Decisão do STJ aumenta custos de defesa dos contribuintes

Execução antecipada de seguro garantia traz necessidade de depósito judicial da dívida

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Uma decisão recente da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tende a aumentar os custos para os contribuintes se defenderem de cobranças fiscais. A corte decidiu que as fazendas públicas podem executar antecipadamente seguros garantia quando o contribuinte perder na fase de embargos à execução fiscal e sua apelação não obtiver efeito suspensivo. Na prática, isso significa que antes do término do processo (trânsito em julgado) o contribuinte ou a seguradora poderá precisar efetuar depósito judicial do valor atualizado da dívida.

Quando as fazendas públicas cobram dos contribuintes dívidas fiscais, eles podem apresentar embargos à execução fiscal para se defenderem das cobranças. Só que, para tanto, precisam garantir que terão como saldar a dívida caso percam, e essa garantia pode ser tanto um depósito judicial, uma carta de fiança bancária, bens à penhora ou um seguro garantia (uma apólice de seguro que garante o pagamento da execução fiscal, se o contribuinte perder na fase de embargos à execução fiscal).

Sávio Hubaide e Pedro Simão, associado e sócio do Freitas Ferraz Advogados, explicam que o seguro é uma alternativa para não comprometer de forma exagerada o capital de giro dos contribuintes até o encerramento do processo judicial: “Trata-se de medida em linha com o princípio da menor onerosidade das execuções.”

Frederico Bakkum, associado do Vieira Rezende Advogados, afirma que, apesar de a legislação equiparar o depósito judicial, o seguro garantia e a carta de finança para fins de garantia de execuções fiscais, na prática as fazendas públicas têm um interesse maior na realização do depósito judicial porque podem se valer do dinheiro depositado em juízo antes mesmo do fim do processo de execução. “É por isso que as fazendas públicas advogam teses que visam à liquidação antecipada das garantias, em total afronta ao princípio da menor onerosidade, segundo o qual se deve prestigiar a forma de garantia que seja menos gravosa para a parte executada, bem como contrariando a própria equiparação dessas formas de garantia, conferida pela legislação federal.”

Ou seja, as garantias oferecidas aparentemente não possuem o mesmo valor, como deveria ser. “Tendo em vista que tanto bens penhorados quanto o depósito em dinheiro somente poderão ser convertidos para a Fazenda após o trânsito em julgado, o mesmo raciocínio deveria prevalecer também para carta de fiança e seguro garantia”, consideram Simão e Hubaide.

Na decisão da 2ª Turma do STJ, reconheceu-se a possibilidade de liquidação do seguro garantia antes do trânsito em julgado dos embargos à execução fiscal. A matéria é decidida de forma heterogênea dos tribunais estaduais e federal, e Bakkum considera que há uma tendência de que eles sigam o precedente da decisão da 2ª Turma no REsp 1.996.660, de modo desfavorável aos contribuintes, mesmo que não seja uma decisão vinculante.

Simão e Hubaide, do Freitas Ferraz, lembram que, embora a decisão não seja vinculante, caso prevaleça o entendimento pela liquidação antecipada das garantias, contribuintes com execuções fiscais garantidas por meio de carta de fiança ou seguro garantia e que tenham sentenças desfavoráveis poderão estar sujeitos a efetuar o depósito integral dos valores discutidos nos autos. “Caberá aos contribuintes pleitear a concessão de efeito suspensivo às apelações e acompanhar muito de perto a evolução de cada caso.”

Além disso, a conta do contribuinte pode aumentar porque, se for reconhecida a ocorrência de sinistro e exigido o depósito pelas seguradoras, os contribuintes estarão sujeitos à eventual execução e penalidades contratuais pelas próprias seguradoras. Bakkum, do Vieira Rezende, lembra que, além dos custos suportados com a contratação das garantias, os contribuintes ainda arcarão com o custo do depósito judicial integral. “Portanto, os contribuintes devem ficar atentos a essa possibilidade, inclusive para que possam avaliar os riscos/custos envolvidos na contratação de seguro-garantia e carta de fiança”. Ele considera que os contribuintes devem manter suas defesas, no sentido de ser ilegítima a execução antecipada das garantias.

Na entrevista abaixo, Bakkum, Hubaide e Simão explicam de que forma a decisão do STJ impacta os contribuintes.


– O que o STJ julgou recentemente com relação à liquidação do seguro garantia antes do término dos processos, no REsp 1996660?

Frederico Bakkum: O STJ analisou a possibilidade de execução antecipada de seguro-garantia, quando o contribuinte tem uma sentença desfavorável em sede de embargos à execução fiscal e não consegue a atribuição de efeito suspensivo ao seu recurso de apelação.

