Varejistas e atacadistas perdem créditos do Pis e da Cofins

Decisão do STJ abarca produtos sujeitos à tributação monofásica, como combustíveis, medicamentos e bebidas frias

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Varejistas e atacadistas que compram produtos sujeitos à tributação monofásica (que incide apenas no início da cadeia produtiva) perderam um importante embate. Eles não poderão constituir créditos de Pis e da Cofins sobre o custo de aquisição desses bens, segundo decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no fim de abril.

A discussão sobre a possibilidade de os revendedores contarem ou não com créditos advindos das vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência do Pis e da Cofins começou com a publicação da Lei 11.033/04, que autorizou a possibilidade de manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações. No entanto, o entendimento da corte foi que o princípio da não cumulatividade de tributos (que possibilita a obtenção de créditos) não seria aplicável quando não existe dupla ou múltipla tributação — como nos casos de incidência monofásica —, já que nessas situações a carga tributária é suportada por um único contribuinte (no caso em questão, os fabricantes desses produtos). Portanto, não seria adequado que demais contribuintes (varejistas ou atacadistas) contassem com créditos tributários. 

Sócia do Vieira Rezende Advogados, Bruna Luppi considera que a decisão da corte não foi acertada. “A vedação fere o princípio constitucional da não cumulatividade, pois embora o pagamento das contribuições ocorra no início da cadeia, há o repasse do ônus tributário no preço do produto ao adquirente, não sendo legítimo que ele não tenha o direito de aproveitar os créditos pela aquisição realizada”, afirma.

Como o julgamento foi de recursos repetitivos (REsp 1894741 e REsp 1895255), a decisão deve ser acatada pelas instâncias inferiores que julgam processos sobre o mesmo tema – seriam 1,6 mil em tramitação, de acordo com estimativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). 

A seguir, Luppi detalha como funciona o regime monofásico de tributação e avalia aspectos relacionados à recente decisão do STJ.


No que consiste o regime monofásico de tributação e a quem ele se aplica?

Bruna Luppi: O regime monofásico do Pis e da Cofins consiste na tributação concentrada no início da cadeia produtiva, sendo atribuído a determinado contribuinte (fabricante/industrial e importador) o dever de arcar com o tributo devido em toda a cadeia de comercialização, ficando os produtos sujeitos à alíquota zero nas demais etapas. Assim, a incidência tributária se dá em toda a cadeia, com alíquota majorada na primeira etapa e alíquotas zeradas a partir dos contribuintes subsequentes (revendedores atacadistas e varejistas).

A tributação monofásica, embora seja um instituto diverso, se assemelha à substituição tributária, pois o ônus da tributação de todo o ciclo produtivo recai sobre um único contribuinte, que antecipa o pagamento de toda a cadeia produtiva.

A incidência monofásica prevê regras específicas de cálculo do Pis e da Cofins, com alíquotas diferenciadas que são superiores às alíquotas básicas dos regimes cumulativo e não cumulativo, e se aplica a grupos específicos de produtos, como combustíveis e álcool, medicamentos e artigos de perfumaria, veículos, autopeças e pneus, bem como bebidas frias (conforme a Tabela 4.3.10 – Produtos Sujeitos a Alíquotas Diferenciadas: Incidência Monofásica e por Pauta (Bebidas Frias) – CST 02 e 04 disponível em http://sped.rfb.gov.br/arquivo/show/1638), podendo tais produtos estar sujeitos ao regime cumulativo ou não cumulativo, de acordo com o regime de tributação da pessoa jurídica. 

Essa tributação diferenciada decorrente da incidência monofásica nada mais é do que um mecanismo criado para simplificar a fiscalização do tributo por parte do fisco federal em relação a setores econômicos que geram arrecadação expressiva, pois, ao contrário da incidência plurifásica — em que fabricante/importador, atacadistas e varejistas pagam o Pis e a Cofins, o que gera a necessidade de fiscalização de todos os participantes da cadeia produtiva —, o fisco passa a concentrar sua fiscalização no contribuinte responsável pelo tributo, tornando mais eficiente e simples o controle da própria arrecadação.


O que motivou a discussão sobre o direito ao crédito do Pis e da Cofins por parte de empresas tributadas pelo regime monofásico?

Bruna Luppi: As Leis 10.637/02 e 10.833/03, que regulam o regime não cumulativo do Pis e da Cofins, definem as situações nas quais é possível o creditamento, vedando o direito ao crédito das aquisições de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento das contribuições, inclusive no caso de isenção, alíquota zero ou não incidência.

Com o advento da Lei 11.033/04, que instituiu o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto) e trouxe outras providências, o artigo 17 determinou que “as vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência da contribuição para o Pis/Pasep e da Cofins não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações”. Dessa forma, autorizou a possibilidade de manutenção dos créditos das referidas contribuições pelo vendedor (atacadistas/varejistas) nas vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência.

Assim, o direito ao creditamento do Pis e da Cofins na aquisição de produtos sujeitos à tributação monofásica das referidas contribuições passou a ser discutido não apenas em razão do princípio constitucional da não-cumulatividade, mas também a partir da regra do artigo 17 da Lei 11.033/04.

