Como funcionam o voto múltiplo e a votação em separado na eleição do conselho de administração em companhias abertas

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Neste artigo, que faz parte da nossa série de principais aspectos relacionados às Assembleias Gerais Ordinárias, apresentaremos dois importantes instrumentos no âmbito da eleição dos membros do conselho de administração das sociedades por ações, em especial as de capital aberto: o voto múltiplo e o voto em separado.

De modo geral, a eleição do conselho de administração é realizada por meio de votação por chapa, ou seja, cada voto é conferido a um rol de candidatos específicos para ocuparem determinados cargos. Tendo em vista que é eleita a chapa com o maior número de votos, o controlador ou acionista de referência de uma companhia pode deter o poder de eleger todos os membros do conselho de administração de referida companhia. Neste contexto, o voto múltiplo e a votação em separado foram estabelecidos pela legislação brasileira com a finalidade se assegurar que os acionistas minoritários, observados determinados requisitos, tenham a possibilidade de eleger membros do conselho de administração de determinada companhia.

Voto múltiplo

Com relação ao voto múltiplo, o artigo 141 da Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A) confere aos acionistas minoritários representando, no mínimo, 10% do capital social com direito a voto, o direito de requerer a adoção do processo de voto múltiplo nas eleições do conselho de administração da companhia em questão[1]. Nos termos da Resolução CVM nº 70/2022 (RCVM 70), o referido percentual de 10% é reduzido de acordo com o valor do capital social da companhia aberta, de modo que, quanto maior o capital social, menor o percentual mínimo de capital votante para solicitação do voto múltiplo.

O escalonamento dos percentuais, conforme a RCVM 70, varia de 10% para companhias com capital social de até R$ 10.000.000,00, até 5% para companhias com capital social a partir de R$ 100.000.001,00. Assim, a adoção do processo do voto múltiplo está condicionada à verificação de posição acionária significativa por tais minoritários.

Por meio deste processo eletivo, o número de votos correspondente a cada ação de emissão da companhia é multiplicado pelos cargos a serem preenchidos, e cada acionista pode cumular seus votos resultantes de tal multiplicação em um único candidato, ou distribuir os votos a seu exclusivo critério entre os candidatos existentes, de modo a tentar eleger o maior número de membros do conselho de administração na eleição em questão. Vale reforçar que uma vez adotado o processo de voto múltiplo, este será aplicável na assembleia a todos os acionistas da companhia, inclusive o controlador.

O requerimento de adoção do processo de voto múltiplo deve ser enviado pelo acionista interessado em até 48h antes da realização da assembleia geral que deliberar sobre a eleição do conselho de administração da companhia. O objetivo deste aviso prévio é conferir a todos os acionistas tempo razoável para preparação da estratégia de votação. Cumpridos os requisitos para adoção do voto múltiplo, a mesa que dirigir os trabalhos da assembleia geral é obrigada a informar a todos os presentes o número mínimo de votos necessários para eleição de cada membro do conselho de administração, de modo a permitir que os acionistas adotem a melhor estratégia de alocação de votos nos candidatos de sua preferência (artigo 141, §1º da Lei das S.A.).

No cômputo dos votos, são considerados tanto aqueles que manifestarem a alocação de votos durante a assembleia, quanto aqueles indicados nos respectivos boletins de voto a distância. Embora não seja possível traçar com precisão a estratégia antecipadamente, os boletins possibilitam que os acionistas indiquem qual percentual de votos deve ser alocado em cada candidato, se houver voto múltiplo.

Importante destacar que, sempre que a eleição tiver sido realizada pelo processo de voto múltiplo, a destituição de qualquer membro do conselho de administração pela assembleia geral resultará na destituição dos demais membros, sendo necessário realizar nova eleição. Nos demais casos de vacância, não havendo suplente, a primeira assembleia geral subsequente deverá proceder à eleição de todos os membros do conselho de administração (artigo 141, §3º da Lei das S.A.). Com base nesta regra, evita-se descaracterizar a representatividade alcançada no  processo de voto múltiplo.

Votação em separado

No que se refere à votação em separado, destacamos que, no âmbito das companhias abertas[2], o §4º do artigo 141 da Lei das S.A. confere o direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho de administração, em votação em separado:

  • à maioria dos titulares de pelo menos 15% das ações de emissão da companhia com direito a voto (ou 10%, no caso das companhias abertas que emitem somente ações ordinárias com direito a voto), e
  • à maioria dos titulares de ações sem direito a voto ou com voto restrito, que representem pelo menos 10% do capital social da companhia[3].

Além dos percentuais acima, os acionistas que queiram exercer o voto em separado devem comprovar a titularidade ininterrupta da participação acionária na companhia durante o período de 3 meses, no mínimo, imediatamente anterior à realização de assembleia geral (artigo 141, § 6º da Lei das S.A.).

Por meio da votação em separado, são criados colégios eleitorais específicos (um para os acionistas com direito a voto, e outro para acionistas sem direito a voto ou com voto restrito) e, diferentemente do processo de voto múltiplo, o acionista controlador não participa da votação em separado. Na votação em separado, e eleição será realizada por maioria de votos dentro do universo de minoritários presentes à assembleia geral e que desejem participar da votação nesse formato.

Nos termos do §7º do artigo 141 da Lei das S.A., sempre que, cumulativamente, a eleição do conselho de administração ocorrer (i) pelo sistema do voto múltiplo, e (ii) os titulares de ações ordinárias ou preferenciais exercerem a prerrogativa de eleger conselheiro em votação em separado, será assegurado ao acionista (ou ao grupo de acionistas vinculados por acordo de votos) que detenha mais de 50% do total de votos conferidos pelas ações com direito a voto, o direito de eleger membros do conselho de administração em número igual ao dos eleitos pelos demais acionistas, mais um, independentemente do número de conselheiros que, segundo o estatuto, componha o órgão. Esta previsão legal corresponde a uma prerrogativa conferida ao controlador, preservando o controle estável da companhia.

Por fim, ressalta-se que o processo do voto múltiplo e a votação em separado podem ocorrer em uma mesma assembleia geral. Nesta hipótese, o acionista deverá escolher em qual processo eletivo suas ações participarão, podendo, inclusive, utilizar parte de suas ações para votar por voto múltiplo e parte para votar em votação em separado, desde que comprovada a titularidade ininterrupta das ações de emissão da companhia, conforme mencionado acima.


[1] O processo de voto múltiplo somente se aplica nas situações de eleição para composição integral do conselho de administração, não sendo aplicável em eleições de substitutos de conselheiros previamente eleitos sem o processo de voto múltiplo.

[2] O artigo 18 Lei das S.A. indica que o estatuto das companhias (neste caso, abertas ou fechadas) pode conferir a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos da administração. Caso o acionista utilize a votação em separado eventualmente prevista no estatuto da companhia, não poderá utilizar as mesmas ações na votação em separado prevista no §4º do artigo 141 da Lei das S.A., ou no processo de voto múltiplo.

[3] Os acionistas com direito a voto e os acionistas sem direito a voto ou com voto restrito, caso não perfaçam os percentuais de 15% e 10%, respectivamente, podem agregar as suas ações para elegerem em conjunto 01 (um) membro e seu suplente do conselho de administração da Companhia se, em conjunto, atingirem o percentual de 10% do capital social da Companhia.


Coautoria de Bárbara Domene

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