STF julga embargos no caso do ICMS na base de cálculo de PIS e Cofins
Ministros decidiram pela inconstitucionalidade da cobrança em 2017, conforme a interpretação de que o imposto estadual não é receita
Está em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) um julgamento que tende a ter bastante repercussão tanto para os contribuintes quanto para a União, dada sua extensão. A questão envolve a inserção do ICMS na base de cálculo de PIS e Cofins, já considerada inconstitucional pelos ministros da Corte em 2017, mas ainda pendente da apreciação de embargos à decisão apresentados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que requer esclarecimento de qual ICMS deve ser excluído da base de cálculo e afastamento da possibilidade de ressarcimento retroativo dos tributos.
“No entendimento da Corte, à luz do art. 195, I, “b”, da Constituição Federal, o ICMS não deve integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins, por não representar receita ou faturamento das empresas”, observa Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. “Trata-se de discussão histórica, de mais de 20 anos, sobre a exclusão do ICMS das bases de cálculo de PIS/Cofins. A tese gira em torno do conceito de ‘faturamento’, na qualidade de base de cálculo dessas contribuições”, explica Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados.
A continuidade do julgamento é importante à medida que pode obrigar a União a reembolsar um montante bilionário em tributos não devidos e já pagos pelos contribuintes, caso a decisão não seja modulada. A União estima que a ausência de modulação dos efeitos da decisão pelo STF pode gerar um impacto aos cofres públicos em torno de 250 bilhões de reais — valor que pode ser ainda maior se for confirmado que o ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições é aquele destacado nas notas fiscais, contrariamente ao que defende a PGFN.
Na avaliação de Braichi, não cabe ao STF utilizar a ferramenta da modulação dos efeitos como política fiscal. “Devem ser considerados também os riscos para toda a sociedade, em especial ao se considerar os impactos sofridos pelos contribuintes durante a pandemia da covid-19”, afirma. “Modular efeitos de decisões judiciais deve ser sempre uma exceção, motivada pela segurança jurídica quando há mudança de posicionamento de jurisprudência consolidada no âmbito dos tribunais superiores. Mas não é o que temos no caso concreto”, complementa Chiaradia.
Há, ainda, um ponto de atenção adicional para a União: o fato de as razões de decidir do acórdão potencialmente darem origem a várias outras teses questionando a inclusão de impostos na base de cálculo de contribuições e de outros tributos.
A seguir, Braichi e Chiaradia comentam outros aspectos desse julgamento histórico de tema tributário no STF.
Está em análise no STF a devolução aos contribuintes de valores referentes a PIS e Cofins. Do que trata especificamente esse julgamento?
Estão pendentes de julgamento no STF os embargos de declaração opostos pela Fazenda Nacional no Recurso Extraordinário nº 574.706, que dispõem sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. O recurso, julgado em caráter de repercussão geral pelo STF em 2017, consolidou o entendimento da Corte no sentido de que, à luz do art. 195, I, “b”, da Constituição Federal, o ICMS não deve integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins, por não representar receita ou faturamento das empresas.
Em face dessa decisão, a União Federal apresentou embargos de declaração requerendo: a modulação dos efeitos do julgado, cuja aplicação ficará restrita a pedidos posteriores ao julgamento dos embargos de declaração; e a definição sobre qual o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins — aquele destacado nas notas fiscais ou o ICMS efetivamente recolhido pelos contribuintes aos estados.
Trata-se a discussão histórica, de mais de 20 anos, sobre a exclusão do ICMS das bases de cálculo de PIS/Cofins. A tese gira em torno do conceito de “faturamento”, na qualidade de base de cálculo dessas contribuições. O ICMS destacado na nota fiscal de venda de mercadorias, apesar de compor o preço da mercadoria, por ser tributo devido ao fisco estadual, não representa faturamento e, por esse motivo, não pode ser tributado por PIS/Cofins.
Apesar de se manter uma jurisprudência favorável ao contribuinte há mais de cinco anos, reconhecendo-se que o ICMS não deve compor a base de cálculo dessas duas contribuições, ainda está em discussão “qual o valor desse ICMS a ser excluído (ICMS destacado na nota fiscal ou apurado nos livros fiscais mensalmente a ser pago ao fisco estadual)” e a eventual possibilidade de se modular os efeitos dessa decisão.
Qual o alcance, em termos de valores, dessa eventual devolução?
A discussão sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins tem levado diversos contribuintes ao Judiciário pleiteando o seu direito à exclusão do imposto da base de cálculo dessas contribuições, bem como a compensação/restituição dos valores indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos.
Em vista disso, a União estima que a ausência de modulação dos efeitos da decisão pelo STF pode gerar um impacto aos cofres públicos superior a 250 bilhões de reais. Essa estimativa pode ser ainda maior caso seja confirmado que o ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições é aquele destacado nas notas fiscais, tese contrária à defendida pela Fazenda Nacional.
