Em decisão controversa, Carf decide por natureza remuneratória de stock options

Julgamento considerou que outorga gratuita de opções retira onerosidade do plano, apesar de contribuinte ter comprado as ações

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Uma decisão recente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) mostra a importância de uma legislação sobre as stock options para conferir segurança ao uso desse mecanismo usado para atração e retenção de talentos por parte das empresas. A decisão foi controversa porque houve uma mudança nas próprias premissas utilizadas pelo órgão para definir se o plano de opções de ações tem natureza remuneratória ou mercantil. O julgamento foi desempatado pelo voto de qualidade e o desfecho foi favorável à União.

Na outorga das opções, a empresa concede ao funcionário o direito de comprar suas ações no futuro, desde que cumpridas algumas condições. O caso em questão foi o da Cielo (Acórdão nº 2401-011-537), e nele se discutia se o plano tinha natureza remuneratória ou mercantil – como a maioria dos questionamentos envolvendo planos de stock options. A decisão foi desfavorável à empresa e aos funcionários, já que a natureza remuneratória atrai a contribuição previdenciária e Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Por outro lado, quando se considera que o plano de opções é mercantil, ocorre a incidência do IRPF sobre ganho de capital.

Érika Carvalho Fleck, sócia do Carneiro de Oliveira Advogados, e Pedro Miranda Roquim, parceiro do escritório, dizem que há uma coerência histórica na definição da natureza dos planos, mas que as decisões do Carf variam muito caso a caso em função da análise feita do atendimento dos seguintes requisitos: onerosidade, existência de risco de mercado para o beneficiário, liberdade de adesão, ausência de vínculo direto do benefício econômico com a contraprestação do serviço do executivo e, mais esporadicamente, ausência de habitualidade.

Características do plano de stock options julgado pelo Carf

Pelo plano de opções, funcionários da Cielo puderam comprar as ações a 75% do valor dos papeis quando ocorreu a oferta pública inicial de ações (IPO) da empresa na bolsa de valores. Pedro Roquim, Bárbara Borges e Bianca Moltocaro, também parceiros do Carneiro de Oliveira, dizem que no julgamento o Carf contrariou suas próprias premissas, pois a análise dos cinco parâmetros que costumam ser usados para definir a natureza do plano levaria à conclusão de que ele tem natureza mercantil.

Apesar de a Cielo ter explicado que o plano estava atrelado à 1ª outorga das opções e que, por isso, excepcionalmente, o preço de exercício era de 75% do valor do IPO, o entendimento que prevaleceu foi no sentido de que esta redução, atrelada à inexistência de risco real, tornaria a natureza remuneratória.

Marina Guimarães e Nathan Amaral, associados do Freitas Ferraz Advogados, explicam que o voto vencido no julgamento considerou que havia as três condições necessárias para considerar o plano de opções como de natureza mercantil: havia voluntariedade (já que o funcionário não era obrigado a participar), onerosidade (porque o empregado comprava as ações) e risco de mercado (já que o valor dos papeis era atrelado à cotação no mercado, ainda que com desconto).

No entanto, a leitura do voto vencedor foi diferente: “Curiosamente, em apenas uma página, o voto vencedor considerou que o plano teria natureza remuneratória unicamente pelo fato de as opções terem sido outorgadas gratuitamente. Entendemos que esse argumento é preocupante”, avaliam Guimarães e Amaral. A decisão também desconsiderou que, ao assinar o contrato das opções (outorga), o colaborador ainda não adquire as ações e nem recebe o direito a elas – antes disso, precisa cumprir as condições estabelecidas pelo plano.

O Marco Legal das Stock Options (PL 2.724/22)

A natureza dos planos de stock options (se remuneratória ou mercantil) gera muitas batalhas na Justiça. São cerca de 500 processos com a mesma controvérsia tramitando nas seções judiciárias federais. Por isso, a aprovação do Marco Legal das Stock Options (PL 2.724/22) pelo Congresso Nacional seria muito bem-vinda: “Como visto, hoje a insegurança jurídica é grande e a regulação é muito importante para diminuir as dúvidas ao redor da matéria”, consideram os advogados do Freitas Ferraz. O Projeto de Lei reconhece expressamente a natureza mercantil da verba, afastando a contribuição previdenciária – e também os futuros litígios envolvendo o tema. “Até lá, entendemos que vamos conviver com esse cenário de litigiosidade e incerteza”.

