Norma da Receita restringe conceito de insumo

Instrução Normativa 2.121/22 reduz possibilidades de creditamento do PIS e da Cofins

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No fim do ano passado, a Receita Federal publicou uma norma que compila diversas outras normas sobre o PIS e a Cofins e tenta esclarecer o seu entendimento sobre o tema. No entanto, o saldo deve ser negativo para os contribuintes: advogados tributaristas consideram que a Instrução Normativa 2.121/22 limita o conceito de insumo – o que deve aumentar a carga tributária.

No caso do PIS e da Cofins, o conceito de insumo é fundamental porque gastos com insumos que serão utilizados na atividade produtiva geram créditos que podem ser abatidos do valor a pagar de PIS e Cofins, na sistemática não cumulativa. Como a norma restringe o que pode ser considerado insumo, o resultado é que os contribuintes terão menos créditos, aumentando o valor pago ao Fisco.

Para Romero Marinho, advogado associado do Freitas Ferraz Advogados, a parte positiva da norma é que ela trouxe exemplos de insumos (esclarecendo melhor o debate sobre o que pode ser considerado insumo) e também de dispêndios que assim podem ser classificados a partir de normas legais ou infralegais.

No entanto, por outro lado, fez algumas restrições sobre o que pode ser considerado insumo, como os casos que decorrem de exigência de celebração de acordos ou convenções coletivas de trabalho (como valores pagos pelas empresas ao plano de saúde e vale-transporte dos funcionários).

Michel Siqueira Batista e Caio Persici, associados do Vieira Rezende Advogados, também consideram que a norma limitou o conceito de insumo: “É claramente uma nova tentativa de restringir o conceito firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp n° 1.221.170 e aproximar, de forma indevida, o creditamento do PIS/Cofins da sistemática prevista na legislação do IPI e do ICMS”. O STJ definiu que o conceito de insumo do PIS/Cofins difere daquele aplicável ao IPI e ao ICMS. No caso do PIS e da Cofins, ele deve ser interpretado considerando a atividade empresarial do contribuinte como um todo, não sendo limitado pelo processo produtivo strictu sensu. Para eles, a IN da Receita também fere o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE 841.979 – que foi o de que a base dos créditos do PIS e da Cofins deve guardar relação com sua base de débitos. Portanto, não seria possível limitar o creditamento do PIS e da Cofins a despesas diretamente relacionadas ao processo produtivo.

Do lado favorável aos contribuintes, a norma previu a exclusão do ICMS destacado em nota fiscal da base de cálculo do PIS e da Cofins. Nesse aspecto, a norma da Receita reconhece e decorre da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na chamada “tese do século”. Como a corte definiu que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins, o valor que o contribuinte tem a pagar referente a estas duas contribuições se reduz.

Outro ponto benéfico aos contribuintes – mas que teve vida curta – é que a IN 2.121/22 prevê que o ICMS pode ser incluído na base de créditos das contribuições. O contribuinte ganharia em duas pontas: com a exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições e com sua inclusão na base de cálculo dos créditos. Ou seja, de um lado teria menos imposto a pagar e, do outro, mais créditos de PIS e Cofins a receber. No entanto, este último benefício foi alterado com o recente pacote de medidas fiscais do governo. A Medida Provisória 1.159/23 determinou a exclusão do ICMS também da base de créditos. “Isso significa que a Instrução Normativa necessitará de alteração quando a MP entrar em vigor”, diz Marinho.

Leia, abaixo, a entrevista com Marinho, Batista e Persici sobre as mudanças trazidas pela nova norma da Receita Federal.


– De que forma a Instrução Normativa define o conceito de insumo?

Romero Marinho: A nova Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil (RFB) compilou diversas normas sobre o assunto, além de (tentar) esclarecer o seu próprio entendimento sobre o tema. Dentre as novidades, a RFB trouxe expressamente o critério da essencialidade ou relevância para definir o conceito de insumos.

Além de determinar que insumos são todos os bens ou serviços considerados essenciais ou relevantes para o processo de produção ou fabricação de bens destinados à venda ou de prestação de serviços, a norma também dispõe que se consideram insumos os bens ou serviços especificamente exigidos por norma legal ou infralegal para viabilizar as atividades de produção de bens ou prestação de serviços do contribuinte. 

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: O caput do artigo 176 da Instrução Normativa 2.121/21 define o conceito de insumo como “os bens ou serviços considerados essenciais ou relevantes para o processo de produção ou fabricação de bens destinados à venda ou de prestação de serviços”, ou seja, reafirma a posição do Parecer Cosit n° 5/2018 de que os conceitos de essencialidade e relevância deveriam levar em conta somente os dispêndios ligados ao processo produtivo da empresa.


– A definição de alguma maneira restringe, amplia ou mantém o conceito de insumo definido pelo STJ?

Romero Marinho: Apesar de se valer do conceito de insumo definido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), entendo que, de certa forma, podemos considerar que a definição trouxe novas restrições, como a impossibilidade de considerar como insumos os casos que decorrem de exigência de celebração de acordos ou convenções coletivas de trabalho.

Assim, embora gastos decorrentes de exigência legal ou infralegal possam ser considerados como insumos, os valores pagos a título de plano de saúde e vale-transporte, por exemplo, ficariam fora do conceito.

