O que promete a nova norma sobre ofertas públicas

Resolução 160 da CVM busca simplificar operações e prover investidores com informações mais relevantes

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Mais simplicidade na realização das ofertas públicas de valores mobiliários e informações mais claras e relevantes para os investidores. Esses foram os objetivos almejados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ao publicar, no último dia 13 de julho, a Resolução 160/22. A norma substituirá a Instrução 400/03 (aplicável às ofertas voltadas a um público amplo) e a Instrução 476/09 (destinada a emissões com poucos investidores).

“Entendemos que as alterações advindas da Resolução são bastante benéficas para o mercado, uma vez que ensejarão maior flexibilidade e celeridade na estruturação de ofertas públicas de valores mobiliários”, afirmam os advogados Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão Teixeira Leite, respectivamente sócio e associados do Vieira Rezende Advogados. Para eles, outro efeito da Resolução pode ser a redução de custos, já que o regime informacional das ofertas foi simplificado e customizado. Mas eles ponderam que a efetividade da nova Resolução dependerá, em grande medida, de como ocorrerá a sua aplicação na prática. 

A Instrução 400/03 regula as ofertas direcionadas ao público em geral e exige uma análise prévia da CVM para a concessão de registro. Já as ofertas feitas via Instrução 476/09, por serem destinadas a investidores profissionais e a um número limitado de investidores, são dispensadas de registro na autarquia. Por conta dessa facilidade, estas últimas ganharam forte apelo entre os emissores nos últimos anos.

Agora, com a publicação da Resolução 160, todas as ofertas serão registradas num regime único e a diferenciação entre os tipos de ofertas se dará pelos ritos de registro automático e ordinário. O primeiro será destinado às ofertas voltadas a investidores profissionais e qualificados, aos emissores que frequentemente acessam o mercado de capitais e às ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) e subsequentes (follow-ons) de companhias operacionais cujo registro já tenha sido analisado por entidade autorreguladora autorizada pela CVM. Ao todo, a Resolução 160/22 estabelece 14 situações nas quais o registro pode ser automático (elencadas no artigo 26). 

Com essa novidade, a CVM espera oferecer mais celeridade às ofertas, permitindo que as empresas aproveitem melhor as janelas de oportunidade do mercado. Os advogados do Vieira Rezende explicam que, com o rito automático, o próprio protocolo da oferta na CVM já acarreta o registro automático, sem necessidade de se aguardar a decisão da autarquia para realizar a oferta.

Já o rito ordinário prevê que o emissor entregue documentação da oferta para análise prévia da CVM, que então irá decidir se autoriza ou não a emissão. O mecanismo será voltado para IPOs que ainda não passaram por análise da autorregulação e para casos mais complexos, como o de companhias que precisam apresentar estudo de viabilidade econômico-financeira.

Na visão da CVM, as alterações promovidas pela Resolução 160 preservam os benefícios das ofertas regidas pela Instrução 476, com o diferencial de que amarras estabelecidas pela norma, como restrição de que a emissão seja oferecida a 75 investidores e apenas 50 participem, deixam de existir. 

“Na prática, o mercado deverá utilizar cada vez mais o regime das ofertas de rito automático, tendo em vista a flexibilização pela CVM de barreiras regulatórias aplicáveis ao regime anterior da ICVM 476, como a imposição de limitação ao número de investidores que poderiam ser acessados e à difusão de informações sobre a oferta”, acreditam os advogados do Vieira Rezende. 

Outra frente importante da nova resolução diz respeito à busca pela simplificação de informações. A norma criou modelos de prospecto mais sucintos e segmentados pelo tipo de valor mobiliário ofertado, com intuito de gerar informações mais objetivas e relevantes para o investidor. Além disso, a exemplo do que já acontece com os fundos de investimento, passou a prever a divulgação de lâmina com informações essenciais da oferta, para tornar as condições mais claras para os investidores. O documento é obrigatório para emissões que contam com participação de público amplo e ocorram pelo rito ordinário. “Os esforços de simplificação de acesso a informações consideram a forte ampliação da base de investidores do mercado de capitais verificada nos últimos anos”, explicou Antonio Berwanger, superintendente de desenvolvimento de mercado da CVM, em nota divulgada pela autarquia. “Ao editar as novas regras, a CVM buscou tornar as informações mais acessíveis e relevantes para o investidor, ao mesmo tempo em que pretendeu conferir a flexibilidade necessária para que o mercado de capitais seja uma opção cada vez mais viável para emissores brasileiros.”

Simultaneamente à Resolução 160, a CVM editou as Resoluções 161, 162 e 163. A primeira institui novas regras para os coordenadores das ofertas públicas. Já a 163 altera as ofertas de notas promissórias comerciais, substituindo a ICVM 566. A Instrução 162, por sua vez, adaptou as demais normas da CVM às alterações previstas pelas Resoluções 160, 161 e 163. As regras entram em vigor no primeiro dia útil de 2023.

Na entrevista abaixo, Hanszmann, Mafra e Leite esclarecem os principais pontos da nova Resolução 160.


A Resolução 160/22 altera de forma significativa os processos referentes à realização de uma oferta pública?

Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão Teixeira Leite: Sim, a Resolução CVM 160/22 traz diversas novidades. A primeira delas é a extinção da oferta com esforços restritos (a chamada “oferta 476”, em alusão à Instrução CVM 476/2009), que era dispensada de registro. Agora, há dois tipos de ritos para o registro de oferta: o automático e o ordinário, este último seguindo regime similar às atuais “ofertas 400” (regidas pela Instrução CVM 400/2003).