Roquim, Borges e Moltocaro, parceiros do Carneiro de Oliveira, consideram que aprovação do PL 2.724/22 proporcionará mais segurança jurídica para todas as partes, mas que, apesar do evidente avanço, não encerrará as polêmicas sobres os planos de stock options. Isso porque o Projeto de Lei não abrange os planos de incentivo de longo prazo (ILP), comuns no exterior e cada vez mais utilizados no Brasil, além de outras situações como o uso de phantom shares, ações restritas e matching. O PL 2.724/22 já foi aprovado pelo Senado Federal, mas ainda tramita na Câmara dos Deputados.

Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz, do Carneiro de Oliveira e seus parceiros fazem um histórico da questão e abordam o recente julgamento pelo Carf.


Historicamente, há uma coerência do Carf com relação à natureza das stock options (mercantil ou remuneratória) ou as decisões variam muito?

Pedro Miranda Roquim e Érika Aguiar Carvalho Fleck: A posição do Carf sobre a tributação dos “ganhos com planos de stock options” está diretamente ligada à natureza do plano, da seguinte forma:

  1. a) Natureza remuneratória: haverá incidência de contribuições previdenciárias e IRPF tabela progressiva para o executivo.
  2. b) Natureza mercantil: haverá incidência de IRPF ganho de capital sobre a diferença entre o valor pago/recebido e o valor de venda das ações pelo Executivo.

O problema é que, embora exista uma coerência histórica nesta definição, as decisões do Carf variam muito caso a caso, pela análise feita do atendimento de determinados requisitos para a caracterização desta natureza mercantil ou remuneratória.

Esta divergência ocorre até mesmo entre o entendimento das Câmaras Baixas (Recurso Voluntário) e da Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF (Recurso Especial), como se verifica, por exemplo, do julgamento do PA nº 16682.721015/2013-46 onde, em sede de Recuso Voluntário, o Carf decidiu pela natureza remuneratória, com base na Deliberação da CVM nª 562/08, CPC 10 e IFRS 02, enquanto, em sede de Recurso Especial, a CSRF reconheceu a natureza mercantil do mesmo plano. 

Marina Guimarães e Nathan Amaral: A interpretação da natureza jurídica dos planos de stock option tem sido objeto de relevante discussão entre autoridades fiscais e contribuintes nos últimos anos. Segundo as autoridades fiscais, os ganhos econômicos obtidos pelos beneficiários desses planos seriam classificados como remuneração, sujeitos à tributação pelo Imposto de Renda, além de contribuições previdenciárias. Porém, os contribuintes argumentam que os lucros provenientes da futura venda das ações adquiridas através dos planos de stock option têm natureza mercantil e devem ser tributados como ganho de capital.

A partir disso, é possível encontrar diversos precedentes do Carf sobre a natureza controversa desses ganhos, e que, em sua maioria, acompanham o entendimento da Receita Federal.

Apesar disso, nos últimos anos, decisões favoráveis aos contribuintes têm sido proferidas. Em fevereiro deste ano, por exemplo, foi publicado acórdão cancelando a autuação fiscal que exigia imposto de renda e contribuições previdenciárias da Rede D’Or, em razão de erros cometidos pela fiscalização quanto ao momento da tributação (Acórdão nº 2402-012.457). Entretanto, esse não pode ser considerado um entendimento pacificado da corte, pois o número de decisões desfavoráveis é significativo.


Quais parâmetros o Carf costuma levar em consideração para analisar a natureza (remuneratória ou mercantil) de um plano de stock option?

Pedro Miranda Roquim e Érika Aguiar Carvalho Fleck: Apesar da interpretação pessoal de cada relator, o Carf costuma levar em consideração 5 parâmetros principais na análise da natureza dos planos:

  1. Liberdade de adesão: o executivo deve ter direito de aderir ou não, conforme sua vontade.
  2. Existência do risco de mercado para o beneficiário: ausência de garantia de ganho pelo beneficiário por meio do plano, sem controle da companhia, ou seja, com vinculação direta aos resultados da companhia e às variações de mercado, sem interferência ou compensações.

iii.        Onerosidade: pagamento pelo beneficiário com recursos próprios, quando do exercício da opção, sem desconto relevante sobre o valor de mercado das ações. Nos casos de opções gratuitas, o Carf já decidiu que falta “onerosidade”.

  1. Ausência de vínculo direto do benefício econômico com a contraprestação do serviço do executivo: o plano de stock option deve estar vinculado a objetivos gerais da empresa ou da área onde o executivo atue e não apenas à satisfação de objetivos individuais.
  2. Inexistência de habitualidade: embora menos usado, o Carf já considerou em seus julgados a ausência de garantia e regularidade dos planos.

