Após decisão do STF, empresas devem aumentar governança tributária

Quebra de sentenças judiciais definitivas demanda mais atenção

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As empresas devem redobrar a atenção sobre temas tributários que ainda não foram julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), aumentando a governança sobre decisões amparadas em decisões judiciais favoráveis em temas não enfrentados de forma ampla pela corte. Esse é um dos saldos deixados pela conclusão do julgamento que envolvia a quebra de sentenças judiciais definitivas em matéria tributária.

A avaliação é de Pedro Simão e Sávio Hubaide, sócio e associado do Freitas Ferraz Advogados. Como até mesmo empresas amparadas por decisões judiciais transitadas em julgado poderão ter de pagar impostos quando ocorre mudança de entendimento por parte da corte, será necessário para essas companhias redobrar os cuidados.

O esclarecimento final da questão veio com julgamento ocorrido no início de abril, quando o STF decidiu o que acontece com a cobrança de multa e de juros sobre impostos que contribuintes não recolheram porque estavam amparados por sentenças judiciais definitivas, que lhes davam o direito de não pagar os tributos.

A corte decidiu que não precisarão pagar multas os contribuintes que tinham decisões favoráveis transitadas em julgado e sem possibilidade de repetição de indébito. Já os demais contribuintes, que deixaram de recolher imposto sem amparo de decisão judicial, terão de pagar os impostos de forma retroativa e com multas. “Trata-se de decisão que ao menos protege aqueles contribuintes que agiram de boa-fé e confiaram nas decisões obtidas. Não há ato ilícito a ser punido por multas”, avaliam Simão e Hubaide. 

Entenda a quebra de sentenças judiciais definitivas (Temas 881 e 885)

O julgamento recente está relacionado à julgamento de fevereiro de 2023, quando o STF decidiu pela quebra das sentenças definitivas, ou seja, que mesmo decisões judiciais definitivas sobre pagamentos de tributos podem ser revertidas quando há mudança de jurisprudência (Temas 881 e 885).

O caso concreto se referia à cobrança da contribuição sobre o lucro líquido (CSLL), que foi considerada constitucional em decisão de 2007 pela corte. Alguns contribuintes tinham decisões favoráveis transitadas em julgado para não pagar a CSLL, e a discussão passou a ser se estes também precisariam voltar a pagar a contribuição ou não. Em 2023, o STF decidiu que sim: até mesmo quem tivesse obtido uma decisão favorável na Justiça, transitada em julgado (sobre as quais não cabe mais recurso), precisaria pagar a CSLL – e que mesmo o contribuinte que obteve uma decisão definitiva sobre questões tributárias precisa pagar determinado imposto, caso a jurisprudência mude.

Mas ainda faltava decidir o que aconteceria com relação a multas e juros que poderiam incidir sobre tributos não pagos, assim como a data a partir do qual esses impostos passariam a ser cobrados – o que foi julgado no início de abril.

Na entrevista abaixo, Simão e Hubaide abordam o julgamento e o seu impacto na governança tributária das empresas.


– O que o STF julgou recentemente sobre a quebra de sentenças definitivas e qual foi o desfecho do caso?  

Pedro Simão e Sávio Hubaide: O STF decidiu que os efeitos da coisa julgada de sentenças definitivas transitadas em julgado cessam caso a Corte, posteriormente, venha a julgar a questão em sentido contrário, em sede de controle concentrado.

Na prática, isso significa que, caso o contribuinte obtenha uma sentença definitiva que afaste a incidência de determinado tributo, seus efeitos serão interrompidos caso o STF julgue posteriormente que a cobrança é constitucional, em ação direta ou em outro caso julgado sob a sistemática da repercussão geral. Nessas hipóteses, o contribuinte deverá voltar a recolher os tributos a partir do julgamento do STF, independentemente de qualquer providência do Fisco, respeitadas a irretroatividade, e as anterioridades anual e nonagesimal, a depender do tributo.