Ademais, as razões de decidir do acórdão deram origem a várias outras teses que questionam a inclusão de impostos na base de cálculo de contribuições e de outros tributos, o que tem o potencial para gerar um impacto ainda maior para os cofres públicos.
Os valores são considerados bilionários, considerando que muitas discussões datam de mais de 15 anos em muitas empresas.
A decisão do STF sobre PIS e Cofins nesse caso seria retroativa?
Com o julgamento atual do STF, foi reconhecida a inconstitucionalidade da cobrança das contribuições com a inclusão do ICMS na base de cálculo, de modo que todas as empresas que tiverem o questionamento terão direito à restituição dos valores indevidamente recolhidos, conforme a prescrição. A PGFN pleiteia em seu recurso que a modulação dos efeitos tenha como marco inicial o julgamento dos embargos de declaração pelo Supremo neste ano. Contudo, a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade deve se dar quando ocorre a mudança de jurisprudência da Corte, o que não aconteceu no presente caso. Portanto, espera-se que o STF sequer acate o pedido de modulação dos efeitos da decisão.
Se o STF entender que deve modular os efeitos da decisão, poderá adotar como marco inicial para tanto o julgamento favorável da tese em 2017, podendo haver uma “modulação para frente”, na qual o julgado teria efeitos a partir de 2017, ou uma modulação “para trás”, sendo possível que os contribuintes que já têm ações judiciais sejam ressarcidos sobre o montante recolhido indevidamente em relação aos cinco anos anteriores à decisão do Supremo.
A decisão proferida pelo STF é declaratória, no caso concreto, reconhecendo que o ICMS não deve compor a base de cálculo de PIS/Cofins. Ela foi proferida em sede de repercussão geral, de modo que alcança a todos aqueles que têm discussão administrativa e judicial a respeito, que deverão observar o decidido pelo STF. Com essa decisão sendo considerada definitiva, muitos contribuintes que ainda não discutiram poderão pleitear a restituição dos valores recolhidos indevidamente nos últimos cinco anos. Caso o STF module os efeitos da discussão, poderá ser colocado limite a essa restituição, por exemplo. Não sabemos ainda como isso será discutido e debatido.
A PGFN defende que uma modulação de efeitos seria indispensável em caso de decisão desfavorável à União para manutenção da segurança jurídica. Você concorda com essa tese? Por quê?
A meu ver, não há mudança de jurisprudência da Corte que justifique a modulação dos efeitos da decisão. Ademais, a Fazenda Nacional não pode, em embargos de declaração, apresentar argumentos novos para o questionamento, como o ponto do ICMS destacado na nota versus ICMS efetivamente recolhido.
A questão está no STF há mais de 20 anos, sendo que desde 2006 a decisão já tinha se proclamado em favor dos contribuintes. Neste ínterim, a legislação pátria poderia ter sido alterada para tentar conter os efeitos da decisão favorável aos contribuintes, mas a Fazenda Nacional preferiu insistir no questionamento judicial, com a interposição de ADC 18 e agora pressiona o STF com argumentos econômicos para que sejam modulados os efeitos. No entanto, a modulação dos efeitos da decisão deve considerar também a situação das empresas que vêm sendo oneradas indevidamente por essas contribuições há anos, sem ter a definição de como deve se dar a tributação.
Desse modo, não cabe ao Supremo fazer uso da modulação dos efeitos como política fiscal de modo a pautar-se tão somente nos riscos arrecadatórios para à União, mas sim sobre toda a sociedade, em especial ao se considerar os impactos sofridos pelos contribuintes durante a pandemia da covid-19.
Nesse sentido, permitir que um dispositivo inconstitucional permaneça produzindo efeitos no ordenamento jurídico, ainda que por tempo determinado, representa uma verdadeira ofensa ao princípio da segurança jurídica, ao contrário do que afirma a Fazenda Nacional.
Não, não concordo. Modular efeitos de decisões judiciais deve ser sempre uma exceção, motivada pela segurança jurídica quando há mudança de posicionamento de jurisprudência consolidada no âmbito dos tribunais superiores. Não é o que temos no caso concreto. Há mais de cinco anos a PGFN tem conhecimento da posição do STF quanto à necessidade de exclusão do ICMS das base de cálculo de PIS/Cofins e insiste em manter essa cobrança inconstitucional, impondo diversas restrições aos contribuintes que inclusive já possuem decisão favorável transitada em julgado.
Os valores estimados nas contas públicas com relação à suposta perda na arrecadação alegada pela PGFN não refletem valores líquidos e certos e não têm qualquer motivação. Apesar da perda certa com relação ao mérito, a Fazenda Nacional insiste em avaliar suas chances de êxito na discussão como possível. É muita resistência que vem sendo utilizada como fundamento para se pleitear uma modulação de efeitos que não terá o condão de manter nenhuma segurança jurídica no cenário fiscal.