Com a vigência do referido dispositivo, os contribuintes atacadistas ou varejistas de quaisquer produtos sujeitos à tributação monofásica passaram a pleitear o reconhecimento do direito ao crédito relativo à aquisição de tais produtos, com base na regra da não cumulatividade aplicável às contribuições sociais, na forma do artigo 195, § 12 do Texto Constitucional, afirmando ainda que os dispositivos das Leis 10.637/02 e 10.833/03, que vedaram a constituição de créditos do Pis e da Cofins sobre o custo de aquisição de bens sujeitos à tributação monofásica, teriam sido tacitamente revogados pelo artigo 17 da Lei 11.033/04, além do que tal dispositivo teria aplicação em relação às operações realizadas fora do Reporto por não haver limitação legal nesse sentido.

Nesse contexto, o tema envolve a discussão se o benefício instituído pelo artigo 17 da Lei 11.033/04 se aplica apenas às empresas que se encontram inseridas no regime específico de tributação denominado Reporto, se o referido dispositivo permite o cálculo de créditos dentro da sistemática da incidência monofásica do Pis e da Cofins e, ainda, se a tributação monofásica do Pis e da Cofins seria compatível com a técnica do creditamento decorrente do regime não cumulativo das referidas contribuições.


O que o STJ decidiu com relação ao uso do crédito tributário por parte dessas empresas? 

Bruna Luppi: A Primeira Seção do STJ, por meio dos Recursos Especiais 1.894.741/RS e 1.895.255/RS, submetidos ao rito dos recursos repetitivos por meio do Tema 1.093, concluiu que é vedado o creditamento do Pis e da Cofins sobre o custo de aquisição de bens sujeitos à tributação monofásica, restando vencida a Ministra Regina Helena Costa.

Para tanto, a corte afirmou que o princípio da não cumulatividade não seria aplicável às situações em que não existe dupla ou múltipla tributação, como nos casos de incidência monofásica, em que a carga tributária é concentrada em uma única fase do ciclo produtivo e, portanto, suportada por um único contribuinte, entendendo que não haveria, nesse mecanismo de tributação diferenciada, a necessidade de seguir o princípio da não cumulatividade, que seria próprio do regime plurifásico. 

Também afirmou que o artigo 17 da Lei 11.033/04 não teve a intenção de modificar a sistemática vigente, tendo apenas disciplinado que os créditos regularmente gerados na aquisição de bens sujeitos à não cumulatividade (incidência plurifásica) sejam mantidos quando as respectivas vendas forem realizadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência. Portanto, não houve uma permissão para a constituição de créditos de Pis e Cofins sobre o custo de aquisição de bens sujeitos à tributação monofásica.

A partir daí, a conclusão foi que os dispositivos das Leis 10.637/02 e 10.833/03 não teriam sido revogados pelo artigo 17 da Lei 11.033/04, acrescentando que tal artigo diz respeito à manutenção de créditos de Pis e Cofins cuja constituição não foi vedada pela legislação em vigor. 

Assim, não estaria autorizado o creditamento das contribuições sobre o custo de aquisição de bens sujeitos à tributação monofásica por força das vedações contidas nas referidas Leis 10.637/02 e 10.833/03, além de vedações também previstas em outros dispositivos legais anteriores e posteriores ao referido artigo 17.

Por fim, restou decidido que a incidência monofásica do Pis e da Cofins não seria incompatível com a técnica de creditamento das referidas contribuições, já que se vincula aos bens, e não à pessoa jurídica, embora não seja apta a gerar créditos das referidas contribuições.

A partir dessas conclusões foram fixadas teses acerca da impossibilidade de creditamento do Pise da Cofins em relação a produtos com tributação monofásica.


Qual é a sua avaliação sobre a decisão da corte? 

Bruna Luppi: Considerado o regime aplicável ao Pis e à Cofins, na esteira do próprio texto constitucional que estabeleceu o princípio constitucional da não cumulatividade de forma ampla (artigo 195, §12 da Constituição Federal) e o regime monofásico de tributação para tais contribuições (artigo 149, §4º da CF), a decisão parece não ser a mais adequada.

Isso porque a tributação monofásica se aplica a determinados produtos, que poderão estar sujeitos ao regime cumulativo ou não cumulativo das contribuições, a depender do regime de tributação da pessoa jurídica que será responsável pelo pagamento.

Assim, considerando que a incidência monofásica não é uma exceção à aplicação do regime da não cumulatividade — embora algumas singularidades tenham que ser observadas —, e que a legislação prevê o sistema de creditamento no regime da incidência não cumulativa do Pis e da Cofins, inclusive como forma de possibilitar a recuperação das despesas com tributos nas operações ou etapas anteriores, a vedação ao crédito para as pessoas jurídicas sujeitas a tal sistemática não se coaduna com o regime próprio das referidas contribuições.

A vedação aos créditos do Pis e da Cofins nas aquisições no regime monofásico de tributação fere o princípio constitucional da não cumulatividade, pois embora o pagamento das contribuições ocorra no início da cadeia, há o repasse do ônus tributário no preço do produto ao adquirente, não sendo legítimo que ele não tenha o direito de aproveitar os créditos pela aquisição realizada.

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