Via de regra, os recursos de apelação possuem dois efeitos: o efeito devolutivo, que delimita a matéria a ser analisada pelo tribunal em sede de recurso; e o efeito suspensivo, que consiste na suspensão dos efeitos da decisão recorrida, até a análise do recurso pelo tribunal. Ocorre que, em sede de embargos à execução fiscal, a legislação não prevê a atribuição de efeito suspensivo de forma automática. Esse efeito pode ser concedido pelo tribunal, desde que atendidos determinados requisitos, mas não é algo automático, inerente à interposição do recurso.

Diante disso, as fazendas públicas defendem que, se não for atribuído efeito suspensivo à sentença que julga improcedentes os embargos à execução, os seguros-garantia/cartas de fiança apresentados para fins de garantir a execução fiscal podem ser, desde logo, executados, de modo que sejam convertidos em depósito judicial do valor integral do débito que está sendo executado.

Sávio Hubaide e Pedro Simão: O STJ determinou a intimação do contribuinte ou, subsidiariamente, das seguradoras que emitiram os seguros garantias existentes nos autos, para depositarem o valor atualizado dos débitos, ao menos com a ressalva de que o levantamento desse depósito deveria aguardar o trânsito em julgado dos embargos.

Cabe lembrar que se tratava, na origem, de Execução Fiscal garantida mediante o oferecimento de seguro garantia, e suspensa com a apresentação de Embargos à Execução Fiscal, os quais foram julgados improcedentes pela primeira instância, mas com Apelação pendente de julgamento pela segunda instância.

A Fazenda Nacional pleiteou o reconhecimento da ocorrência de sinistro do seguro garantia, e a intimação das seguradoras para depositarem judicialmente o valor atualizado do débito em discussão.

Após ser negado o pedido da Fazenda Nacional em primeira e segunda instâncias, a questão foi submetida à Segunda Turma do STJ, que deu provimento ao Recurso Especial fazendário para reconhecer a possibilidade de liquidação do seguro garantia antes do trânsito em julgado dos Embargos à Execução Fiscal.


– No que consistem os embargos à execução fiscal e por que 2ª Turma entendeu que a garantia por meio do seguro garantia pode ser utilizada nessa fase, antes do trânsito em julgado? A decisão da 2ª Turma significa uma mudança no entendimento da questão?

Frederico Bakkum: Os embargos à execução fiscal são a forma de defesa usual dos contribuintes, contra execuções fiscais. Por meio dos embargos à execução, que somente podem ser ofertados após a garantia do crédito tributário, os contribuintes levam a juízo as suas matérias de defesa, requerimentos de prova etc., visando evidenciar a improcedência da execução ajuizada pela fazenda pública.

Uma das formas de garantir a execução fiscal, e viabilizar o oferecimento de embargos à execução fiscal, é a apresentação de seguro-garantia, que nada mais é do que uma apólice de seguro que tem como escopo garantir o pagamento da execução fiscal, caso o contribuinte reste perdedor nos embargos à execução fiscal.

A 2ª Turma do STJ decidiu que a fazenda pública pode postular pela execução imediata do seguro-garantia, caso seja prolatada sentença desfavorável ao contribuinte e não seja atribuído efeito suspensivo ao recurso de apelação.

Antes dessa decisão colegiada da 2ª Turma, o que se via eram muitas decisões monocráticas, geralmente inadmitindo recursos especiais interpostos para questionar a matéria, contra decisões de tribunais estaduais e federais que negavam ou deferiam o pedido de execução antecipada. Na prática, a inadmissão implicava na manutenção das decisões dos tribunais, muitas vezes favoráveis aos contribuintes.

No âmbito dos tribunais estaduais e federal, a matéria é decidida de forma bastante heterogênea, ora de forma favorável aos contribuintes, ora desfavorável. Com o que restou decidido pela 2ª Turma no REsp 1.996.660, podemos dizer que há uma tendência para que os tribunais sigam esse precedente, de modo desfavorável aos contribuintes, mesmo que não seja uma decisão vinculante.

Sávio Hubaide e Pedro Simão: Os Embargos à Execução Fiscal consistem numa ação judicial que visa a combater cobranças realizadas por meio de Execuções Fiscais. Eles somente podem ser apresentados após o oferecimento de garantia dos débitos. Conforme o artigo 9º da Lei nº 6.830/80, as garantias seriam: o depósito em dinheiro, o oferecimento de fiança bancária, de seguro garantia ou de bens à penhora.

O oferecimento do seguro garantia foi incluído como alternativa pela Lei nº 13.043/14, para não comprometer de forma exagerada o capital de giro dos contribuintes, até o encerramento do processo judicial. Trata-se de medida em linha com o princípio da menor onerosidade das execuções.

A recente decisão da 2ª Turma não é a primeira do STJ que admite a liquidação antecipada do seguro garantia, havendo decisões anteriores nesse sentido, que consideram que o artigo 1.012, §1º, II, do CPC, apenas atribui efeito devolutivo às apelações contra sentença que julgam improcedentes os Embargos, permitindo a liquidação. No entanto, pela especialidade, deveriam prevalecer os dispositivos da Lei nº 6.830/80, que impõem a ocorrência do trânsito em julgado.


