Decisão do STJ pode abalar saúde financeira de empresas

Corte analisará novamente a liquidação antecipada de seguro garantia

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Um novo julgamento envolvendo a liquidação antecipada de seguro garantia e fiança bancária, por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ), está trazendo preocupação para as empresas e tem potencial para trazer vultosos desembolsos, caso os contribuintes percam. A jurisprudência sobre o assunto tem oscilado – ora em prol do contribuinte, ora em prol das fazendas públicas.

No julgamento em questão (AREsp nº 2.310.912/MG), os ministros vão decidir se antes do término do processo (trânsito em julgado) a fazenda pública pode executar o seguro garantia oferecido pelo contribuinte (valor oferecido como garantia de que ele poderá saldar a dívida, caso perca e seja obrigado a pagar os tributos questionados). Se a execução antecipada for possível, o contribuinte terá que efetuar um depósito judicial da quantia assegurada. “Para além da superficial discussão acerca da mera possibilidade de se admitir a execução antecipada da garantia, desde que o levantamento do depósito garantidor se condicione ao trânsito em julgado da ação de conhecimento, espera-se que o STJ enfrente esse tema a partir de toda a complexidade envolvida”, afirmam Bruna Luppi e Raphael Castro, sócia e associado do Vieira Rezende Advogados.

Para os advogados, essa complexidade envolve a avaliação do impacto econômico da decisão – já que o contribuinte terá que efetuar o desembolso, mesmo que o julgamento de sua dívida ainda não tenha terminado e que esta tenha sido integralmente garantida por seguro garantia ou fiança bancária. Luppi e Castro esperam que o Judiciário tenha clareza da repercussão do caso na economia nacional, uma vez que seria inviável para os contribuintes, especialmente as grandes empresas, desembolsarem a integralidade das execuções fiscais ajuizadas contra eles sem sofrerem abalos na saúde financeira.

Dada essa situação e a recorrência do assunto, os advogados consideram que o tema deveria ser submetido à sistemática de recursos repetitivos (com validade para todos os casos semelhantes). O STJ ainda deverá definir em breve sobre a sistemática.

“De tudo isso, é uma pena que, em pleno ano de 2023, novamente seja necessário discutir a necessidade de garantir execuções fiscais mediante depósito judicial, após a legislação tributária brasileira evoluir para superar o depósito e, inicialmente, admitir fiança bancária e, na sequência, pelo próprio princípio da menor onerosidade, reconhecer a validade do seguro garantia”, afirmam. 

Lei do Carf

A liquidação antecipada das garantias seria proibida, de acordo com a Lei 14.689/23 (que reintroduziu o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf), mas isso foi vetado pelo presidente da República. A lei editada permite a liquidação antecipada das garantias apresentadas pelos contribuintes cujos processos não foram julgados pelo voto de qualidade do Carf. Luppi e Castro consideram que o veto não deve influir no mérito da decisão que será proferida no AREsp nº 2.310.912/MG, mas reforçam que a discussão deveria ser enfrentada em toda a sua complexidade. O julgamento, por parte da 1ª Turma do STJ, já começou, mas foi interrompido por pedido de vista do ministro Gurgel de Faria.

Na entrevista abaixo, os advogados explicam como a jurisprudência sobre o assunto vem oscilando e abordam a importância da decisão.


– Historicamente, como o STJ vem encarando a questão da liquidação antecipada do seguro garantia?

Bruna Luppi e Raphael Castro: De início, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobretudo no âmbito da 1ª Turma, era amplamente favorável à tese defendida pelos contribuintes, ao reconhecer a necessidade de condicionar a execução da caução (fiança bancária ou seguro garantia) oferecida na execução fiscal, ao trânsito em julgado dos correspondentes embargos à execução fiscal, como se extrai do acórdão prolatado no Recurso Especial nº 1.033.545/RJ, julgado pela 1ª Turma em 2009, de relatoria do ministro Luiz Fux.