Vale mencionar que, muito embora estes requisitos sejam comumente analisados, não é exigida sempre a presença cumulativa de todos nas decisões do Carf. 

Marina Guimarães e Nathan Amaral: Os acórdãos do Carf envolvem discussões sobre os elementos de risco, onerosidade  e voluntariedade do exercício de cada plano adotado. O conceito de risco está relacionado com a ausência de garantia de lucro para o beneficiário por meio do plano. Isso ocorre, por exemplo, quando os beneficiários estão sujeitos à cláusula de lock-up, que os impede de vender as ações adquiridas por um período determinado, ficando sujeitos às flutuações de preço no mercado. Nesses casos, o colaborador pode ter, inclusive, uma grande perda de valor do bem.

Por outro lado, a onerosidade está presente no fato de que o beneficiário (do plano) paga o preço de exercício com seus próprios recursos. No entanto, em alguns casos o Carf entendeu que não havia onerosidade quando as opções foram concedidas gratuitamente aos beneficiários. Nessa situação, o plano teria natureza remuneratória.

Por sua vez, a voluntariedade está no fato de que o beneficiário pode simplesmente escolher não adquirir nenhuma participação – ou seja, de não se submeter ao risco do ativo e ao dispêndio financeiro. Dessa forma, os contribuintes alegam que a opção de compra não poderia ser considerada remuneração, porque o colaborador pode optar por não a exercer.


Em recente decisão (Acórdão nº 2401-011-537), o Carf decidiu, pelo voto de qualidade, que um plano de stock options da Cielo tinha natureza remuneratória porque as opções foram dadas aos funcionários, embora o preço de exercício das opções fosse atrelado ao mercado. Como você avalia essa decisão? 

Pedro Miranda Roquim, Bárbara Borges e Bianca Moltocaro: Neste julgado, o Carf contrariou suas próprias premissas, pois a análise dos 5 requisitos acima mencionados levaria à conclusão de que o plano de stock options da Cielo tem natureza mercantil. No voto condutor do julgamento, apesar de a Cielo ter explicado que o plano estava atrelado à 1ª outorga das opções e que, por isso, excepcionalmente, o preço de exercício era de 75% do valor da primeira distribuição pública das ações (IPO), o entendimento que prevaleceu foi no sentido de que esta redução, atrelada a inexistência de risco real, tornaria a natureza remuneratória.

É importante mencionar que, no voto vencido, o entendimento foi de que o plano teria natureza mercantil, porque estavam atendidos os parâmetros da voluntariedade, onerosidade e risco de mercado, a despeito da redução do preço de aquisição. 

Marina Guimarães e Nathan Amaral: No caso da Cielo, o plano de opção de compra de ações não estabelecia a continuidade do contrato de trabalho por um determinado período como condição necessária para o empregado exercer o direito de compra das ações. O conselho de administração indicava os funcionários elegíveis, com possibilidade inclusive de eleição de administradores estatutários (não empregados). No caso, o gatilho do plano ocorreu por um evento de liquidez: a oferta pública inicial de ações da empresa na bolsa de valores (IPO). Com o evento, os beneficiários do plano detinham o direito (faculdade) de comprar as ações a 75% do valor do IPO.

No julgamento, o voto vencido, relatado pela conselheira Ana Carolina da Silva Barbosa, é preciso em identificar que todas as três condições para caracterização da natureza mercantil foram atendidas: voluntariedade, onerosidade e risco de mercado. De acordo com a conselheira, os beneficiários elegidos participaram de forma voluntária e comprovaram o pagamento dos valores devidos pela compra das ações. O risco, por sua vez, ficou evidenciado pela variação do valor das ações na bolsa de valores.

Curiosamente, em apenas uma página, o voto vencedor considerou que o plano teria natureza remuneratória unicamente pelo fato de as opções terem sido outorgadas gratuitamente.

Entendemos que esse argumento é preocupante porque  as autoridades fiscais e o Carf vinham utilizando como critério a existência de um preço de exercício baseado em mercado (o que foi observado no caso, já que o valor estava relacionado ao preço no IPO) e não a cobrança de um prêmio para a opção.

Outro ponto é que o voto vencedor levou em consideração que, no momento de assinatura do contrato (outorga), o colaborador ainda não adquire (nem recebe o direito) participação societária, sendo necessário cumprir previamente determinadas condições estabelecidas pelo plano.


