Novo formulário de referência demanda atenção

Informações sobre aspectos ESG, climáticos e relacionados a diversidade social devem ser mais desafiadores para as companhias

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Embora as companhias abertas tenham cinco meses, contados a partir do término do exercício social, para a entrega do formulário de referência na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as recentes mudanças no documento demandam atenção mais cuidadosa. Se, por um lado, a estrutura do formulário de referência foi simplificada e a quantidade de informações que precisam ser divulgadas pela companhia diminuiu, por outro foram incluídas novas informações, como as relacionadas a aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês).

Por conta das mudanças, a recomendação dos advogados é que as empresas se dediquem ao novo documento e não deixem as adaptações para a última hora. “Recomenda-se às empresas que elaborem o formulário de referência de forma objetiva e com a devida atenção à profundidade adequada, mitigando-se, assim, questionamentos pelos acionistas, autarquia e pelo mercado”, afirmam os advogados Felipe Hanszmann, Maria Ramos Dias e Caio Brandão, respectivamente sócio e associados do Vieira Rezende Advogados. 

Os pontos mais desafiadores para as empresas são os relacionados aos aspectos ASG, à diversidade social da administração e ao comparativo entre a remuneração dos empregados, consideram as advogadas Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues, respectivamente sócia e associadas do Carneiro de Oliveira Advogados. “As companhias terão de se planejar e ser diligentes para obter as informações necessárias e implementar eventuais práticas ESG ainda não adotadas (caso assim decidam) ou explicitar as justificativas para a não adoção de tais práticas”, afirmam. 

Por conta disso, elas consideram que as companhias devem priorizar as mudanças estratégicas e as práticas necessárias para o cumprimento das novas obrigações introduzidas pela Resolução CVM 59, uma vez que podem demandar movimentações não tão simples e céleres – principalmente no que diz respeito aos aspectos ESG e climáticos. Mas também com relação a novidades nos itens sobre fatores de risco, assembleia geral e administração (diversidade social), recursos humanos (diversidade social) e remuneração.

A entrega do formulário de referência no novo modelo simplificado deve ocorrer a partir de 2 de janeiro do ano que vem (data que entra em vigor a Resolução 59/21 da CVM), em até cinco meses após o fim do exercício social de cada companhia. Já está disponível, em fase experimental, no sistema Empresas.Net, da autarquia, o “FRe Online” — que substituirá o atual aplicativo usado para o envio do documento. No FRe Online, já consta a nova estrutura do documento. O objetivo desse formulário de referência “experimental” é que haja tempo para a implementação de melhorias até o início da vigência da resolução. 

Na entrevista a seguir, os advogados do Vieira Rezende e do Carneiro de Oliveira abordam as principais mudanças do formulário de referência e o seu preenchimento.


Por que o formulário de referência foi alterado pela Resolução 59 e quais foram as principais mudanças?

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues: A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a Resolução CVM 59, de 22 de dezembro de 2021, com a finalidade de reformar e simplificar o regime informacional divulgado pelas companhias abertas, inclusive para evitar duplicidade de informações divulgadas pelas companhias. 

Adicionalmente, a reforma do formulário de referência dispõe sobre novas informações que deverão ser divulgadas pelas companhias, relacionadas a aspectos ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG). Com as novas informações sobre as práticas ESG, a CVM buscou atender a tendência mundial, refletir os novos interesses dos investidores e incentivar a implementação de iniciativas voltadas às referidas práticas nas companhias. Cumpre destacar, ainda, que as alterações do formulário de referência também decorrem da necessidade de uma padronização das informações divulgadas, acompanhando o que já vem sendo feito em outras jurisdições.

A abordagem “pratique ou explique”, já utilizada no Informe de Governança das Companhias Abertas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), foi adotada para a divulgação de determinadas informações relacionadas aos aspectos ASG das companhias, de modo a garantir uma maior transparência no mercado e possibilitar a análise dos investidores sobre as práticas adotadas pelas companhias. Desta forma, as companhias deverão informar as suas práticas ESG e justificar o motivo se indicarem que seguem parcialmente ou não adotam alguma prática.

