Como a CVM pretende incentivar a sustentabilidade

Novas normas, combate ao greenwashing e melhores informações para investidores integram o Plano de Ação de Finanças Sustentáveis

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A agenda da sustentabilidade no mercado de capitais vem ganhando força e visibilidade – e aqueles que desejarem acompanhar as tendências e possíveis próximas ações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o assunto podem consultar o Plano de Ação de Finanças Sustentáveis da CVM. Lançado no início de outubro, ele visa, dentre outros pontos, aprimorar e criar normas específicas sobre finanças sustentáveis, combater o greenwashing e orientar participantes do mercado.

“A participação da CVM na agenda de finanças sustentáveis é um importante passo para engajar companhias e acelerar o desenvolvimento dessa frente”, avaliam Luciana Lanna, Celso Contin e Bruno Ett Bícego, sócios e associado do Vieira Rezende Advogados. Eles lembram que a CVM, como agência reguladora, pode editar normas para fomentar agendas específicas.

O plano elenca dezessete frentes de trabalho – devem vir por aí, por exemplo, a  criação de nova regulamentação para Fundos de Investimento para Projetos de Reciclagem – ProRecicle, e dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Industriais (Fiagro), a Orientação sobre Blended Finance e CPC 10 e a integração de fatores ASG aos procedimentos de suitability.

Resolução 193 CVM

O primeiro resultado do plano em prol das finanças sustentáveis veio a público no último dia 20 de outubro, quando a autarquia publicou a Resolução 193, que dispõe sobre a elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade com base no padrão internacional emitido pelo International Sustainability Standards Board (ISSB). A elaboração de relatórios de sustentabilidade nesse padrão se tornará obrigatória a partir de 2027 para companhias das categorias A e B.

Na entrevista abaixo, Lanna, Contin e Bícego abordam o Plano de Ação de Finanças Sustentáveis da CVM.


– No que consiste o Plano de Ação de Finanças Sustentáveis 2023-24 da CVM e qual a sua importância?

Luciana Lanna, Celso Contin e Bruno Ett Bícego: O Plano de Ação de Finanças Sustentáveis da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para o biênio 2023-2024 consolida uma série de objetivos para o fomentar o desenvolvimento de finanças sustentáveis, em linha com a Agenda 30 da ONU (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS).

Conforme mencionado pela autarquia, o plano visa as seguintes metas:

  • aprimoramento e criação de normas específicas;
  • supervisão e combate ao greenwashing;
  • orientação e participação do mercado;
  • educação para o investidor;
  • capacitação dos servidores da CVM;
  • integridade institucional; e
  • transparência ativa às iniciativas sustentáveis promovidas pelo regulador do mercado de capitais.

A CVM, enquanto agente regulador, possui a competência para editar normas que podem fomentar agendas específicas. A participação da CVM na agenda de finanças sustentáveis é um importante passo para engajar companhias e acelerar o desenvolvimento dessa frente. Iniciativas multisetoriais da CVM, como o Laboratório de Inovação Financeira, bem como a criação da Divisão de Inovação e Finanças Sustentáveis (DFIS) e a própria apresentação do Plano de Ação e Finanças Sustentáveis demonstram uma forte preocupação e esforço da autarquia em aprimorar o debate e regramento do tema.

No Plano, são descritas dezessete frentes de trabalho, incluindo, por exemplo, a criação de nova regulamentação para Fundos de Investimento para Projetos de Reciclagem, Orientação sobre Blended Finance e CPC 10, integração de fatores ASG aos procedimentos de suitability, além de iniciativas de educação, capacitação e pesquisa. Em relação aos normativos editados nos últimos anos, muitos já incluem disposições da agenda de finanças sustentáveis, como a Resolução 59/21 (Formulário de Referência das Companhias Abertas), Resolução 60/21 (Companhias Securitizadoras), Resolução 160/22 (Ofertas Públicas) e Resolução 175/22 (Fundos de Investimento).

