Esh Capital e Gafisa travam luta de assembleias

Gestora e construtora convocam encontros para tratar do mesmo tema; CVM decide pela irregularidade da convocação por parte da gestora

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Uma briga societária entre a Gafisa e a gestora de recursos Esh Capital resultou numa situação incomum: a convocação de duas Assembleias Gerais Extraordinárias (AGEs) para tratar do mesmo tema, a propositura de ação de responsabilidade contra os administradores da construtora. A Esh Capital marcou o encontro de acionistas para 18 de março, e a construtora, para 26 de abril. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) se manifestou a respeito na semana passada. Em reunião do colegiado realizada em 15 de março, este acompanhou manifestação da área técnica e decidiu pela irregularidade da convocação da AGE feita pela Esh Capital.

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Cláudia Cunha de Gouvêa, sócia e associada do Carneiro de Oliveira Advogados, dizem que é teoricamente possível que dois acionistas convoquem assembleias distintas para deliberar sobre os mesmos temas, já que a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76) não traz vedação nesse sentido. “Por outro lado, em geral a deliberação da matéria em uma assembleia seria suficiente, não havendo razão para convocar duas assembleias distintas para deliberar sobre uma mesma matéria. Não obstante, a convocação de uma nova assembleia poderia se mostrar relevante em situações específicas, tal como a rejeição da matéria em uma primeira assembleia, seguida da submissão de uma proposta diferente em outra assembleia subsequente”, ponderam.

O caso concreto está relacionada à luta da Esh Capital luta pela realização de uma Oferta Pública de Aquisição de Ações (OPA) por parte da Gafisa, que seria necessária por conta do aumento da participação do empresário Nelson Tanure no capital social da construtora. O fundo Esh Theta Master (gerido pela Esh Capital) detém 9,9% do capital social da Gafisa.

A luta das assembleias

Em janeiro deste ano, a Esh Capital solicitou à Gafisa que convocasse a realização de uma AGE para que os acionistas decidissem sobre a propositura de ação de responsabilização contra administradores da Gafisa.

Fleck e Gouvêa explicam que uma das possibilidades de convocar assembleias é dada aos acionistas que representem de 1% a 5%, no mínimo, do capital social, quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 dias, a pedido de convocação que apresentarem, devidamente fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas.

No caso, a companhia atendeu à solicitação da Esh dentro do prazo de oito dias, mas marcou a AGE para 80 dias depois (contados da solicitação da Esh). A data fixada pela Gafisa para a AGE foi 26 de abril, mesma ocasião em que deve ocorrer a assembleia ordinária (AGO).

A Esh, por entender que o prazo de convocação da assembleia deveria ser de no máximo 30 dias de antecedência, publicou um edital de convocação da AGE para 18 de março. A Gafisa, por sua vez, não reconheceu a convocação feita pela Esh, alegando que já havia convocado a AGE para 26 de abril, e dizendo aos acionistas para desconsiderarem a AGE convocada pela Esh para 18 de março.

A construtora então apresentou para a CVM um pedido de interrupção do curso do prazo de convocação da AGE marcada para 18 de março para que a CVM declarasse a ilegalidade desta assembleia, alegando que atendeu ao pedido de convocação da AGE feita pela Esh e que a Lei das S.As não estabelece um prazo máximo de antecedência da convocação da assembleia, apenas um prazo mínimo, e permite que o acionista convoque diretamente a assembleia apenas quando a administração não atenda ao pedido de convocação dentro do prazo.

A Esh, por sua vez, manifestou à CVM preocupação com possível diluição acionária que pode ocorrer devido a dois créditos referentes ao exercício de bônus de subscrição, em março e abril.

A CVM decidiu que a convocação da AGE para o dia 18 de março foi irregular.

