Marco legal das garantias fica aquém do esperado

Projeto de Lei 4.188/21 sofreu modificações importantes durante sua tramitação no Congresso

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O objetivo do governo, ao propor o novo marco legal das garantias, era melhorar o ambiente de negócios e simplificar o mercado de crédito, criando condições para a redução dos spreads. O resultado final traz avanços, mas fica aquém da intenção inicial, considerada ambiciosa. Aprovado pela Câmara dos Deputados e aguardando sanção do presidente da República, o Projeto de Lei 4.188/21 sofreu modificações importantes durante sua tramitação no Congresso.

“Infelizmente, perdeu-se a oportunidade de um aprimoramento mais profundo nas regras que regem a concessão de créditos com garantia no país, ao se excluírem os artigos 2 a 11 do texto original (no total, esse texto continha 22 artigos), que previam a prestação dos serviços de gestão especializada de garantias e a criação das Instituições Gestoras de Garantia (IGG)”, avaliam Celso Contin e Bruno Ett Bícego, sócio e associado do Vieira Rezende Advogados.

Um dos destaques do texto inicial do marco legal das garantias era a criação das Instituições Gestoras de Garantias (IGG) – entidades que administrariam as garantias concedidas em operações de crédito, atuando na sua constituição, utilização e gestão. Elas ainda gerenciariam os riscos e executariam as garantias se os devedores não pagassem suas dívidas.

Para Contin e Bícego, as IGGs eram a espinha dorsal do texto inicial do PL 4.188/21 e teriam o potencial para contribuir muito para a concessão de crédito com garantia, pois, dentre outros benefícios, reduziriam os custos para o registro das garantias e possibilitariam que o tomador do crédito utilizasse a garantia excedente sem ser necessária a intervenção do primeiro credor – o que também poderia impulsionar a concessão de crédito. Em suma, para os advogados, as IGGs aumentariam a concorrência bancária, proporcionando relevante redução no spread bancário – efeito positivo que não é mais esperado.

Mesmo sem esse importante instrumento, os advogados consideram texto enviado para a sanção presidencial traz avanços como o aprimoramento nas regras da alienação fiduciária de bem imóvel, a inclusão da figura do agente de garantias no Código Civil (proporcionando mais segurança às partes que desejarem designar um agente de garantias na estruturação de um financiamento) e a previsão de que as garantias administradas por um agente nomeado pelos credores fazem parte de patrimônio separado. Outra melhoria  diz respeito à autorização do procedimento de busca e apreensão de automóveis concedidos em alienação fiduciária, o que deve facilitar a execução desse tipo de garantia. Outro ponto é que os tabeliões de protesto poderão atuar negociação de créditos em benefício dos credores e devedores, quando devidamente autorizados – com potencial para aumentar a celeridade e efetividade dos acordos entre credores e devedores, reduzindo custos e aliviando o Judiciário.

Ao ser aprovado na Câmara dos Deputados em junho de 2022, o texto recebeu 35 emendas, mas manteve aspectos tidos como essenciais para modernizar o sistema de garantias, como as IGGs. No Senado Federal, no entanto, as modificações foram grandes – aprovado em junho deste ano com muitas modificações, o texto voltou para a Câmara, que o aprovou em 03/10/23.

Na entrevista abaixo, Contin e Bícego elencam os principais pontos do marco legal das garantias e comentam os seus avanços e oportunidades perdidas.


– Após ser alterado pelo Senado Federal, o marco legal das garantias voltou à Câmara. Quais são os principais pontos do texto aprovado pela Câmara?

Celso Contin e Bruno Ett Bícego: O Projeto de Lei nº 4.188/21 (PL 4.188/21) sofreu radicais alterações no Senado Federal em relação à minuta inicialmente aprovada pela Câmara. Infelizmente, perdeu-se a oportunidade de um aprimoramento mais profundo nas regras que regem a concessão de créditos com garantia no país, ao se excluírem os artigos 2 a 11 do texto original (no total, esse texto continha 22 artigos), que previam a prestação dos serviços de gestão especializada de garantias e a criação das Instituições Gestoras de Garantia (IGG).

As IGGs poderiam atuar como verdadeiras clearings das garantias, permitindo a tomada de crédito com garantia por pessoas e empresas dentro de um ambiente de interoperabilidade de provedores de crédito, em linha com o open finance, destravando uma quantidade enorme de crédito, levando a uma maior democratização do crédito com garantia, à redução do spread bancário e ainda a uma relevante economia em taxas de registro em cartórios, entre outros benefícios à população e às empresas.

Mesmo assim, o texto que foi à sanção presidencial traz avanços.

O primeiro deles é um aprimoramento nas regras da alienação fiduciária de bem imóvel, permitindo expressamente a alienação fiduciária por terceiro fiduciante, a alienação fiduciária da propriedade superveniente, e reformulando alguns aspectos do procedimento de excussão da garantia, trazendo mais segurança e celeridade ao instituto.

O texto aprovado também prevê a possibilidade da extensão da alienação fiduciária de um imóvel, que deverá ser contratada com o mesmo financiador e desde que seja pertencente ao Sistema Financeiro Nacional ou seja uma Empresa Simples de Crédito.