O que prevê o Marco das Stock Options com relação à natureza desses incentivos? Quão importante será essa lei para encerrar as polêmicas envolvendo a natureza das opções de ações?

Pedro Miranda Roquim, Bárbara Borges e Bianca Moltocaro: O Marco dos Planos de Stock Options é objeto do Projeto de Lei nº 2.724/2022 (PL 2.724/22), atualmente apensado ao Projeto de Lei nº 286/2015, que trata da sua inclusão no artigo 458-A na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, nas hipóteses de natureza não salarial e salarial, o qual está em trâmite perante a Câmara dos Deputados.

Este projeto estabelece definições claras e regras específicas para a implementação dos planos de outorga de opção de compra de participação societária, sendo que há expressa previsão sobre a sua natureza mercantil e a incidência de IRRF sobre o ganho auferido, no momento da venda das participações societárias, conforme parágrafo único do artigo 2º e artigo 17:

“Art. 2º São elementos intrínsecos aos instrumentos do plano de opções:

(…)

Parágrafo único. A opção de compra de participação societária outorgada nos termos previstos nesta Lei possui natureza exclusivamente mercantil, conforme previsão contida no art. 168, § 3º, da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das Sociedades por Ações), e não se incorpora ao contrato de trabalho nem constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista ou previdenciário ou tributo.

Art. 17. O ganho auferido pelo beneficiário de plano de opções estará sujeito à tributação do imposto sobre a renda no momento da venda das participações societárias adquiridas em razão do exercício da sua respectiva opção.

Parágrafo único. Para fins do caput deste artigo, considera-se ganho a diferença positiva entre o valor de venda da participação societária e seu valor econômico de liquidação quando do exercício da opção, admitida a dedução de eventual prêmio, custos e despesas incorridos, necessários à realização das operações que a opção de compra de participação societária possui natureza exclusivamente mercantil, conforme previsão contida no art. 168, § 3º, da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das Sociedades por Ações), e não se incorpora ao contrato de trabalho nem constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista ou previdenciário ou tributo.”

Se aprovado, será um passo importante para proporcionar mais segurança jurídica a todas as partes envolvidas, visto que a ausência de regulamentação específica (salvo o art. 168, §3º da Lei nº 6.404/1976 e o art. 33 da Lei nº 12.973/2014) traz muita insegurança a todos. Vale apenas mencionar que, apesar do evidente avanço, estamos longe de pôr fim às polêmicas sobre os planos de stock options, pois o Projeto de Lei não abrange os planos de incentivo de longo prazo (ILP), comuns no exterior e cada vez mais utilizados no Brasil, além de outras situações como:

  1. Phantom shares: as ações não são cedidas de fato para o beneficiário, mas servem de base para o pagamento do valor equivalente;
  2. Ações restritas (restricted shares): as ações são outorgadas e bloqueadas para transferência e gozo dos frutos até determinado momento, após certo período e condições. A entrega ocorre se atendidas as condições e corrido o vesting period; e

iii.        Matching: a empresa auxilia na compra de determinada quantidade de ações pelo beneficiário, sendo que uma vez atendidas determinadas condições e decorrido certo período, a empresa entrega uma quantidade de ações fixadas em contrato, sem qualquer dispêndio. 

Marina Guimarães e Nathan Amaral: Como visto, hoje a insegurança jurídica é grande e a regulação é muito importante para diminuir as dúvidas ao redor da matéria.

No Congresso Nacional tramitam alguns projetos de lei sobre o tema. O mais importante, o Projeto de Lei nº 2.724/2022 (Marco das Stock Options), aguarda apreciação na Câmara dos Deputados. Nele, se reconhece expressamente a natureza mercantil da verba, o que afastaria, de uma vez por todas, a incidência das contribuições previdenciárias sobre a parcela recebida pelo colaborador.

Enquanto isso, o conflito se desenvolve no Judiciário: são mais de 500 processos com a mesma controvérsia tramitando nas seções judiciárias federais, segundo o sistema interno da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Nesse contexto, em dezembro de 2023, o STJ suspendeu a tramitação de todos os processos que tratam sobre a tributação dos planos de stock option até o julgamento do Recurso Especial nº 2.074.564/SP. A intenção é pacificar o tema e definir sua natureza jurídica para fins tributários e, quem sabe, permitir que as empresas tenham um pouco mais de segurança na criação dos planos.

Até lá, entendemos que vamos conviver com esse cenário de litigiosidade e incerteza.


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