Discussão sobre dever de informar dos árbitros chega ao STF

Partido pede que corte defina critérios para aplicação de artigo da Lei da Arbitragem

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A questão da independência e imparcialidade dos árbitros das câmaras de arbitragem, mais uma vez, entra em debate no Brasil — desta vez, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). A corte irá julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre o tema. O partido União Brasil pede que o STF delibere sobre o artigo da Lei da Arbitragem que trata sobre o dever que os indicados para atuar como árbitros em câmaras de arbitragem têm de revelar qualquer fato que denote dúvida justificada sobre sua imparcialidade e independência.

O União Brasil propôs uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1.050) sobre o assunto, mas o ministro relator do STF, Alexandre de Moraes, entendeu que a matéria tem relevância constitucional e “especial significado para a ordem social e a segurança jurídica”, de forma que entendeu que ela se trata de uma ADI.

Lucas Hermeto, sócio do Vieira Rezende Advogados, considera que o STF tem competência para uniformizar o entendimento sobre o dever dos árbitros de revelar dúvidas sobre sua imparcialidade e independência – ao contrário de outros, que acreditam que caberia ao Congresso deliberar sobre a Lei de Arbitragem. No entanto, ele pondera que, no caso concreto, as regras e princípios constitucionais invocados pelo União Brasil não necessariamente impõem a interpretação que o partido pede que o STF faça prevalecer: “Não me parece que seja esse o caso, pelo menos com relação à maior parte do que é pedido na ação.”

Um dos pedidos é que seja retirado o prazo, atualmente de 90 dias, para que uma das partes envolvidas na arbitragem peça a sua anulação, alegando falta de independência ou imparcialidade do árbitro. Para Hermeto, ao estabelecer um prazo, o legislador teve o objetivo de fomentar a arbitragem e evitar a judicialização de questões que já tivessem sido resolvidas em foro arbitral. Ele acredita que esse prazo, no geral, tem se mostrado adequado e a sua retirada poderia ser prejudicial: “Essa solução não me parece a mais adequada, pois prestigia a parte que toma conhecimento de determinado fato que poderia gerar dúvida sobre a imparcialidade do árbitro — muitas vezes, ainda durante o curso do procedimento arbitral — e deixa de alegá-lo na primeira oportunidade, guardando a informação como trunfo para tentar anular a sentença arbitral, se o seu resultado lhe for desfavorável.”

Não têm sido incomuns as discussões e propostas envolvendo a independência e imparcialidade dos árbitros. O PL 3.293/21 (em tramitação no Congresso), por exemplo, causou polêmica ao propor uma alteração em um dos artigos da Lei de Arbitragem: em vez da necessidade de os árbitros revelarem fatos que denotassem “dúvida justificada” sobre a sua imparcialidade e independência, passassem a revelar fatos que denotassem “dúvida mínima” — aumentando a dose de subjetividade e, para alguns, as possibilidades de questionamento e impugnações dos árbitros.

Para o advogado do Vieira Rezende, essas discussões são motivadas por alguns poucos casos de pedidos de anulação de sentenças arbitrais que alegaram parcialidade e falta independência, e que ganharam notoriedade, mas que o sistema vem funcionando bem no Brasil e que ganhou a confiança dos agentes econômicos. “Assim, penso que deveriam ser prestigiados aprimoramentos pontuais (como o estabelecimento, pelas câmaras arbitrais, de um check list de informações mais robusto sobre potenciais situações de conflitos de interesses, para ser preenchido pelos árbitros), em detrimento de tentativas de se “revolucionar” o sistema como um todo, que geram riscos de se tornar ineficiente o instituto da arbitragem.”

Na entrevista abaixo, Hermeto aborda os outros pontos que constam da ADI e fala sobre potenciais ajustes para aprimorar a arbitragem.


– Quais são os objetos de questionamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que discutirá a arbitragem no STF?

Lucas Hermeto: O União Brasil pede que o STF fixe algumas diretrizes para o dever de revelar dos árbitros e para como o Judiciário deve julgar causas em que se discutam eventual falha do árbitro com o cumprimento daquele dever.

