Reembolso por investimento em startup é raro

Lei prevê poucas hipóteses de devolução de recursos aportados por investidores em companhias em estágio inicial

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As pessoas físicas aos poucos vêm conhecendo mais sobre a possibilidade de investir em startups, mas nem sempre esses investimentos têm um final feliz – e, não raro, terminam com pedidos de devolução do dinheiro aportado pelo investidor. Para mitigar os riscos desse tipo de aplicação, estudar o negócio, a equipe executiva e de sócios e o acompanhar a startup não basta: é necessário também atentar para os aspectos jurídicos.

“É fundamental que as partes sejam bem assessoradas no âmbito da negociação dos instrumentos de investimento, para que estejam expressamente previstas de forma clara nos contratos as hipóteses de solicitação de reembolso pelos investidores, obrigações da startup de fornecimento de informações, bem como condições de saída do investidor”, afirmam Felipe Hanszmann, Maria Ramos Dias e Caio Brandão, sócio e associados do Vieira Rezende Advogados.

Eles explicam que são poucas as hipóteses previstas por lei para que o investidor possa ter o capital de volta: elas praticamente se restringem ao direito de recesso a liquidação da companhia. “A mera verificação de prejuízo do investidor em geral não é uma situação que fundamentaria um pedido de devolução dos recursos, dado o risco de negócio.”

Recentemente, conforme noticiado pelo Valor Econômico, a Justiça do Rio Grande do Sul negou a um investidor o pedido para obter o vencimento antecipado de 30 mil reais aportados em uma startup de energia solar (processo nº 5062089-14.2020.8.21.0001). Ele alegava que a empresa SunnyHUB não cumpriu a obrigação, prevista no contrato, de enviar relatórios financeiros trimestrais para os investidores. A Justiça, no entanto, entendeu que a devolução não era devida porque o mesmo contrato previa que a empresa deveria ter sido notificada pelo investidor para prestar as informações – e teria um prazo de 30 dias para fornecê-las. Como a companhia não foi notificada, ela não poderia sanar o problema.

Os advogados do Vieira Rezende dizem que a praxe de mercado para vencimento antecipado de uma dívida em geral envolve situações bastante graves como o requerimento de recuperação judicial ou falência pela sociedade investida, ou, ainda, um endividamento que excede patamares previamente combinados.

Na entrevista abaixo, eles abordam a importância de os investidores e startups atentarem para a adequada elaboração dos contratos.


– Em investimentos realizados em startups, quão comuns são as desavenças entre sócios que realizaram aportes, mas pedem devolução dos recursos investidos?

Felipe Hanszmann, Maria Ramos Dias e Caio Brandão: A devolução de aportes feitos por sócios em startups e em sociedades em geral é uma situação excepcional e necessita de previsão legal ou contratual regulando o tema (por exemplo, o direito de recesso e liquidação da sociedade). Destaca-se que operações de investimento em startups são consideradas de alto risco pelo mercado tendo em vista a incerteza quanto ao desenvolvimento do negócio, por vezes a necessidade contínua de rodadas de financiamento, assim como as dificuldades na precificação do ativo em estágios iniciais. Porém, não é totalmente incomum que investidores descontentes com o rumo dos negócios, e muitas vezes pouco acostumados a esse tipo de risco, solicitem a devolução do capital ou busquem algum tipo de medida para tentar reaver os recursos.


– Em quais ocasiões a startup tem que devolver os recursos para os investidores? O prejuízo do investidor, isoladamente, pode fundamentar um pedido de devolução?

Felipe Hanszmann, Maria Ramos Dias e Caio Brandão: Conforme mencionado acima, as hipóteses de devolução de capital aos investidores são restritas e dependem da modelagem específica do negócio. De forma geral, a Lei n° 6.404/1976, similarmente ao disposto no Código Civil, dispõe que os acionistas terão direito a reembolso dos recursos aportados no caso de exercício de direito de recesso em determinadas hipóteses (artigo 45) e liquidação da companhia (artigo 215).

A mera verificação de prejuízo do investidor em geral não é uma situação que fundamentaria um pedido de devolução dos recursos, dado o risco de negócio. Entretanto, é preciso analisar o caso concreto visto que há cenários em que os instrumentos celebrados dispõem de forma distinta (por exemplo, quando o aporte é feito por mútuo que pode ser convertido em participação ou pago ao credor, de acordo com as condições previstas no documento).


– Recentemente, a Justiça do Rio Grande do Sul negou a um empresário a devolução dos recursos por ele aportados na empresa. Como você avalia o caso?

Felipe Hanszmann, Maria Ramos Dias e Caio Brandão: Tomando como base a notícia sobre o tema, entende-se que a decisão está alinhada com a jurisprudência e doutrina majoritária sobre o tema, uma vez que o contrato estabelece um procedimento aplicável no caso de falha do dever informacional, não cabendo uma solicitação de “vencimento antecipado” pelo investidor sem antes observar o mecanismo contratual de notificação acordado entre as partes na operação. Como regra geral, a praxe de mercado para vencimento antecipado de uma dívida em geral envolve situações bastante gravosas, tendo em vista a gravidade da medida, como o requerimento de recuperação judicial ou falência pela sociedade investida ou verificação de endividamento excessivo da sociedade investida além de um certo patamar previamente combinado.

Por outro lado, podem também ser previstas regras especiais no caso concreto que alarguem as hipóteses de vencimento antecipado. Segundo descrito na notícia, no caso recente do Rio Grande do Sul teria havido descumprimento da obrigação de envio dos relatórios, mas o investidor teria errado ao não notificar a empresa a respeito, até para observância do período de cura previsto.


– De que forma investidores e startups podem se resguardar desse tipo de situação?

Felipe Hanszmann, Maria Ramos Dias e Caio Brandão: Dentre as recomendações para mitigar riscos na operação de investimento em startups em estágio inicial, destacamos em especial a necessidade de estudar de antemão o negócio, avaliação detalhada da equipe executiva e sócios da sociedade investida, bem como o acompanhamento do desenvolvimento da startup. Além disso, é fundamental que as partes sejam bem assessoradas no âmbito da negociação dos instrumentos de investimento, para que estejam expressamente previstas de forma clara nos contratos as hipóteses de solicitação de reembolso pelos investidores, obrigações da startup de fornecimento de informações, bem como condições de saída do investidor.

Importante mencionar que foi lançado recentemente pela Comissão de Startups da OAB/RJ o “Modelo de Acordo de Investimento em Startup” (conhecido como “MAIS”) – minuta padrão para investimentos em startups early-stage, elaborado com apoio de diversas instituições de renome e experiência no setor. A motivação para o desenvolvimento do MAIS, inspirado no SAFE (Simple Agreement for Future Equity) desenvolvido pelo Y Combinator na California, foi fornecer ao ecossistema brasileiro uma minuta padrão open source de investimento em startups early stage adaptada à legislação local, a fim de reduzir custos de transação, abordando inclusive temas como eventual devolução do capital aos investidores em certas situações. O documento está disponível para download no seguinte link: https://www.startup-mais.com.br/


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1 comentário
  1. Descakes Melo Diz

    Que delícia de post! Com dicas incríveis e receitas
    irresistíveis, é uma leitura obrigatória para os amantes de
    bolos. Parabéns pela criatividade e habilidade na elaboração
    deste conteúdo saboroso. Continue adoçando nossos dias
    com suas inspirações culinárias!

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