Mercado ganhará fundos de investimento em reciclagem

Novidade está prevista no PL 6.545/19, que aguarda sanção presidencial

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A reciclagem de resíduos está prestes a ganhar um estímulo importante no Brasil: o Senado Federal aprovou, no último dia 17 de novembro, a Política Nacional de Incentivo à Reciclagem, prevista no PL 6.545/19. O texto aguarda agora sanção presidencial. Dentre outras medidas, ele confere incentivos fiscais para quem direcionar recursos à essa cadeia. De acordo com o propositor do projeto, o deputado Carlos Gomes (Republicanos-RS), o Brasil recicla apenas 3% do seu lixo, mas tem potencial para fazer esse percentual saltar para 35%. 

O PL 6.545/19 prevê a criação de dois fundos para alocação de recursos na cadeia de reciclagem: o fundo de apoio para ações voltadas à reciclagem (Favorecicle) e os fundos de investimento para projetos de reciclagem (ProRecicle). O Favorecicle será abastecido por recursos da União e doações de pessoas físicas e jurídicas optantes pelo lucro real, que poderão abater, do imposto de renda (IR) a pagar, as contribuições feitas a projetos de reciclagem aprovados pelo Ministério do Meio Ambiente. Já o Favorecicle vai captar recursos no mercado de capitais e será regulamentado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). As suas aplicações serão isentas do imposto sobre operações financeiras (IOF), e os investidores não precisarão pagar IR na fonte.

Associada do escritório Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, Ana Carolina Barbosa considera que os fundos têm potencial para atrair investidores nacionais e estrangeiros. “A transparência que será dada à autorização e ao monitoramento dos projetos pelo Ministério do Meio Ambiente poderá garantir a segurança dos investimentos”, ressalta Barbosa. 

Segundo ela, os incentivos fiscais são mecanismos importantes de fomento, mas um tratamento tributário apropriado no processo de descarbonização da economia deve ir muito além. “Hoje, uma empresa que queira investir em reciclagem de materiais dentro de sua própria planta produtiva pode enfrentar dificuldades para considerar esses investimentos para fins de aproveitamento de créditos de Pis e Cofins, o que pode inviabilizar relevantes projetos para o País”, observa.

Na entrevista abaixo, Barbosa aborda os principais pontos da nova política. 


Quais são os principais pontos da Política Nacional de Incentivo à Reciclagem?

Ana Carolina Barbosa: A busca por uma economia de baixo carbono passa, necessariamente, por uma abordagem das políticas de reciclagem de materiais. A promoção da reciclagem leva à revisão de padrões de produção e consumo na sociedade, possibilitando o fortalecimento da economia circular.

O atual sistema produtivo linear tem sido questionado há bastante tempo em razão da sua insustentabilidade. Ele gera enorme acúmulo de resíduos, poluindo os rios e oceanos. Além disso, favorece a exploração indiscriminada de recursos naturais, o que pode levar ao esgotamento de diversas matérias primas, e estimula o desperdício de alimentos e recursos, ao mesmo tempo em que parte da população passa fome e o consumo é inconsciente e exacerbado. A produção de resíduos sólidos em áreas urbanas é uma das principais causas de problemas ambientais, dentre eles o aumento da emissão de gases de efeito estufa (GEE).

A Política Nacional de Incentivo à Reciclagem (Projeto de Lei 6.545/19) recém-aprovada pelo Senado e encaminhada à sanção presidencial tem como objetivo instituir incentivos e benefícios para estimular a reciclagem no Brasil.

Os mecanismos econômicos de fomento da reciclagem previstos na legislação são: incentivos fiscais; criação do fundo de apoio para ações voltadas à reciclagem (Favorecicle); e autorização de criação de fundos de investimento para projetos de reciclagem (ProRecicle).


Como vão funcionar os incentivos fiscais para a reciclagem?

Ana Carolina Barbosa: A legislação prevê que os contribuintes poderão deduzir do imposto de renda (IR) devido a quantia efetivamente despendida no apoio direto aos projetos previamente aprovados pelo Ministério do Meio Ambiente relacionados à reciclagem.

Para as pessoas físicas, o apoio a esses projetos poderá ser deduzido no limite de até 6% do IR devido apurado na Declaração de Ajuste Anual do IR. Contudo, essa dedução continua sendo considerada em conjunto com as demais deduções, conforme previsão do artigo 22 da Lei 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e o inciso II do § 1º do artigo 1º da Lei 11.438, de 29 de dezembro de 2006 (incentivos para atividades de caráter desportivo).