Dentre as principais alterações trazidas pela Resolução CVM 59, destacam-se: 

  • a reformulação e simplificação geral da estrutura do formulário de referência;
  • a redução (de 3 para 1 exercício social) do horizonte temporal das informações prestadas no formulário de referência; 
  • a introdução de divulgação sobre os aspectos ESG; 
  • limitação dos comentários dos diretores somente a alterações significativas nas contas; 
  • divulgação de informações sobre a diversidade social da administração; 
  • a divulgação do comparativo entre a remuneração dos empregados; e 
  • a limitação do escopo de divulgação de transações entre partes relacionadas.

Felipe Hanszmann, Maria Ramos Dias e Caio Brandão: O principal objetivo da edição da Resolução CVM 59, conforme declarado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foi reduzir os custos de observância dos emissores ao revisar o conteúdo e forma de apresentação das informações pelas companhias no formulário de referência. Dessa forma, a nova versão do documento visa diminuir custos operacionais inerentes ao cumprimento de obrigações regulatórias, sem comprometer o nível de proteção aos investidores, eliminando redundâncias e simplificando o nível informacional exigido.

Destacamos as seguintes alterações introduzidas pela resolução:

  1. aprimoramento dos campos que tratam sobre questões ESG, com exigência de novas informações sobre o tema;
  2. revisão do nível informacional a respeito de transações com partes relacionadas, concentrando-se em operações que tenham um maior potencial de gerar prejuízos para os acionistas não controladores; 
  3. simplificação das informações exigidas sobre processos judiciais, administrativos e arbitrais na seção sobre fatores de risco; e 
  4. dispensa de prestação de determinadas informações por parte de emissores registrados sob a Categoria B ou registados sob a Categoria A cujos valores mobiliários não sejam admitidos à negociação.

Por que a CVM divulgou um formulário de referência experimental para 2023? Isso significa que ele ainda pode mudar?

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues: A CVM disponibilizou no Sistema Empresas.Net, em 1º de setembro de 2022, o “FRe Online” para que as companhias abertas possam utilizar e avaliar a experiência do formulário de referência, já com a nova estrutura prevista na Resolução CVM 59/21, que entrará em vigor a partir de 02 de janeiro de 2023.

O formulário de referência experimental tem como finalidade a obtenção de recomendações de melhorias das companhias, de forma que ainda será possível a realização de eventuais mudanças. No entanto, a expectativa é de que eventuais alterações sejam no sentido de melhorar a experiência do usuário. Importante destacar que as companhias ainda não poderão enviar o formulário de referência com a nova estrutura, uma vez que somente será obrigatória a partir 2 de janeiro de 2023, tendo como base o formulário de referência de 2023, que deverá ser entregue em até cinco meses contados da data de encerramento do exercício social, nos termos do artigo 25, §1º, da Resolução CVM 80, de 29 de março de 2022.

Felipe Hanszmann, Maria Ramos Dias e Caio Brandão: Na verdade, o “formulário de referência experimental” divulgado pela CVM através do Ofício Circular 04/2022/CVM/SEP trata da migração do documento do Sistema Empresas.Net (Enet) para a plataforma web, eliminando o uso do aplicativo pelos emissores – que era criticado pelo mercado. Trata-se de uma das fases do processo de automatização e simplificação do envio de documentos pelas companhias que está sendo implementado pela CVM.


O novo formulário de referência vai demandar muitas adaptações por parte das empresas? Quais aspectos devem ser mais desafiadores?

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues: Em geral, o novo formulário de referência simplificou a estrutura e diminuiu a quantidade de informações a serem divulgadas pelas companhias. Por outro lado, a Resolução CVM 59 também incluiu novas informações que deverão ser entregues pelas companhias, principalmente com relação aos aspectos ASG e climáticos.

