Apesar de decisão do STJ, correção de dívidas pela Selic ainda é incerta

Pedido de nulidade do julgamento prolonga indefinição e resultado ainda pode mudar

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Quando um devedor atrasa um pagamento, mas o contrato não define qual será a taxa de juros de mora, qual delas deveria ser aplicada para corrigir o valor devido? A Selic deverá ser aplicada, decidiu recentemente a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que julga recursos quando há interpretação divergente entre os órgãos do tribunal. O debate foi intenso e a decisão se deu por seis votos favoráveis à aplicação da Selic e cinco em prol da utilização de juros de 1% ao mês acrescidos de correção monetária – o voto de desempate foi da ministra presidente, Maria Thereza Assis Moura. No entanto, a nulidade do julgamento foi pedida pelo ministro Luis Felipe Salomão e tudo ainda pode mudar.

“Caso o pedido de ordem do ministro Luis Felipe Salomão seja acolhido, os ministros também deverão deliberar sobre qual será a consequência – se a nulidade apenas do ato nulo, consistente no voto da ministra presidente, ou se deve ser anulado o julgamento como um todo”, explicam Claudio Pieruccetti e Larissa Damasceno, sócio e associada do Vieira Rezende Advogados.

A questão está relacionada à interpretação do artigo 406 do Código Civil e é importante porque o uso da taxa pode beneficiar o credor, quando a taxa estiver muito elevada, ou o devedor, quando estiver baixa – inclusive ocasionando potencial adiamento da quitação de dívidas. Outro ponto é que, como a meta da taxa Selic é utilizada como ferramenta de política monetária para controlar a inflação, acompanhar a sua variação implica em imprevisibilidade para ambas as partes.

O ministro relator do Recurso Especial (REsp) 1795982, Luis Felipe Salomão, votou pela taxa de 1% de juros de mora mais correção monetária, ou seja, foi contrário ao uso da Selic para corrigir o valor pago de indenizações e dívidas civis. Para ele, com a utilização da Selic, haveria estímulo para a eternização das dívidas judiciais, já que o devedor poderia protelar o pagamento para um momento em que a taxa estiver baixa. Os ministros Humberto Martins, Mauro Campbell, Antonio Carlos Ferreira e Herman Benjamin acompanharam o voto de Salomão.

A tese vencedora do REsp 1795982

Já o ministro Raul Araújo sustentou tese de que o artigo 406 do Código Civil prevê que, caso não haja definição em contrato, os juros serão fixados “segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” – que é a Selic. Para ele, a aplicação de juros de 1% ao mês mais correção monetária implicaria numa remuneração exagerada ao credor, já que seria superior à taxa pós-fixada (a Selic) usada pelos bancos para corrigir aplicações e pelo governo para corrigir o valor dos impostos federais em atraso. Os ministros João Otávio de Noronha, Benedito Gonçalves, Isabel Gallotti e Nancy Andrighi acompanharam o voto. O desempate foi dado pela ministra Maria Thereza Assis Moura e o ministro Salomão pediu a nulidade do julgamento, provocando a sua suspensão.

Os efeitos da decisão 

Caso a decisão seja mantida como está, ou seja, em prol da aplicação da Selic, Pieruccetti e Damasceno consideram que os devedores tendem a sair beneficiados porque historicamente a correção de valores pela Selic é inferir à correção monetária acrescida de juros de 1% usualmente aplicada pelos tribunais. “Ademais, por se tratar de uma taxa utilizada com fins de regular a economia, sua variação resultará em uma imprevisibilidade quanto à atualização do débito, o que também poderá causar prejuízos aos próprios devedores em caso de majoração da taxa.”

Outro efeito, esperam os advogados, é insegurança jurídica para as partes porque o julgamento não foi sob a sistemática dos recursos repetitivos e, portanto, não tem efeito vinculante, de forma que os tribunais estaduais podem seguir aplicando os juros de forma diversa da decidida pelo STJ.

Na entrevista abaixo, os advogados do Vieira Rezende explicam a questão e o imbróglio envolvendo o julgamento.

A corte ainda deverá se manifestar sobre como a Selic será aplicada em casos concretos. A questão também poderá mudar porque e, na proposta apresentada ao Senado, o artigo 406 teria nova redação, prevendo a aplicação de juros moratórios de 1% ao mês quando as partes não o estipularem em contrato.