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: É claramente uma nova tentativa de restringir o conceito firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp n° 1.221.170 e aproximar, de forma indevida, o creditamento do PIS/Cofins da sistemática prevista na legislação do IPI e do ICMS.

Naquela ocasião, o STJ definiu que o conceito de insumo do PIS/Cofins deveria ser interpretado à luz da atividade empresarial e econômica do contribuinte como um todo, e não deveria ser limitado pelo processo produtivo strictu sensu, diferenciando o conceito de insumos destas contribuições do conceito aplicável ao IPI e ao ICMS.

Além disso, a IN 2.121/22 afronta de forma patente o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE 841.979, afetado pela sistemática da repercussão geral, no sentido de que a Constituição Federal em seu artigo 195, §12  estabelece um núcleo mínimo da não cumulatividade e de que, por isso, a base dos créditos do PIS e da Cofins deve guardar relação com sua base de débitos, o que afasta em absoluto a possibilidade de limitar o creditamento destas contribuições a despesas diretamente relacionadas ao processo produtivo.


– Quais são as mudanças trazidas com relação à base de base de cálculo do PIS e da Cofins e da base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins?

Romero Marinho: Com relação aos “débitos”, a norma passou a determinar a exclusão do ICMS destacado em nota fiscal da base de cálculo. Isso porque o tema já estava decidido nos tribunais superiores, mas pendia de uma formalização normativa.

Por outro lado, a base dos créditos passa a não permitir o creditamento sobre o valor do IPI pago ao fornecedor, tampouco o ICMS recolhido pelo regime de substituição tributária.

A IN também estabeleceu que o ICMS incidente na venda pelo fornecedor pode ser incluído na base de créditos das contribuições, entendimento convergente ao da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em razão da inexistência à época de base legal que obrigasse a exclusão.

Entretanto, foi publicada recentemente a recente Medida Provisória nº 1.159/2023, que determinou a exclusão do ICMS também da base de créditos. Isso significa que a Instrução Normativa necessitará de alteração quando a MP entrar em vigor. 

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: A norma manteve o formato de consolidação de regras relativas à apuração, arrecadação e fiscalização do PIS e da Cofins da instrução normativa anterior, porém inovou trazendo algumas interpretações das autoridades fiscais sobre temas controversos, alterando principalmente os entendimentos anteriores publicados em relação a hipóteses de creditamento das contribuições em questão.

Entre os principais pontos, vale destacar o artigo 171, II, que prevê a possibilidade de inclusão do ICMS na base dos créditos de PIS e Cofins. Essa previsão já se encontra superada pela publicação da MP 1.159/23 em 13/01/2023 (com vigência a partir de 1º de maio de 2023), que faz parte do pacote de medidas fiscais anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Outro ponto importante é que a regulamentação dispõe que, embora as despesas decorrentes de imposição legal sejam consideradas insumos, há limitação (no § único do artigo 177) para situações em que a exigência se dá por conta de acordos e convenções coletivas de trabalho (“ACT” e “CCT”). Em nossa visão, trata-se de clara restrição ilegal tendo em vista que o STJ, no julgamento paradigma da matéria, não entendeu a expressão “imposição legal” como sendo a lei em sentido estrito, sendo plenamente questionável a restrição a tomada de créditos nessas hipóteses.

De outro lado, uma mudança positiva para os contribuintes foi prevista no artigo 176, §2º, III e pelo artigo 176, §1º, inciso V da norma. Ao contrário do estabelecido na antiga IN 1.911/2019, essa nova instrução normativa alinhou o entendimento da Receita Federal do Brasil (RFB) com aquele constante no Parecer Normativo Cosit nº 05/2018, validando os créditos de PIS/Cofins quando a pesquisa e prospecção resulte em esforço bem-sucedido, que é o critério geral adotado para intangíveis (como concessões públicas para aproveitamento de recursos naturais).


– Em que aspectos a nova instrução beneficia e/ou prejudica os contribuintes? Qual é a sua avaliação sobre a norma?

Romero Marinho: Entendo que é possível avaliar a nova regra sobre duas óticas: a primeira seria pelo viés da segurança jurídica. Por esse lado, há um aspecto benéfico na norma na medida em que foram expressamente endereçados entendimentos como a enumeração exemplificativa de possíveis insumos e a inclusão dos dispêndios com base em normas legais ou infralegais como insumos. Tais dispositivos são importantes para garantir ao contribuinte maior segurança quanto à interpretação da legislação das contribuições e evitar um contencioso desnecessário.

Por outro lado, com relação a carga tributária de PIS e Cofins, entendo que os contribuintes tendem a ser prejudicados em decorrência da restrição a possiblidade de créditos, resultando em incremento do recolhimento das contribuições. 

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: A IN 2.121/22 de modo geral contribui negativamente para o cenário nacional, já que adicionou nova camada instabilidade em diversos pontos para os contribuintes, que permanecem num cenário de pouca segurança jurídica no que se refere à tomada de créditos do PIS e da Cofins.

Isso, porque, a limitação do creditamento destas contribuições ao processo produtivo fere a não cumulatividade do PIS/Cofins bem como os precedentes recentes do STJ e do STF sobre a matéria. Assim, é importante que as empresas revejam os critérios de creditamento adotados de forma a alinhar suas políticas internas com a melhor interpretação legal e jurisprudencial.

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