Fiagros caem no gosto do mercado
Ofertas em análise na CVM já totalizam 2,9 bilhões de reais
Com apenas dois meses de existência, os fundos de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais (Fiagros) caíram no gosto do mercado. Os pedidos de análise de registro de Fiagros na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) totalizaram 2,9 bilhões de reais até o último dia 20. Três fundos pediram o registro em agosto (somando um volume de R$ 950 milhões) e oito em setembro (R$ 1,95 bilhão).
Os números se referem a ofertas de Fiagros–imobiliários, que podem investir na compra e venda de imóveis rurais e em certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) relativos ao setor. Os Fiagros também podem ser constituídos como fundos de investimento em participações (FIPs) e como fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), mas, até o dia 20, não havia registro de Fiagros dessas modalidades na autarquia.
A norma que trata da criação dos Fiagros foi publicada em 13 de julho de 2021 (Resolução CVM nº 39). Ela permitiu que, de forma provisória e experimental, esses veículos fossem constituídos e registrados em alguma das três categorias citadas acima. O objetivo foi dar agilidade à implementação desse tipo de investimento e testar o mercado, enquanto uma regulamentação exclusivamente voltada para os Fiagros não é elaborada.
Celso Arbaji Contin e Vinicius Mattos, sócio e associado do Vieira Rezende Advogados, consideram que a flexibilidade do Fiagro e a sua neutralidade fiscal devem torná-lo uma importante forma de financiamento de atividades relacionadas ao agronegócio e um relevante veículo de investimento, em especial para investidores pessoa física.
Além disso, o novo tipo de fundo tem potencial para beneficiar os agricultores brasileiros e o País: “O Fiagro pode ser um instrumento complementar ao crédito atualmente fornecido pelo Tesouro Nacional e ajudar o setor em sua necessidade de financiamento e na competição internacional”, afirmam.
Na entrevista abaixo, Contin e Mattos comentam suas expectativas em relação a esse novo fundo e suas características.
Quais são as principais características dos Fiagros?
Celso Arbaji Contin e Vinicius Mattos: O fundo de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais (FIagro) foi instituído a partir da Lei 14.130/21, de autoria do deputado Arnaldo Jardim. O Fiagro foi construído com base na lei que instituiu o fundo de investimento imobiliário (a Lei 5.191/20 altera a Lei 8.668/93), bastante conhecido no mercado, e traz avanços ao financiamento do setor do agronegócio.
A principal característica do Fiagro é que ele permite o investimento em múltiplos ativos da cadeia agroindustrial. De acordo com a lei que o institui, o fundo pode investir na compra e venda de imóveis rurais, em participações de empresas do setor (funcionando como um veículo de private equity), em direitos creditórios (factoring), em títulos de securitização como o certificado de recebíveis do agronegócio (CRA) e o certificado de recebíveis imobiliários (CRI) de recebível imobiliário relativo ao setor e em quotas de fundos de investimento em recebíveis que apliquem mais de 50% da carteira em ativos relacionados ao setor agro. Podem, ainda, investir em vários títulos do agronegócio, tais como cédula de produto rural (CPR), cédula imobiliária rural (CIR), certificado de depósito agropecuário (CDA)/ warrant agropecuário (WA), certificado de direitos creditórios do agronegócio (CDCA) e letra de crédito do agronegócio (LCA).
Essa capilaridade dos investimentos permitidos tem a capacidade de alavancar o volume de crédito oferecido ao setor agrícola, permitindo maior disponibilidade de crédito a todos os elos da cadeia do agronegócio.
O Fiagro possui, ainda, eficiência fiscal: (i) nos investimentos em LCA, CRA, CDA, WA, CDCA e CPR — os investimentos da sua carteira são isentos de IR, (ii) sobre rendimentos pagos pelo Fiagro a quotistas pessoas físicas (benefício similar ao FII) — os rendimentos pagos são isentos, sob determinadas condicionantes; e (iii) o ganho de capital apurado na integralização de quotas do Fiagro com imóveis rurais poderá ser diferido ao longo do tempo no imposto de renda (IR).