O registro automático será aplicado para alguns tipos de oferta em que a proteção dos investidores seja garantida por determinados fatores objetivos, como a análise prévia de uma entidade autorreguladora com a qual a CVM possua convênio, ofertas destinadas a investidores profissionais ou qualificados, ofertas realizadas por emissores frequentes e operacionais etc. Essas hipóteses objetivas estão listadas no artigo 26 da Resolução.

Os requisitos informacionais também sofreram alterações relevantes. O prospecto continua sendo dispensado para ofertas destinadas apenas a investidores profissionais (como ocorre com as atuais “ofertas 476”), sendo que na Resolução foi abolido o limite de número de investidores profissionais que poderiam ser alcançados pela oferta sem prospecto.

Para as ofertas em que o prospecto é obrigatório, tornou-se obrigatória também a elaboração de lâmina da oferta, que apresentará uma espécie de resumo do prospecto. Trata-se de medida para endereçar um problema antigo referente à extensão e complexidade do prospecto, que muitas vezes não é lido ou bem compreendido por investidores menos sofisticados.


O que aconteceu com as ofertas com esforços restritos, regidas pela antiga Instrução 476? Elas deixam de existir?

Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão Teixeira Leite: Sim. Agora há apenas hipóteses de registro automático e registro ordinário. Grosso modo, pode-se dizer que as hipóteses que antes eram tratadas com dispensa de registro na Instrução CVM 476/09 estão agora, em alguma medida, abarcadas pelo registro automático de ofertas. A comparação, no entanto, não é precisa, porque as hipóteses de registro automático da Resolução são mais amplas do que as hipóteses de ofertas dispensadas de registro na Instrução CVM 476/09.


O que é o rito automático para ofertas públicas e quando ele poderá ser usado, de acordo com a Resolução 160/22?

Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão Teixeira Leite: O registro automático será aplicado para oferta em que a proteção dos investidores seja garantida por determinados fatores objetivos, como a análise prévia por uma entidade autorreguladora com a qual a CVM possua convênio, ofertas destinadas a investidores profissionais ou qualificados, ofertas realizadas por emissores frequentes e operacionais etc. Essas ofertas estão listadas no artigo 26 da Resolução. Nessas hipóteses, o protocolo da oferta na CVM acarreta o seu registro automático, sem necessidade de se aguardar a decisão da autarquia para realizar a oferta.


A CVM citou que a obtenção de registro automático ou não de uma oferta dependerá de uma “matriz de possibilidades”. Já há clareza a respeito de como isso vai funcionar?

Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão Teixeira Leite: Sim. As hipóteses de registro automático são objetivas e estão listadas no artigo 26 da Resolução. A lista foi criada com base, em resumo, nos seguintes fatores: o valor mobiliário ofertado, a natureza da oferta (inicial ou subsequente), o público-alvo, a habitualidade com que o emissor acessa o mercado de capitais e eventual análise prévia por entidade autorreguladora autorizada pela CVM.

É importante ressaltar, por outro lado, que ainda não há clareza quanto ao procedimento de análise do pedido de registro da oferta por entidade autorreguladora autorizada pela CVM. A esse respeito, a Resolução limita-se a dizer, no seu artigo 27, § 7º, II, que deve ser apresentado à CVM “relatório técnico elaborado pela entidade autorreguladora conveniada nos termos estabelecidos pelo convênio que não aponte óbice ou condições para o deferimento do registro da oferta pública”. Assim, acredita-se que os convênios a serem celebrados entre a CVM e entidades autorreguladoras fornecerão detalhes de como a entidade analisará a oferta pública apresentada para registro.


Um dos objetivos da CVM na revisão das Instruções 400 e 476 era tornar os processos de oferta pública mais simples, ágeis e baratos. A Resolução 160/22 estabelece as condições para alcançar esses objetivos?

Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão Teixeira Leite: Entendemos que sim. Nesse contexto, a CVM ampliou substancialmente as hipóteses de registro automático, as quais substituíram as antigas ofertas 476, com o intuito de tornar os processos de requerimento de registro de oferta pública mais céleres. Além disso, o novo processo tem o potencial de gerar uma economia de custos para os emissores, uma vez que as ofertas passam a contar com um regime informacional customizado a depender do público-alvo, e simplificação dos documentos a fim de facilitar a leitura e interpretação pelo mercado.


Em sua visão, a nova norma incentiva algum tipo de oferta (para públicos amplos ou restritos) ou é equilibrada?

Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão Teixeira Leite: Entendemos que, apesar de ainda serem aplicáveis certas restrições, na prática, o mercado deverá utilizar cada vez mais o regime das ofertas de rito automático, tendo em vista a flexibilização pela CVM de barreiras regulatórias aplicáveis ao regime anterior da ICVM 476, como a imposição de limitação ao número de investidores que poderiam ser acessados e à difusão de informações sobre a oferta.


Qual é a sua avaliação sobre a Resolução da 160/22? Ela representa um avanço?            

Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão Teixeira Leite: Entendemos que as alterações advindas da Resolução são bastante benéficas para o mercado, uma vez que ensejarão maior flexibilidade e celeridade na estruturação de ofertas públicas de valores mobiliários. Pela própria natureza do mercado, sempre haverá espaço para melhorias e adaptação do arcabouço regulatório à realidade fática. A efetividade da nova Resolução em facilitar a realização de ofertas públicas e reduzir o seu custo regulatório dependerá, em grande medida, de como ocorrerá sua aplicação na prática. 

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