A CVM publicou, no dia 20/10/23, a Resolução 193, que dispõe sobre a elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, com base no padrão internacional emitido pelo International Sustainability Standards Board (ISSB). O ISSB é vinculado à Fundação IFRS, responsável por desenvolver padrões globais de contabilidade. Com a norma, o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a adotar o padrão global para divulgações financeiras de sustentabilidade.

A divulgação será voluntária nos dois primeiros anos, e, a partir de 2027, obrigatória para companhias listadas nas categorias A e B. Ao adotarem uma linguagem comum para divulgar impactos, riscos e oportunidades relacionados ao clima, os padrões do ISSB, S1 e S2 ajudarão a melhorar a confiança nas divulgações das empresas sobre sustentabilidade.


– Um dos pontos previstos no plano é a supervisão temática de riscos de governança em Ações ASG nas companhias abertas. Por que se escolheu esse tema e quais são os possíveis resultados dessa supervisão?

Luciana Lanna, Celso Contin e Bruno Ett Bícego: Esta iniciativa tem por objetivo uma melhoria na qualidade das informações fornecidas pelas companhias, possibilitando a tomada de decisão pelo investidor de forma consciente e visando combater o greenwashing. Nessa linha, em 2023 entrou em vigor a Resolução 59/21, que trouxe importantes aprimoramentos informacionais relacionados aos aspectos climáticos, ambientais, sociais e de governança, a serem reportados pelas companhias abertas no Formulário de Referência (FRE), reduzindo o custo de observância e aumentando a transparência sobre práticas ASG adotados pelas companhias abertas.

Do ponto de vista da estruturação de operações no mercado de capitais e da própria captação de investidores, a transparência e a supervisão de práticas sustentáveis pelas companhias trazem mais confiança no segmento de crédito com selo ASG, sendo um fator preponderante para o crescimento desse mercado. Além disso, o reforço na supervisão de políticas ASG vem atraindo investidores, muitas vezes de outros países, preocupados com questões ambientais e desenvolvimento sustentável.


– Outro tópico previsto é a edição da Orientação CPC 10 – Créditos de descarbonização.  No que consiste essa orientação e quais questões ela endereça?

Luciana Lanna, Celso Contin e Bruno Ett Bícego: O objetivo da Orientação é tratar dos requisitos básicos de reconhecimento, mensuração e evidenciação de créditos de descarbonização, a serem observados pelas entidades na originação, negociação e aquisição para cumprimento de metas de descarbonização. Esta orientação abordará os créditos de descarbonização, incentivando investimentos em energias limpas. A relevância dessa iniciativa se dá em razão do crescente interesse dos atores privados em desenvolver projetos e soluções para desenvolvimento dos mercados voluntários de carbono.

Um grande avanço nesse tópico foi alcançado pela Resolução 175/22, como a possibilidade dos Fundos de Investimento Financeiros (FIF) investirem em créditos de descarbonização (CBIO) e créditos de carbono, observados certos limites e requisitos, como o registro em sistema de liquidação financeira de ativos autorizados pelo Banco Central ou pela CVM ou negociados em mercado administrado por entidade administradora de mercado organizado autorizada pela CVM.


– No que consiste o endosso às Normas de Sustentabilidade IFRS S1 e S2 emitidas pelo ISSB, que também constam do plano de ação?

Luciana Lanna, Celso Contin e Bruno Ett Bícego: As normas do ISSB foram criadas para garantir que as empresas forneçam informações relacionadas à sustentabilidade juntamente com as demonstrações financeiras – no mesmo “pacote” de relatórios, evitando que as informações relacionadas à sustentabilidade venham apartadas, completamente desconectadas das informações financeiras das empresas.

O IFRS S1 trata de uma estrutura conceitual básica dos relatórios, contemplando requisitos gerais para divulgações de informações financeiras sobre sustentabilidade e o IFRS S2 às publicações relacionadas a questões temáticas como clima, poluição, emissão de gases de efeito estufa. Um importante aspecto é que o tema deverá necessariamente envolver a alta direção da companhia, inclusive o conselho de administração, ampliando o conceito de dever fiduciário.

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