Naquela ocasião, o voto proferido pelo ministro Luiz Fux foi preciso ao consignar que: “a equiparação dos institutos – depósito judicial e fiança bancária – pelo legislador e pela própria jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça impõe tratamento semelhante, o que vale dizer que a execução da fiança bancária oferecida como garantia da execução fiscal também fica condicionada ao trânsito em julgado da ação satisfativa”.

Não obstante, mais recentemente, as Fazendas Públicas, sobretudo a União Federal, têm instado novamente o Judiciário a se pronunciar acerca dessa controvérsia. Como resultado, as recentes decisões prolatadas pelo STJ vão em sentido diverso daquele consignado no REsp nº 1.033.545/RJ, ao indicarem a ausência de óbice à execução antecipada da garantia apresentada, desde que se condicione o levantamento do depósito garantidor ao trânsito em julgado da correspondente ação de conhecimento.

Ou seja, na hipótese em que houver a prolação de sentença de improcedência nos embargos à execução e o recurso interposto pelo contribuinte não obtiver efeito suspensivo, prevaleceria o entendimento de que a eficácia imediata da sentença de improcedência autorizaria a execução da garantia oferecida.

Esse cenário oscilante da jurisprudência do STJ e a infinidade de demandas que envolvem tal discussão justificaram a urgente submissão deste tema à sistemática de recursos repetitivos.


– O que a corte irá julgar com relação ao tema, no AREsp 2.310.912/MG?

Bruna Luppi e Raphael Castro: O AREsp nº 2.310.912/MG trata, justamente, da possibilidade de se admitir a liquidação antecipada do seguro garantia, mediante depósito judicial da quantia assegurada, antes do trânsito em julgado da correspondente ação de conhecimento, ainda que haja a ressalva de que o levantamento do valor depositado se condiciona ao julgamento definitivo da ação, conforme disposto no artigo 32, § 2º, da Lei nº 6.830/1980.

Para além da superficial discussão acerca da mera possibilidade de se admitir a execução antecipada da garantia, desde que o levantamento do depósito garantidor se condicione ao trânsito em julgado da ação de conhecimento, espera-se que o STJ enfrente esse tema a partir de toda a complexidade envolvida.

Isso significa, necessariamente, julgar essa matéria também sob a ótica da repercussão econômica que causará a incontáveis contribuintes, os quais, diante de uma preliminar sentença de improcedência, se verão coibidos a realizar o prematuro desembolso da integralidade dos valores executados, ainda que regularmente e integralmente garantidos por seguro garantia ou fiança bancária.

Essa realidade, por certo, afronta o princípio da menor onerosidade a partir de dois prismas. De um lado, com a liquidação antecipada, o ônus suportado pelo contribuinte é maior do que o bônus da entidade tributante; e, por outro, viola o comando contido no artigo 805 do Código de Processo Civil, que se aplica subsidiariamente à legislação tributária, segundo o qual “quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”.

Nesse sentido, a preocupação antecipada pelo ministro Gurgel de Faria durante o julgamento do AREsp nº 2.310.912/MG, no sentido de que “o débito está devidamente garantido, o seguro é feito por instituição bancária sólida e não é barato. As empresas estão passando por momentos difíceis”, é uma importante sinalização quanto à compreensão dos ministros sobre a repercussão deste tema para os contribuintes.


– A liquidação antecipada das garantias seria proibida, de acordo com a Lei nº 14.689/23, mas isso foi vetado e a lei editada permite a liquidação antecipada das garantias apresentadas pelos contribuintes cujos processos não foram julgados pelo voto de qualidade do Carf. Isso pode pesar na decisão do STJ?

Bruna Luppi e Raphael Castro: Em relação às garantias apresentadas nas execuções fiscais pelos contribuintes, o PL 2.384/23 trazia uma importante inovação: a expressa impossibilidade de liquidação antecipada da garantia pela Fazenda Pública. Ou seja, um impedimento legal de que a caução oferecida pelo contribuinte por meio de fiança bancária ou seguro garantia fosse executada antes do trânsito em julgado de decisão favorável ao Fisco.

