do item 2 do formulário de referência. Este item permite que os diretores apresentem os fatores que mais afetaram a situação financeira, econômica e patrimonial da companhia, incluindo aqueles que possam afetar o seu desenvolvimento futuro, “de forma a permitir uma interpretação mais precisa desses fatos pelos investidores, possibilitando que vejam a companhia pelos olhos da diretoria”, conforme orientações constantes do Ofício Circular Anual da Superintendência de Relações com Empresas da CVM de 2024[1].

Com relação às DFs, a Lei das S.A. prevê que, ao final de cada exercício social, as companhias devem elaborar, com base na escrituração mercantil da companhia, suas demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a sua situação patrimonial e as mutações ocorridas no exercício, as quais servirão de suporte para acompanhar a atuação dos administradores. Até que sejam aprovadas pelos acionistas, as DFs elaboradas pela administração são meras propostas, sujeitas a eventuais modificações.

O artigo 134, §4º da Lei das S.A. dispõe sobre as providencias que deverão ser tomadas caso os acionistas aprovem modificações às DFs, sendo certo que se for aprovada alteração no montante do lucro do exercício ou no valor das obrigações da companhia, os administradores promoverão, dentro de trinta dias, a republicação das DFs, com as retificações deliberadas pela assembleia. Se a destinação dos lucros proposta pelos órgãos de administração não for aprovada, as modificações deverão constar da ata da AGO.

Já com relação às contas dos administradores, o relatório da administração é a peça fundamental que deve resumir os principais eventos ocorridos ao longo do exercício social, incluindo as operações relacionadas ao objeto social, as causas de eventuais prejuízos, além de eventuais modificações na legislação ou regulamentação aplicáveis à companhia e que possam ter efeitos sobre sua operação.

A verdade é que tanto as DFs quanto o relatório da administração servem ao mesmo propósito, de prestar contas aos acionistas, utilizando, no entanto, formas distintas para tanto, a primeira em termos contábeis e o segundo de forma discursiva.

Ademais, embora seja comum que sua aprovação seja feita em conjunto, nada impede que estas matérias sejam divididas em duas deliberações distintas – uma sobre as contas dos administradores e outra sobre as DFs.

Além de ser relevante para o exercício do direito de fiscalização dos acionistas, a aprovação das demonstrações financeiras e das contas dos administradores é fundamental para os administradores, uma vez que, nos termos do artigo 134, §3º da Lei das S.A., sua aprovação sem reservas opera a desoneração de responsabilidade dos administradores e membros do conselho fiscal, salvo erro, dolo, fraude ou simulação.

Justamente pela relevância do tema, em especial pelo interesse dos administradores em sua aprovação, é que o parágrafo primeiro do artigo 115 da Lei das S.A. impede os acionistas que também sejam administradores de aprovarem suas próprias contas.

Nesse sentido, ao desonerar os administradores de responsabilidade, em princípio, a assembleia fica impedida de aprovar a propositura de ação de responsabilidade contra os administradores prevista no artigo 159 da Lei das S.A.

Os acionistas podem, no entanto, votar pela não aprovação das contas, sendo recomendável que seja consignando em ata a razão para tanto, enumerando os supostos atos irregulares.

Caso fique demonstrado que as DFs ou as contas foram elaboradas com erro, dolo, fraude ou simulação, é possível pleitear a anulação da aprovação anterior, observado o prazo de prescrição de dois anos contados da publicação da deliberação, conforme artigo 286 da Lei das S.A.

Assim, conforme entendimento da doutrina, a exoneração de responsabilidade dos administradores decorrente das aprovações das matérias aqui analisadas é relativa.

Em resposta a recentes escândalos envolvendo o assunto e a sensibilidade do tema para fins de segurança de credores, investidores e acionistas, e para o mercado de capitais em um contexto mais amplo, tramita atualmente na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei[2] para alterar a Lei das S.A. que, dentre outras propostas, prevê a alteração do artigo 134 da Lei das S.As., de modo que a aprovação das contas e DFs não exonere automaticamente os administradores de responsabilidade, tornando necessária uma aprovação específica nesse sentido.

Em conclusão, a aprovação das contas e das demonstrações financeiras na AGO não deve ser vista como mera formalidade legal, mas sim como ato essencial que engloba temas diversos, que vão desde os deveres dos administradores até pautas de governança corporativa. A participação ativa dos acionistas nesse processo, por meio da análise criteriosa dos documentos apresentados e da solicitação de esclarecimentos, é fundamental para reforçar os pilares de confiança e de estabilidade que sustentam a longevidade das companhias.


[1] https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/sep/oc-anual-sep-2024.html
[2] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2367421
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