No caso concreto apreciado, alguns contribuintes possuíam decisões favoráveis transitadas em julgado que afastavam a incidência da CSLL. Ocorre que, em 2007 o STF julgou constitucional a exigência da CSLL e, desde então, passou-se a discutir se aqueles contribuintes favorecidos por decisões judiciais deveriam retomar ou não os recolhimentos. Inicialmente, o STJ manifestou-se pela manutenção dos efeitos da coisa julgada, mas, agora, o STF decidiu pela cessação de seus efeitos temporais.

Ainda, a Corte afastou a modulação dos efeitos da decisão. Enquanto os contribuintes pleiteavam que os recolhimentos deveriam ser retomados somente a partir de 2023, quando foi julgado o tema, o STF estabeleceu como data o julgamento de 2007, que declarou a constitucionalidade da CSLL.


– A isenção de multa referente ao não recolhimento da CSLL será dada apenas para empresas que contavam com decisão judicial favorável anteriormente à mudança de entendimento por parte do STF? Demais contribuintes serão multados, retroativamente, pelo não recolhimento da CSLL?

Pedro Simão e Sávio Hubaide: As multas foram afastadas somente para aqueles contribuintes que possuem decisão favorável transitada em julgado e sem possibilidade de repetição de indébito. Isto é, se determinado contribuinte com decisão a seu favor tiver recolhido espontaneamente as multas, não poderá pedir a restituição desses valores.

Quanto aos demais contribuintes, que eventualmente deixaram de recolher a CSLL sem amparo em decisão judicial, serão cobrados de forma retroativa e com multas, respeitados os prazos decadenciais e prescricionais.

Trata-se de decisão que ao menos protege aqueles contribuintes que agiram de boa-fé e confiaram nas decisões obtidas. Não há ato ilícito a ser punido por multas. Apesar de não mencionado na sessão de julgamento, o afastamento das multas encontra respaldo também no artigo 100, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN). Se as multas são afastadas em caso de observância até de “práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas”, com ainda mais razão devem ser afastadas quando a conduta está amparada por decisão judicial transitada em julgado.


– Quais outros casos de quebra da coisa julgada ainda estão pendentes? O desfecho poderá ser similar?

Pedro Simão e Sávio Hubaide: Embora o caso concreto tenha analisado a situação específica da CSLL, os efeitos dessa decisão valerão para as demais hipóteses em que o STF julgar a constitucionalidade de tributos em controle concentrado.

Têm repercussão geral conhecida pela Corte e estão pendentes de julgamento discussões como a exclusão do ISSQN nas bases do PIS/Cofins, a exclusão do PIS/Cofins de suas próprias bases, a constitucionalidade da CIDE-remessas, a incidência de PIS/Cofins sobre locações, a modulação dos efeitos da incidência de contribuições previdenciárias sobre o terço de férias, entre outras.

Em todos esses casos, contribuintes que eventualmente possuam decisões transitadas em julgado que assegurem o não recolhimento deverão retomar os pagamentos caso o STF decida pela constitucionalidade das cobranças.


– Em sua avaliação, de que forma a decisão do STF afeta as empresas? Daqui para a frente, aumenta a importância de as empresas sempre provisionarem valores referentes a discussões tributárias?

Pedro Simão e Sávio Hubaide: A partir desse entendimento do STF, as empresas deverão redobrar a atenção quanto aos temas tributários pendentes de julgamento pela Corte e deverão aumentar sua governança quanto aos procedimentos e decisões tomadas ao amparo de decisões judiciais que lhes tenham sido favoráveis em temas não enfrentados de forma ampla pelo STF, por exemplo, que não tenham sido julgados sob a sistemática dos recursos repetitivos. Como visto, decisões judiciais individuais transitadas em julgado não produzirão mais efeitos caso a Suprema Corte declare a constitucionalidade das cobranças até então afastadas.

De toda forma, a decisão sobre o provisionamento ou não deverá ser tomada em cada caso individualmente, demandando uma avalição casuística que também será impactada pelos marcos temporais relativos a cada caso.

Em outros casos, na hipótese de um novo entendimento do STF, as cobranças deverão ser retomadas somente da decisão em diante, respeitadas as limitações constitucionais ao poder de tributar, conforme fixado na tese dos temas 881 e 885 de repercussão geral.

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