Desta forma, as adaptações a serem realizadas pelas empresas com relação à estrutura e realocação de informações do formulário de referência não demandarão a mobilização de grandes esforços. Entretanto, a divulgação das novas informações será mais desafiadora, especialmente referente aos aspectos ESG, à diversidade social da administração e ao comparativo entre a remuneração dos empregados. As companhias terão de se planejar e ser diligentes para obter as informações necessárias e implementar eventuais práticas ESG ainda não adotadas (caso assim decidam) ou explicitar as justificativas para a não adoção de tais práticas.

Conforme já nos manifestamos em outras ocasiões em pautas cujo modelo de resposta também é o “pratique ou explique”, a transparência e as mudanças esperadas com relação às novas informações constantes do formulário de referência também dependem de pressão do mercado, especialmente nas companhias que optarem por explicar a não adoção ou adoção parcial de determinada prática, para que sejam evitadas justificativas genéricas, comuns entre as companhias.

Felipe Hanszmann, Maria Ramos Dias e Caio Brandão: Entendemos que inicialmente essa alteração demandará adaptações substanciais pelas empresas principalmente em relação às informações sobre questões ambientais, sociais e de governança (ESG) já que muitas empresas não estavam habituadas a levantar tais dados (pelo menos não da maneira solicitada). Por outro lado, os emissores também notarão a simplificação em alguns itens do formulário, como os referentes aos comentários dos administradores em itens das demonstrações de resultado e de fluxo de caixa, que passaram a ser limitados apenas a alterações significativas. De modo geral, os emissores deverão trabalhar para apresentar informações de qualidade e de forma transparente.


O que se recomenda às empresas para que se adaptem ao novo formulário de referência? Quais são os prazos referentes ao preenchimento da versão 2023?

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues: Para a adaptação do novo formulário de referência, as companhias deverão priorizar as mudanças estratégicas e as práticas necessárias para o cumprimento das novas obrigações introduzidas pela Resolução CVM 59, uma vez que podem demandar movimentações não tão simples e céleres. Principalmente no que tange os aspectos ESG e climáticos, as companhias devem se atentar às novas regulamentações e tendências para avaliar suas estratégias, desenvolver políticas e adaptar a execução de suas atividades de acordo com os regulamentos e práticas aplicáveis, caso optem por seguir as práticas recomendadas.

Além disso, as companhias devem se organizar para identificar informações que ainda não estejam organizadas na forma prevista no novo formulário de referência, em especial aquelas relacionadas às novidades constantes dos itens sobre fatores de risco, assembleia geral e administração (diversidade social), recursos humanos (diversidade social) e remuneração.

O novo formulário de referência entrará em vigor no dia 2 de janeiro de 2023 e será aplicável à divulgação das informações relativas ao exercício social que se encerra em 31 de dezembro de 2022. Conforme previsto no artigo 25, §1º, da Resolução CVM  80, de 29 de março de 2022, o formulário de referência atualizado deverá ser entregue em até cinco meses contados da data de encerramento do exercício social.

A CVM ainda informou que eventuais reapresentações do formulário de referência referente a anos anteriores a 2023 deverão ser realizadas por meio do aplicativo atualmente utilizado para seu preenchimento.

Felipe Hanszmann, Maria Ramos Dias e Caio Brandão: Recomenda-se às empresas que elaborem o formulário de referência de forma objetiva e com a devida atenção à profundidade adequada, mitigando-se, assim, questionamentos pelos acionistas, autarquia e pelo mercado. Em relação ao prazo, a Resolução CVM 80/2022 estabelece que o formulário de referência deve ser entregue pelas companhias abertas em até cinco meses contados da data do encerramento social. O novo formato do formulário de referência na plataforma web somente passará a ser obrigatório a partir de 1º de janeiro de 2023, tendo como base o formulário de 2023, conforme disposto no Ofício Circular 04/2022/CVM/SEP.

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