– Como terminou o julgamento do STJ que decidiu sobre se a taxa Selic deve ou não ser aplicada para corrigir dívidas e indenizações decorrentes de ações civis?

Claudio Pieruccetti e Larissa Damasceno: Após empate em cinco a cinco, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, na qualidade de presidente da sessão, proferiu voto de desempate para prover o Recurso Especial de modo que a taxa Selic seja aplicada às dívidas cíveis.

Importante ressaltar, que apesar de proclamado o julgamento do recurso, a corte ainda não disponibilizou a íntegra do acórdão diante das questões de ordem levantadas pelo ministro Luis Felipe Salomão.

Essas questões de ordem podem impactar diretamente no resultado do julgamento, uma vez que envolvem sua nulidade e pontos essenciais de ordem prática quanto à aplicação da taxa.


– Por que a nulidade do julgamento foi pedida e quais podem ser os desdobramentos do pedido?

Claudio Pieruccetti e Larissa Damasceno: Segundo alegado pelo ministro Luis Felipe Salomão, o julgamento seria nulo pois a ausência dos ministros Og Fernandes e Francisco Falcão não justificaria o voto desempate proferido pela ministra Maria Thereza.

No que diz respeito à alegação, chama-se a atenção para o fato de que o artigo 21, inciso VI, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça autoriza que o ministro presidente profira voto de desempate nos julgamentos da Corte Especial, justamente o procedimento adotado pela ministra Maria Thereza.

No caso em questão, a sessão de julgamento do caso envolvendo a taxa Selic estava agendada para ocorrer durante o dia todo, incluindo o período da tarde, razão pela qual pode ser argumentado que a sessão não estava encerrada e que sua continuidade no período da tarde, com a presença dos demais ministros, era esperada e desautorizaria a votação por parte da ministra presidente.

Caso o pedido de ordem do ministro Luis Felipe Salomão seja acolhido, os ministros também deverão deliberar sobre qual será a consequência – se a nulidade apenas do ato nulo, consistente no voto da ministra presidente, ou se deve ser anulado o julgamento como um todo.

Caso anulado apenas o voto, deverá ser agendada nova sessão de julgamento para que os Ministros Og Fernandes e Francisco Falcão apresentem seus votos. Já na segunda hipótese, o julgamento retornará ao marco zero, sendo necessário que todos os ministros da Corte Especial, em sua atual composição, votem novamente.


– Quais pontos sobre a utilização da taxa Selic ainda devem ser definidos e de que forma isso será feito?

Claudio Pieruccetti e Larissa Damasceno: Além da nulidade, foram levantadas duas questões de ordem que envolvem a aplicação da taxa Selic na prática, quais sejam, a “definição do método de utilização dos fatores diários da Selic” e o modo “como aplicar a Selic nos casos em que o termo inicial dos juros de mora antecede o da correção monetária”.

Essas questões são relevantes, já que impactam no dia a dia das demandas cujos débitos são cobrados judicialmente.

Um outro ponto relevante é a necessária modulação dos efeitos da decisão, já que não se sabe se as dívidas vencidas devem observar a nova taxa, com ajuste em todos os cálculos, ou se haverá um marco para que isso ocorra.

Nesse sentido, destacamos que o artigo 927, §3º, do Código de Processo Civil autoriza que o Superior Tribunal de Justiça realize a modulação dos efeitos de decisão que alterar a jurisprudência dominante, justamente com o objetivo de resguardar o interesse social e a segurança jurídica.


– Em sua opinião, quais devem ser os efeitos da decisão para credores e devedores?

Claudio Pieruccetti e Larissa Damasceno: Por não se tratar de recurso julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos e, portanto, sem efeito vinculante, é possível antever alguma insegurança jurídica para as partes, já que os Tribunais Estaduais poderão seguir com a aplicação dos juros de forma diversa daquela decidida pelo Superior Tribunal de Justiça.

Além disso, a decisão tende a beneficiar os devedores, já que, historicamente, a correção de valores pela Selic é inferir à correção monetária acrescida de juros de 1% usualmente aplicada pelos tribunais.             Ademais, por se tratar de uma taxa utilizada com fins de regular a economia, sua variação resultará em uma imprevisibilidade quanto à atualização do débito, o que também poderá causar prejuízos aos próprios devedores em caso de majoração da taxa.

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