– Com relação ao uso do seguro garantia e da carta de fiança, a decisão de que pode haver liquidação antes da conclusão do julgamento final, ao contrário do que ocorre com o depósito em dinheiro, pode sinalizar que esses tipos de garantias “valem menos” do que o depósito em dinheiro?

Frederico Bakkum: Apesar de a legislação equiparar o depósito judicial, o seguro-garantia e a carta de finança, para fins de garantia de execuções fiscais, na prática as fazendas públicas têm um interesse maior na realização do depósito judicial.

Isso se deve ao fato de, em alguns casos, as fazendas públicas poderem se valer do dinheiro depositado em juízo antes mesmo do fim do processo de execução, como é o caso da União Federal. Os depósitos judiciais federais vão para uma conta do Tesouro Nacional e podem ser imediatamente utilizados pela União, mesmo antes da análise de qualquer defesa, com a condição de serem devolvidos em até 48 horas, caso o contribuinte reste vencedor na execução fiscal.

É por isso que as fazendas públicas advogam teses que visam à liquidação antecipada das garantias, em total afronta ao princípio da menor onerosidade, segundo o qual se deve prestigiar a forma de garantia que seja menos gravosa para a parte executada, bem como contrariando a própria equiparação dessas formas de garantia, conferida pela legislação federal.

Nesse contexto, seguro-garantia e carta de fiança “valem menos” para as fazendas públicas. Por outro lado, em muitos casos, são os únicos instrumentos aptos a viabilizar o exercício do direito de defesa dos contribuintes, pois possibilitam o oferecimento de embargos à execução fiscal a um custo inferior.

Sávio Hubaide e Pedro Simão: As decisões do STJ que admitem a liquidação antecipada das garantias tendem a postergar o levantamento dos valores depositados para após o trânsito em julgado, em linha com a previsão contida no artigo 32, §2º, da Lei nº 6.830/80.

No entanto, elas deixam de observar o contido no artigo 9º, §3º da mesma lei, dispositivo que prevê que o depósito em dinheiro, assim como a fiança bancária e o seguro garantia, produzem os mesmos efeitos da penhora. Tendo em vista que tanto bens penhorados quanto o depósito em dinheiro somente poderão ser convertidos para a Fazenda após o trânsito em julgado, o mesmo raciocínio deveria prevalecer também para carta de fiança e seguro garantia.

Se admitida a liquidação antecipada, carta de fiança e seguro garantia servirão para garantir o débito somente enquanto o processo tramita em primeira instância, sendo que, a partir da sentença, seria admitido tão somente o depósito em dinheiro. Esse entendimento torna praticamente sem efeitos o artigo 9º, inciso II, da Lei nº 6.830/80 e deixa de observar o artigo 805 do CPC, segundo o qual a execução sempre deverá se dar pelo meio menos gravoso ao executado.

Além de ferir o princípio da menor onerosidade, a liquidação antecipada também se mostra desproporcional, sobretudo pelo pilar da necessidade, segundo o qual se deve buscar a medida menos restritiva dentre as possíveis.


– Para os contribuintes, quais são as consequências da decisão?

Frederico Bakkum: Com a decisão, ficou reforçada a possibilidade de execução antecipada das garantias, o que pode levar diversos contribuintes a ter que antecipar a realização de depósitos judiciais integrais. Nesses casos, além dos custos suportados com a contratação das garantias, os contribuintes ainda arcarão com o custo do depósito judicial integral. Portanto, os contribuintes devem ficar atentos a essa possibilidade, inclusive para que possam avaliar os riscos/custos envolvidos na contratação de seguro-garantia e carta de fiança.

Cabe reforçar, no entanto, que a decisão é apenas um precedente, que não possui caráter vinculante, de modo que a tese ainda pode passar por ajustes pelo próprio STJ e ser interpretada de forma divergente pelos tribunais estaduais e federais. Assim, os contribuintes devem manter suas defesas, no sentido de ser ilegítima a execução antecipada das garantias.

Sávio Hubaide e Pedro Simão: A recente decisão da 2ª Turma não é vinculante, e produzirá efeitos somente no caso concreto examinado.

No entanto, caso prevaleça o entendimento pela liquidação antecipada das garantias, contribuintes com Execuções Fiscais garantidas por meio de carta de fiança ou seguro garantia, e que tenham sentenças desfavoráveis, poderão estar sujeitos a decisões que determinem a realização do depósito integral dos valores discutidos nos autos. Caberá aos contribuintes pleitear a concessão de efeito suspensivo às apelações e acompanhar muito de perto a evolução de cada caso.

Ainda, se for reconhecida a ocorrência de sinistro e exigido o depósito pelas seguradoras, os contribuintes estarão sujeitos à eventual execução e penalidades contratuais pelas próprias seguradoras.

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