Menos custos e mais segurança para fundos de investimento

Entenda o que mudou com a Resolução 175 da CVM

0

Bastante aguardada e discutida pelo mercado, a nova norma de fundos de investimento deve trazer mais segurança e reduzir os custos para os investidores. A Resolução 175 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), publicada no fim do ano passado, agora centraliza todas as normas referentes ao funcionamento, constituição e divulgação de fundos. As especificidades de cada tipo de fundo serão tratadas em anexos à norma. Ela entra em vigor no dia 3 de abril de 2023.

As alterações foram bem recebidas pelos especialistas. “Na nossa visão, as mudanças realizadas auxiliarão no fomento da indústria nacional de fundos de investimento, na medida em que, dentre outros fatores, reduzirão risco dos investidores por conta da segregação patrimonial das classes de cotas; facilitarão a fiscalização pela CVM, já que houve delimitação mais clara da competência dos prestadores de serviço dos fundos; e reduzirão custos de transação, uma vez que será possível a criação de um mesmo fundo com classes que possuam direitos e obrigações diferentes”, avaliam os advogados Felipe Hanszmann e Mauro Finatti, sócios do Vieira Rezende Advogados, e Caio Brandão e Thomaz Veiga, associados do escritório.

Veja, a seguir, as principais novidades trazidas pela Resolução 175/22 da CVM:

Possibilidade de criação de classes diferentes com segregação de patrimônio – agora, o fundo terá uma estrutura de guarda-chuva, como ocorre na Europa, e pode ter várias classes. O fundo terá um só regulamento e anexos que trarão as especificidades de cada classe. Cada classe terá um CNPJ próprio, e é nela que o investidor fará o aporte de recursos. Esta possibilidade foi aberta pela Lei da Liberdade Econômica e regulamentada pela Resolução 175.

O mesmo fundo de renda fixa, por exemplo, pode ter uma classe DI, outra de crédito privado, outra de renda fixa ativa etc. Os patrimônios de cada classe poderão ser segregados, de forma que as perdas em uma não contaminem outra. Por enquanto, não é possível misturar diferentes ativos porque a regulamentação tributária prevê que os impostos sejam cobrados nos fundos e não nas classes (e a tributação da renda fixa e da variável é diferente). Quando houver modificação nas regras referentes aos impostos, a expectativa é que o mesmo fundo possa ter classes de diferentes ativos. “Essa inovação permite a criação, dentro de um mesmo fundo, de diversas classes de cotas com direitos e obrigações individualizadas. Na prática, isto significa que cada patrimônio segregado responde apenas por obrigações da sua respectiva classe, mitigando os riscos dos investidores e reduzindo custos. Ressalta-se que, nesse cenário, todas as classes serão regidas por um regulamento geral e cada classe possuirá um anexo complementar tratando sobre direitos e obrigações específicos”, explicam os advogados do Vieira Rezende.

Os fundos também poderão ter subclasses – e é aí que se espera realmente um barateamento dos custos. Isso porque a estrutura de fundos atualmente opera no esquema de fundos-espelho, na estrutura de master-feeder. Nessa estrutura, é necessário criar fundos diferentes, cada um com seu CNPJ e sua estrutura (auditoria, administrador, custodiante etc), mesmo que esses fundos todos invistam no mesmo fundo máster. Isso ocorre porque é dessa maneira que os fundos conseguem cobrar taxas de administração diferentes e estabelecer tíquetes mínimos variados, de acordo com o público investidor. Quando os fundos tiverem subclasses, estas todas poderão utilizar a mesma estrutura, o que deve resultar em redução dos custos.

Natureza dos fundos e insolvência – antes, os fundos de investimento eram condomínios e, agora, passam a ser condomínios de natureza especial, com possibilidade de haver responsabilidade limitada dos cotistas. A mudança pode parecer pequena, mas tem uma implicação bastante importante. Quando eram condomínios comuns, os fundos não podiam entrar em insolvência. Se o fundo ficasse com o patrimônio líquido negativo, os cotistas eram chamados a aportar mais recursos – o que deixava os investidores institucionais, especialmente os estrangeiros, temerosos de aplicar em determinados tipos de fundos, como os de participações. Se os investidores não capitalizassem o fundo, os administradores eram obrigados a fazê-lo – o que também afastou muitos prestadores de serviço do mercado brasileiro.

Agora, as classes dos fundos podem ficar insolventes e entrar com pedido de declaração judicial de insolvência (o que vai ocorrer nas classes de cotas e não no fundo). A nova norma não torna obrigatória a responsabilidade limitada dos cotistas – essa é apenas uma possibilidade, que deverá estar expressa no regulamento. Se optar por ela, os investidores só responderão os prejuízos no limite de suas cotas e não serão mais obrigados a cobrir eventuais prejuízos. Os administradores só responderão se houver dolo ou má-fé na administração do fundo.