Não obstante, referido dispositivo foi vetado pela Presidência, sob a singela alegação de que essa alteração “fragilizaria o processo de cobrança, indo de encontro à jurisprudência nacional”. Com o veto do referido dispositivo, isso não quer dizer que a lei editada passa a permitir a liquidação antecipada da garantia, mas apenas que remanesce então a pretensão da Fazenda Pública de promover tal liquidação antecipada e, portanto, a relevância da urgente definição do tema pelo STJ.

Diante da econômica justificativa adotada pela Presidência, a nosso ver, esse veto não deveria influenciar no julgamento da tese sobre a execução antecipada da garantia pelo STJ.

Isso porque, ao contrário do que afirmou a Presidência, ao registrar que “a impossibilidade de execução imediata dessas espécies de garantia fragilizaria o processo de cobrança”, o dispositivo vetado não traria qualquer dano ao erário, mas, somente, traria maior segurança aos contribuintes, de que não seriam compelidos a realizar desembolsos para garantir, mediante depósito judicial, executivos fiscais já assegurados por fiança bancária e seguro garantia, e isso antes mesmo que o Judiciário se pronuncie, de forma definitiva, sobre a procedência da cobrança.

De igual modo, se mostra equivocada a afirmação, pela Presidência, de que o dispositivo vetado iria “de encontro à jurisprudência nacional”. Afinal, como reconhecido pelo próprio STJ, a execução antecipada da garantia é matéria controvertida na jurisprudência, eis que existem julgados favoráveis à tese defendida pelos contribuintes.

Assim, ao mesmo tempo que esse veto não deve influir no mérito da decisão que será proferida no AREsp nº 2.310.912/MG, ele reforça a pertinência de que essa discussão seja enfrentada em toda a sua complexidade pelo STJ.


– Dada essa polêmica envolvendo a liquidação antecipada do seguro garantia, o que se recomenda aos contribuintes? Quando valem a pena eles recorrerem a esse instrumento? 

Bruna Luppi e Raphael Castro: Mesmo que se trate de matéria controvertida e com jurisprudência oscilante – sendo as recentes decisões do STJ contrárias à tese defendida pelos contribuintes –, ainda vislumbramos na contratação de fiança bancária e seguro garantia a forma mais eficiente de garantir execuções fiscais, diante do expressivo e imediato dano que representaria para a contabilidade de muitas empresas viabilizar o imediato desembolso da integralidade dos valores executados para fazer frente a um depósito judicial, sobretudo em casos que envolvam expressivos valores.

Ainda mais porque a possibilidade de se admitir a execução prematura da garantia se condiciona à materialização de duas hipóteses: que sejam julgados improcedentes os embargos à execução fiscal e que seja indeferido o pedido de atribuição de efeitos suspensivos ao recurso interposto pela parte. Nesse contexto, caso prevaleça no âmbito do STJ tese favorável à Fazenda Pública, espera-se dos Tribunais Estaduais e Regionais Federais maior zelo e preocupação quando da averiguação dos requisitos necessários à concessão de efeito suspensivo aos recursos de apelação, diante da grave repercussão econômica que ensejará o eventual indeferimento da tutela recursal pleiteada pelos contribuintes.

De igual modo, espera-se que o Judiciário tenha bastante clareza acerca da repercussão que a decisão prolatada no AREsp nº 2.310.912/MG gerará para a economia nacional, diante da evidente impossibilidade de se imaginar como viável que os contribuintes – sobretudo as maiores empresas – sejam capazes de desembolsar a integralidade das execuções fiscais ajuizadas contra si, sem que isso represente danos irreparáveis à sua saúde financeira.

De tudo isso, é uma pena que, em pleno ano de 2023, novamente seja necessário discutir a necessidade de garantir execuções fiscais mediante depósito judicial, após a legislação tributária brasileira evoluir para superar o depósito e, inicialmente, admitir fiança bancária e, na sequência, pelo próprio princípio da menor onerosidade, reconhecer a validade do seguro garantia.


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