Por exemplo, pede-se que o STF declare:

  • que o dever de revelar é um dever exclusivamente do árbitro e que, portanto, não competiria às partes qualquer dever ou ônus de investigar eventuais causas de impedimento daquele profissional;
  • que o simples fato de o árbitro não ter revelado uma circunstância que pudesse gerar “dúvida justificada” sobre sua imparcialidade configura o seu impedimento, mesmo que aquela circunstância, em si, não o gerasse;
  • que as normas da International Bar Association (IBA) sobre conflito de interesses, internacionalmente aceitas como diretrizes válidas para estabelecer quando o árbitro está impedido e quando determinada circunstância deve ser revelada, não se aplicam automaticamente às arbitragens submetidas à lei brasileira; e
  • que a falta de independência ou de imparcialidade do árbitro pode ser alegada a qualquer momento, não estando sujeita a qualquer tipo de preclusão.

– Essa ADI pode prosperar? Cabe ao STF uniformizar o entendimento sobre o dever dos árbitros de revelarem dúvidas sobre sua imparcialidade e independência? 

Lucas Hermeto: O STF possui competência para estabelecer, em processos dessa natureza, qual é a interpretação correta que deve ser atribuída a determinados dispositivos de lei, caso repute que a interpretação inversa acarretaria violação a alguma regra ou princípio previsto na Constituição. Então a competência, em tese, o STF possui. A dúvida é saber se, na hipótese concreta, as regras e princípios constitucionais invocados pelo União Brasil necessariamente impõem a interpretação que o partido pede que o STF faça prevalecer. Não me parece que seja esse o caso, pelo menos com relação à maior parte do que é pedido na ação.


– Com relação ao prazo para uma das partes pedir anulação do processo de arbitragem, que é de 90 dias, ele é adequado? Haveria vantagens em dilatar esse prazo ou mesmo de suprimi-lo?

Lucas Hermeto: O legislador fez uma escolha por um prazo curto. Foi uma decisão de política legislativa, com o objetivo de privilegiar o desenvolvimento da arbitragem e evitar a judicialização de questões que já tivessem sido resolvidas em foro arbitral. Esse prazo, no geral, tem se mostrado adequado. E a prática mostra que a curta extensão desse prazo não tem impedido que as partes ajuízem ações anulatórias contra sentenças arbitrais, sempre que isso lhes é conveniente.

Na ADI, o União Brasil pede que o STF esclareça que não há qualquer tipo de preclusão para se alegar falta de independência ou imparcialidade do árbitro, o que significaria que esse tipo de alegação não estaria sujeito ao prazo de 90 dias da ação anulatória. Essa solução não me parece a mais adequada, pois prestigia a parte que toma conhecimento de determinado fato que poderia gerar dúvida sobre a imparcialidade do árbitro – muitas vezes, ainda durante o curso do procedimento arbitral – e deixa de alegá-lo na primeira oportunidade, guardando a informação como trunfo para tentar anular a sentença arbitral, se o seu resultado lhe for desfavorável.


– No ano passado, o PL 3.293/21 também buscou tratar da questão da dúvida sobre a imparcialidade e independência dos árbitros. Por que essa questão vem levantando contínuos questionamentos?

Lucas Hermeto: Alguns casos específicos ganharam notoriedade no Brasil, envolvendo pedidos de anulação de sentenças arbitrais por alegação de parcialidade e falta de independência de árbitros. Embora a repercussão desse tipo de situação costume ser grande, as estatísticas mostram que ela é a exceção. Na prática, é muito reduzido o número de impugnações de árbitro, considerando o volume absoluto de arbitragens no Brasil. Isso demonstra que, ainda que o sistema de indicações de árbitro (incluindo as regras e praxes sobre revelação de potenciais conflitos de interesse) eventualmente ainda comporte melhorias, os agentes econômicos, no geral, confiam nele.

Assim, penso que deveriam ser prestigiados aprimoramentos pontuais (como o estabelecimento, pelas câmaras arbitrais, de um check list de informações mais robusto sobre potenciais situações de conflitos de interesses, para ser preenchido pelos árbitros), em detrimento de tentativas de se “revolucionar” o sistema como um todo, que geram riscos de se tornar ineficiente o instituto da arbitragem.


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1 comentário
  1. Noble Green Diz

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