Em seguida, o texto traz uma modificação no Código Civil para a previsão da figura do agente de garantias, que já era utilizado em diversas operações de dívida com garantia, a reboque da prática internacional. O texto que será adicionado ao Código traz mais segurança às partes que desejarem designar um agente de garantias na estruturação de um financiamento, deixando claro que ele pode tomar e até executar as garantias atuando em nome próprio, mas em benefício dos credores. Outra importante contribuição foi a de prever que as garantias administradas por um agente nomeado pelos credores fazem parte de patrimônio separado.

O PL 4.188/21 prevê a excussão extrajudicial da alienação fiduciária de automóvel, autorizando o procedimento de busca e apreensão para esse tipo de garantia, melhorando em muito o cenário para excussão desse tipo de garantia.

Além disso, o texto aprovado institui a execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca, adotando um procedimento bastante similar ao da alienação fiduciária de imóvel, e facilita a execução da hipoteca quando o imóvel foi dado em garantia a mais de um credor. Isso acaba melhorando muito a posição do credor das hipotecas subsequentes à primeira.

A Lei de Registros Públicos, as regras atinentes à possibilidade de concessão de linha de crédito e outras leis relacionadas aos temas acima também são ajustadas para ficarem em linha com as alterações acima descritas.

Por fim, no que tange ao tema da concessão de crédito, o texto encaminhado à sanção presidencial estabelece a possibilidade de os tabeliões de protesto atuarem na negociação de créditos em benefício dos credores e devedores, quando devidamente autorizados.


– O texto prevê que tabelionatos poderão fazer a conciliação extrajudicial entre credores e devedores. Como essa possibilidade será executada e quais são os efeitos esperados?

Celso Contin e Bruno Ett Bícego: O (PL 4.188/21)permite ao tabelião de protestos, caso o credor assim requeira expressamente, atuar como negociador, previamente à apresentação de um protesto. Desse modo, o tabelião poderá apresentar proposta de solução negocial ao devedor, podendo utilizar inclusive mensagens instantâneas para tanto e até chamadas de voz no procedimento.

Vale observar que a proposta de solução negocial prévia que não obtenha êxito e sua posterior conversão em protesto serão considerados como um único ato para fins de cobrança de emolumentos do respectivo cartório, não gerando nesse ponto maior ônus financeiro.

O (PL 4.188/21) acrescenta ainda expressamente na Lei nº 8.935/94, a possibilidade de o tabelião de notas atuar como mediador, conciliador e árbitro. Todo esse conjunto de medidas visa fomentar a negociação extrajudicial via cartório.

A exemplo do que já acontece com o inventário, a partilha, a separação consensual e o divórcio consensual, que passaram a poder serem feitas em cartório, a partir de 2007, a medida deve trazer maior celeridade e efetividade ao acordo entre credor e devedor, reduzindo custos e aliviando o Judiciário.


– Ainda com relação à liquidação extrajudicial de garantias, ela se aplicará apenas aos veículos?

Celso Contin e Bruno Ett Bícego: Conforme relatado acima, será possível também a execução extrajudicial da hipoteca. O texto traz regras bastante claras e em linha com o que o mercado já pratica em relação a dívidas garantidas por alienação fiduciária de imóvel e deverá trazer maior celeridade e efetividade ao procedimento da excussão da garantia hipotecária.


– O secretário de reformas econômicas afirmou que “o problema do crédito com garantia no Brasil está resolvido”. Você concorda? 

Celso Contin e Bruno Ett Bícego: Não nos parece adequado aquiescer à firmação acima.

Interessante notar que, no texto supracitado, o secretário afirma também que “O principal componente do spread bancário hoje é a inadimplência”. Embora o texto aprovado traga avanços na efetividade da excussão de algumas das garantias mais utilizadas, nos últimos anos, a legislação relacionada à garantia ao crédito evoluiu bastante no país, sem que isso tenha sido refletido na redução do spread bancário.

Faltou ao Congresso Nacional considerar a questão da elevadíssima concentração bancária no Brasil como importante fator do irrazoável spread bancário praticado no país.

Nosso entendimento é o de que as Instituições Gestoras de Garantia (IGG), espinha dorsal do texto inicial do (PL 4.188/21), teriam o potencial de contribuir em muito para a concessão de crédito com garantia. São diversos os fatores, dentre eles: a redução dos custos para o registro das garantias; a possibilidade de um tomador ter uma gestão independente e profissional das garantias por ela concedidas, liberando a possibilidade da utilização de garantia excedente sem a intervenção do primeiro credor, possibilitando um aumento da disponibilização de crédito muito além das inovações trazidas no texto aprovado; a abertura do mercado de crédito com garantia para financiadores que não possuem operacional robusto para esse tipo de produto; a expansão do crédito através da conectividade das IGG às plataformas de open finance, e, através do sensível aumento de concorrência bancária, uma relevante redução no spread bancário, o que é a finalidade precípua da garantia real ao crédito.

O ambiente para a concessão de garantias no Brasil é demasiadamente intrincado, passando pelo nosso sistema de cartorário, descentralizado e que conta com mais de 5 mil cartórios distintos, pela concentração bancária desmedida, pela demora nas soluções dos casos no Judiciário, a necessidade de maior aprimoramento de leis, entre outros fatores. Há um longo caminho a ser percorrido até que o crédito com garantia seja amplo e acessível no país.

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