Maior clareza sobre as responsabilidades dos administradores e gestores – antes, pela lei, eram os administradores que contratavam os gestores, embora na prática ocorresse o inverso: o gestor contratasse o administrador. Mas o administrador era o responsável legal pelo fundo perante a CVM e o Judiciário. Os dois prestadores de serviço eram solidários, o que não mais ocorre. Agora, o fundo será criado em conjunto por administrador e gestor e as responsabilidades decorrem das próprias atribuições de cada um. “A Resolução 175 individualizou as funções desempenhadas pelos prestadores de serviço dos fundos de investimento, definindo, inclusive, o gestor como um prestador de serviços essencial, junto com o administrador, além de determinar que os prestadores de serviço respondem “perante a CVM, nas suas respectivas esferas de atuação”, afirmam os advogados do Vieira Rezende.

Confira, abaixo, a entrevista dos advogados do Vieira Rezende sobre a Resolução 175 da CVM:


– O que mudou no que diz respeito à responsabilidade dos administradores e gestores de recursos? Essas alterações são importantes? 

Felipe Hanszmann, Mauro Finatti, Caio Brandão e Thomaz Veiga: A Resolução 175 individualizou as funções desempenhadas pelos prestadores de serviço dos fundos de investimento, definindo, inclusive, o gestor como um prestador de serviços essencial, junto com o administrador, além de determinar que os prestadores de serviço respondem “perante a CVM, nas suas respectivas esferas de atuação”. Entendemos que tais alterações estão em linha com os precedentes da CVM, sendo adequadas para apuração de responsabilidades nas esferas cível e administrativa.


– No que consistem as várias classes de cotistas e o patrimônio segregado entre as diferentes classes criados pela Resolução 175 da CVM?  

Felipe Hanszmann, Mauro Finatti, Caio Brandão e Thomaz Veiga: A possibilidade de criação de classes diferentes, com patrimônio segregado, foi criada pela Lei de Liberdade Econômica e regulamentada pela Resolução 175/22. Essa inovação permite a criação, dentro de um mesmo fundo, de diversas classes de cotas com direitos e obrigações individualizadas. Na prática, isto significa que cada patrimônio segregado responde apenas por obrigações da sua respectiva classe, mitigando os riscos dos investidores e reduzindo custos. Ressalta-se que, nesse cenário, todas as classes serão regidas por um regulamento geral e cada classe possuirá um anexo complementar tratando sobre direitos e obrigações específicos.


– O que muda com relação à responsabilidade dos cotistas de fundos de investimento e com relação à insolvência civil dos fundos? Essas mudanças devem ser mais relevantes para quais tipos de investidores? 

Felipe Hanszmann, Mauro Finatti, Caio Brandão e Thomaz Veiga: A Resolução CVM 175/22 estabeleceu como regra a responsabilidade limitada do investidor ao valor subscrito, não sendo a princípio obrigatória a realização de aporte adicional em caso de patrimônio insuficiente daquela classe. Nesse contexto, em caso de verificação de patrimônio líquido negativo em uma das classes, compete ao administrador, dentre outras medidas, fechar o fundo para resgates e amortização; não realizar novas subscrições de cotas; comunicar a existência do patrimônio líquido negativo ao gestor; e cancelar os pedidos de resgate pendentes de conversão.​ Por outro lado, na hipótese de insolvência do fundo, será aplicável regime específico para liquidação do respectivo patrimônio e pagamento aos credores.

Entende-se que esta mudança é mais relevante para os investidores de varejo, tendo em vista a mitigação do risco de responsabilização pelo patrimônio negativo do fundo.


– Qual é a sua avaliação sobre a Resolução 175 da CVM? Como deve ser a adaptação do mercado à nova norma?

Felipe Hanszmann, Mauro Finatti, Caio Brandão e Thomaz Veiga: A nova norma geral de fundos atendeu a vários anseios do mercado. “a nossa visão, as mudanças realizadas auxiliarão no fomento da indústria nacional de fundos de investimento, na medida em que, dentre outros fatores, reduzirão risco dos investidores por conta da segregação patrimonial das classes de cotas; facilitarão a fiscalização pela CVM, já que houve delimitação mais clara da competência dos prestadores de serviço dos fundos; e reduzirão custos de transação, uma vez que será possível a criação de um mesmo fundo com classes que possuam direitos e obrigações diferentes. Essa norma aplica-se aos Fundos de Investimento Financeiro (FIFs) e aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCS) e ainda deverá ser complementada por anexos normativos, a serem publicados num futuro próximo, que tratarão de fundos específicos ainda não contemplados, tais como os Fundos de Investimento em Participação (FIPs), entre outros.

Entendemos que o mercado deve se adaptar rapidamente, já que diversas alterações foram baseadas em experiência que os agentes de mercado já observavam no exterior e sugeriram na audiência pública.

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.