As pessoas jurídicas poderão deduzir até 1% do imposto devido em cada período de apuração trimestral ou anual, também considerado em conjunto com as deduções previstas para fomento de atividades de caráter desportivo, sendo que deverá ser observada a restrição contida no disposto no § 4º do artigo 3º da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, que impede qualquer dedução do adicional do IR (10%).

É importante ressaltar que as pessoas jurídicas não poderão deduzir a quantia para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL).

Os incentivos para o IR previstos para as atividades de reciclagem são muito semelhantes aos incentivos à atividade esportiva, previstos na Lei 11.438/2006. Isso mostra que o Senado está usando um formato padrão de incentivo econômico às políticas relacionadas à sustentabilidade.

As operações com fundos de investimentos para projetos de reciclagem também receberam incentivos fiscais. Elas serão isentas do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF). Os rendimentos que serão distribuídos pelos fundos de investimento, as remunerações produzidas e os ganhos de capital auferidos pelos fundos ficam isentos do IR retido na fonte e da declaração de ajuste das pessoas físicas e jurídicas.

Os incentivos fiscais são mecanismos importantes de fomento, mas um tratamento tributário adequado no processo de descarbonização da economia deve ir muito além. A tributação adequada das operações com produtos reciclados e das adaptações que as empresas fazem em suas linhas de produção voltadas à reciclagem são fundamentais, principalmente no que diz respeito à possibilidade de créditos de Pis e Cofins.

Hoje, uma empresa que queira investir em reciclagem de materiais dentro de sua própria planta produtiva pode enfrentar dificuldades para considerar esses investimentos para fins de aproveitamento de créditos de Pis e Cofins, o que pode inviabilizar relevantes projetos para o País. É preciso remodelar o sistema tributário e adequá-lo às demais políticas relacionadas à sustentabilidade, pois a tributação não deveria representar um entrave para as empresas se adequarem à nova realidade mundial.

No caso da implementação das políticas públicas relacionadas ao meio ambiente e à emergência climática, a tributação, além de ser o instrumento de arrecadação, será ferramenta indispensável no processo de impulsionar a transição para uma economia de baixo carbono.


 A política especificou as características dos fundos de investimentos para projetos de reciclagem (ProRecicle)?

Ana Carolina Barbosa: Eles deverão seguir as regras de constituição de fundos de investimento, regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Banco Central, bem como a Lei da Liberdade Econômica. Em linhas gerais, esses fundos de investimento serão constituídos na forma de condomínio, sem personalidade jurídica, e os recursos serão destinados a projetos previamente aprovados pelo Ministério do Meio Ambiente.


 Considerando o crescimento da agenda ESG, qual deve ser o interesse dos investidores pelos fundos de investimentos para projetos de reciclagem (ProRecicle)?

Ana Carolina Barbosa: A estratégia das empresas é pautada diretamente pelos desafios que a humanidade enfrenta atualmente, como a emergência climática e as desigualdades sociais. As empresas começaram a se atentar aos impactos negativos e positivos de suas atividades, a repensar seus modelos de negócio de forma a responder às necessidades das comunidades onde atuam, aos impactos na gestão dos recursos naturais, emissões de GEE, redução e compensação de carbono, transparência na gestão, inclusive de sua cadeia de fornecedores. Os riscos socioambientais se incorporaram de forma definitiva à estratégia das empresas, pois esse tipo de iniciativa legitima a sua atuação perante a sociedade e os investidores. A responsabilidade social corporativa incorporou o tripé ESG (ambiental, social e governança), remodelando o sistema financeiro internacional, o que certamente é um divisor de águas no financiamento climático.

A sistemática criada pela Política Nacional de Incentivo à Reciclagem com os incentivos para a criação dos fundos ProRecicle pode atrair investidores nacionais e estrangeiros. A transparência que será dada à autorização e ao monitoramento dos projetos pelo Ministério do Meio Ambiente poderá garantir a segurança dos investimentos e a contribuição desses projetos para a Agenda 2030 e para o alcance das metas de contribuição nacionalmente determinada (NDC) apresentadas pelo Brasil no Acordo de Paris.

Por meio desse investimento, o setor de reciclagem no Brasil poderá transformar as cidades, incluir no sistema econômico pessoas em situação de vulnerabilidade e criar mecanismos eficientes e circulares para a cadeia de matérias primas, evitando a liberação de GEE, implementando novas tecnologias para produção de biogás e combatendo o desperdício — enfim, preservando o capital natural.

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