Na decisão, a Superintendência de Empresas (SEP) considerou que, “[…] ainda que os eventos mencionados pelo Esh Theta possam culminar na alteração da base acionária da Companhia, tal fato não tem o condão de tornar a convocação da assembleia para o dia 26.04.2024 ilegal. Assim, no entendimento da SEP, “com base nas informações disponíveis nos autos, não foi possível alcançar a conclusão por uma inação por parte da administração que autorizasse a convocação pelo acionista detentor de 5% ou mais ações do capital social nos termos do art. 123, parágrafo único, alínea c da Lei nº 6.404/76” (§ 44 do Parecer Técnico SEP nº 21).”

Na entrevista abaixo, Fleck e Gouvêa abordam pontos relacionados à convocação de AGEs.


– Quais acionistas podem convocar Assembleias Gerais Extraordinárias (AGEs) e com que antecedência a convocação deve ser feita?

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Cláudia Cunha de Gouvêa: Em linhas gerais, nas companhias abertas compete ao conselho de administração convocar as Assembleias Gerais Ordinárias e Extraordinárias.

Além disso, a Lei das Sociedades por Ações prevê que a assembleia geral poderá ser convocada:

  1. por qualquer acionista, quando os administradores retardarem, por mais de 60 dias, a convocação nos casos previstos em lei ou no estatuto;
  2. por acionistas que representem de 1% a 5%, no mínimo, do capital social (conforme escala prevista na Resolução CVM 70/2022), quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 dias, a pedido de convocação que apresentarem, devidamente fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; e
  • por acionistas que representem 5%, no mínimo, do capital votante (ou 5% por cento, no mínimo, dos acionistas sem direito a voto, se aplicável), quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 dias, a pedido de convocação de assembleia para instalação do conselho fiscal.

A convocação deve ocorrer com, no mínimo, 21 dias de antecedência em primeira convocação; e 8 dias de antecedência em segunda convocação.


– É possível que dois acionistas convoquem AGEs distintas para deliberar sobre os mesmos temas?

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Cláudia Cunha de Gouvêa: Diante do extenso rol de acionistas de companhias abertas, muitas delas com base acionária superior a 100 mil acionistas, é teoricamente possível que dois acionistas convoquem assembleias distintas para deliberar sobre os mesmos temas. Nesse sentido, inexiste vedação expressa na Lei das Sociedades por Ações.

Por outro lado, em geral a deliberação da matéria em uma assembleia seria suficiente, não havendo razão para convocar duas assembleias distintas para deliberar sobre uma mesma matéria. Não obstante, a convocação de uma nova assembleia poderia se mostrar relevante em situações específicas, tal como a rejeição da matéria em uma primeira assembleia, seguida da submissão de uma proposta diferente em outra assembleia subsequente.


– Qual é o papel da CVM quanto à realização das AGEs? Cabe à autarquia dar aval ou não à realização das AGEs, assim como opinar sobre as pautas submetidas à votação?

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Cláudia Cunha de Gouvêa: Suas atribuições específicas envolvem a verificação da conformidade com as normas e regulamentos estabelecidos, assegurando a transparência e a equidade nos processos decisórios das AGEs.

A CVM não tem, contudo, o poder de avaliar ou aprovar a convocação/realização das AGEs, tampouco de opinar sobre as pautas submetidas à votação. Incumbe à autarquia apenas verificar se os procedimentos de convocação e condução das assembleias estão em conformidade com a legislação vigente e com as normas estabelecidas pela própria CVM.

Além disso, a CVM fiscaliza a legalidade e a lisura das AGEs, incluindo a divulgação de informações relevantes aos acionistas e a garantia dos direitos destes. A CVM também tem o papel de assegurar que o processo decisório seja transparente e que as deliberações sejam tomadas de acordo com os interesses da companhia e de seus acionistas.

A atuação da CVM visa, ao final, a promover a integridade e a confiabilidade do mercado de capitais brasileiro, proporcionando um ambiente regulatório sólido que inspire confiança aos investidores e contribua para o desenvolvimento econômico do país.


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