Todas essas características, aliadas à grande flexibilidade do instrumento, fazem com que o Fiagro possa figurar como importante forma de financiamento de atividades relacionadas ao agronegócio, bem como veículo de investimento, em especial para investidores pessoa física.
Considerando que os agricultores têm acesso a crédito pagando juros mais baixos, o Fiagro pode ser uma alternativa ainda mais competitiva de captação de recursos para os produtores?
Celso Arbaji Contin e Vinicius Mattos: Existe uma política de crédito ao agronegócio no Brasil, na qual os bancos públicos, com destaque para o Banco do Brasil e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), exercem papel de instituições repassadoras do Tesouro Nacional. Tal arranjo, deriva, claro, do importante papel do agronegócio na economia brasileira e de sua importância, mas é limitado pela própria capacidade financeira do Tesouro Nacional e da necessidade de utilização dos mesmos impostos para melhor prestação de serviços públicos. O Plano Safra, o maior conjunto de linhas de crédito ao setor no Brasil, conta com 236,3 bilhões de reais (valor agregado de todas as linhas). Apesar do montante parecer elevado, o setor agrícola sabe que tais recursos não são suficientes, gerando verdadeira corrida na busca pelas linhas disponíveis. Quando comparamos aos subsídios americanos, competidores diretos, fica evidente a desvantagem do agronegócio brasileiro. Os Estados Unidos, sozinhos, superam o total do Plano Safra em subsídios diretos, sem necessidade de repagamento.
O agronegócio no Brasil é um setor lucrativo. Assim como já foi realizado anteriormente no setor de infraestrutura por meio da criação das chamadas debêntures incentivadas com isenção de IR ao investidor pessoa física, tenta-se criar agora um veículo capaz de fornecer crédito de maneira competitiva ao setor agrícola, de forma privada, e que não dependa de recursos do Tesouro. O Fiagro pode ser um instrumento complementar ao crédito atualmente fornecido pelo Tesouro e ajudar o setor em sua necessidade de financiamento e na competição internacional.
Nesse sentido, de modo a tornar o Fiagro um instrumento de financiamento competitivo, o Congresso Nacional rejeitou em 1º de junho os vetos apresentados pelo Poder Executivo a dispositivos da Lei 14.130/21, retomando benefícios de natureza tributária considerados pelo mercado cruciais para a viabilidade desse novo veículo, e que já eram dados a outros instrumentos. A partir do veto, o Fiagro retomou sua neutralidade tributária:
- nos investimentos em LCA, CRA, CDA, WA, CDCA e CPR. Os investimentos da carteira do Fiagro serão isentos, exceto os rendimentos e ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras de renda fixa não relacionadas ao setor agroindustrial e de renda variável; e
- sobre rendimentos pagos pelo Fiagro a quotistas pessoas físicas (benefício similar ao FII), eles são isentos, desde que (a) as quotas do fundo sejam negociadas exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado; (b) o fundo possua pelo menos 50 quotistas; e (c) o quotista não seja titular de quotas que representem 10% ou mais da totalidade das quotas (ou direito ao recebimento de rendimento).
Adicionalmente, o ganho de capital apurado na integralização de quotas do Fiagro com imóveis rurais poderá ser diferido no IR. Assim como nos FIIs, o ganho de capital apurado no momento da integralização das quotas com imóvel rural poderá ser diferido indefinidamente até a data em que as quotas forem vendidas, resgatadas ou o fundo liquidado. Esse é um importante incentivo para a constituição desses veículos.
Considerando a neutralidade tributária e o diferimento no ganho de capital, o Fiagro pode ser uma alternativa mais competitiva de captação de recursos para os produtores, independente do Tesouro Nacional, e capaz de estimular a produtividade do agronegócio brasileiro frente aos competidores internacionais. Ele poderá ser um instrumento complementar, sendo importante destacar que seu volume financeiro dependerá da estabilidade macroeconômica do País, em especial quanto aos reflexos nas taxas de juros que serão cobradas pelo mercado privado. Se os juros básicos da economia estiverem altos demais, a captação do setor agrícola via esse tipo de fundo pode ser muito prejudicada.
Na sua opinião, os Fiagros têm potencial similar aos fundos de investimento imobiliários (FIIs)?
Celso Arbaji Contin e Vinicius Mattos: Sim, e para afirmar isso pode-se verificar os números e os tamanhos dos respectivos mercados para os quais os respectivos instrumentos estão direcionados.
Conforme os dados da consultoria Uqbar, em 2020, os FIIs movimentaram 35,68 bilhões de reais em emissões. O setor agroindustrial do Brasil representa 21,4% do produto interno bruto (PIB), enquanto a construção civil representa 6,2% e, logo, o setor agroindustrial possui cerca de três vezes o tamanho do setor imobiliário. Fica evidente que as necessidades de capital são diferentes e existe muito espaço para crescimento dos Fiagros.
De fato, o agronegócio brasileiro continua um pouco à margem do mercado de capitais. E existe uma razão histórica, que são as linhas de crédito subsidiadas e direcionadas pelo Tesouro Nacional ao setor. Mas ainda que tais linhas ainda existam, percebe-se que o diferencial de juros das linhas subsidiadas frente às linhas de mercado está em queda e que o volume de recursos ofertados não é suficiente, o que favorece a captação por meio de instrumentos como o Fiagro.
Nota-se um enorme interesse do mercado pelo produto. Após a edição da Resolução CVM no 39/2021, que se deu de maneira bem célere pela autarquia, rapidamente o mercado se mobilizou para a realização das primeiras emissões. A resolução permitiu a constituição de três tipos de Fiagro, aplicando-se a regulamentação de fundos de investimentos existentes, quais sejam: as regras do fundo de investimento em direitos creditórios (Fiagro-direitos creditórios), do fundo de investimento imobiliário (Fiagro-imobiliário) e do fundo de investimento em participações (Fiagro-participações). Ainda que se possa esperar regulamentação complementar futura por parte da CVM, que permita a criação de um Fiagro mais amplo, a utilização da estrutura jurídica já existente de tais fundos trouxe uma familiaridade ao investidor, uma vez que as regras de administração e transparência são as mesmas.
De que forma os investidores poderão acompanhar a carteira e o desempenho dos Fiagros?
Celso Arbaji Contin e Vinicius Mattos: Nos termos da nova Resolução CVM no 39/2021, aplicam-se aos Fiagro as regras gerais que dispõem sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento ali descritos (FIDC, FII e FIP) e sobre a prestação de serviços para os fundos.
A política de investimentos disposta no regulamento dos Fiagros deve, como nos demais fundos de investimento, ser plenamente aderente às regras de composição e diversificação de carteira de ativos aplicáveis à categoria na qual o fundo for registrado, observadas, ainda, as regras especiais dispostas no artigo 20-A da Lei 8.668, de 1993.
Nesse sentido, o administrador do Fiagro deverá divulgar informações aos investidores, na periodicidade, prazo e teor definidos pela regulamentação da CVM. Essa divulgação deve ser feita de forma imparcial entre todos os cotistas e inclui:
- divulgar, diariamente, o valor da cota e do patrimônio líquido do fundo, se aberto;
- enviar mensalmente aos cotistas um extrato de conta contendo sua posição;
- enviar à CVM informações relativas ao Fiagro, que estarão disponíveis para consulta na página da CVM na internet e, quando for o caso, na página do próprio administrador do fundo, dentre as quais destacamos: (a) informe diário, no prazo de dois dias úteis; (b) mensalmente, até dez dias após o encerramento do mês a que se referirem: (b.1) balancete; (b.2) demonstrativo da composição e diversificação de carteira; e (b.3) perfil mensal;
- anualmente, no prazo de noventa dias, contados a partir do encerramento do exercício a que se referirem, as demonstrações contábeis acompanhadas do parecer do auditor independente; e
- imediatamente, através de correspondência a todos os cotistas e de comunicado através do sistema de envio de documentos disponível na página da CVM, qualquer ato ou fato relevante ocorrido ou relacionado ao funcionamento do Fiagro ou aos ativos integrantes de sua carteira.
Resumidamente, os investidores poderão acompanhar a carteira e o desempenho dos Fiagro da mesma forma que já fazem com os demais fundos de investimento.
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