Tributação de offshores e fundos fechados: é hora de estudar alternativas

Apesar de o PL 4.173/23 ainda poder ser alterado pelo Senado, movimentação política para sua aprovação requer atenção dos investidores

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Em tramitação no Senado Federal, o projeto de lei que propõe tributar anualmente as offshores e semestralmente os fundos fechados (os fundos dos “super ricos”) ainda pode ser alterado. Mas especialistas consideram que a hora é propícia para que os investidores analisem as possíveis alternativas de tributação e façam uma análise patrimonial para decidir sobre mudanças nas suas aplicações.

“Embora o texto não seja definitivo, entendemos já ser possível (e prudente) que os contribuintes detentores de ativos no exterior ou de fundos fechados analisem os cenários aplicáveis à sua situação e pensem em alternativas de planejamento patrimonial para realocação de ativos, caso necessário. Esse tipo de estudo é interessante também para que os contribuintes possam eventualmente tomar a decisão entre a tributação antecipada, com alíquota de 8%, ou a tributação a partir de 2024, com alíquota de 15% — mesmo que as alíquotas em si ainda sejam passíveis de alteração”, afirmam Thiago Braichi e Marina Guimarães, sócio e associada do Freitas Ferraz Advogados.

Gyedre Carneiro de Oliveira, Luiz Ernesto Oliveira e Pedro Miranda Roquim, sócia e parceiros do Carneiro de Oliveira Advogados, também recomendam que os investidores façam análises porque a intenção do governo é sancionar o PL até o fim de 2023, para que produza efeitos a partir do ano que vem. “É altamente recomendável que o investidor analise suas posições de investimento antecipando o impacto tributário caso a nova legislação seja aprovada. Isso porque as estruturas de investimentos podem ficar mais caras do ponto de vista financeiro, mas ainda podem fazer sentido para fins de planejamento patrimonial e/ou sucessório”, avaliam.

O PL 4.173/23 foi aprovado na Câmara dos Deputados em 25 de outubro. Ele estende para os fundos fechados a sistemática do come-cotas, que é o recolhimento semestral do Imposto de Renda que incide sobre os rendimentos obtidos pelos fundos de investimento abertos (as alíquotas serão de 15% ou 20%). Além disso, ele prevê que todos os rendimentos do passado serão também tributados (a chamada tributação do estoque), à uma alíquota de 8%, caso o investidor opte ainda este ano por essa possibilidade. O IR calculado sobre os rendimentos acumulados até novembro/2023 poderá ser pago em quatro parcelas mensais e consecutivas, com vencimentos a partir dezembro/2023. Os rendimentos de dezembro também entram na alíquota de 8%, mas para pagamento em maio/2024. Caso o investidor espere para pagar o estoque no ano que vem, a alíquota será de 15% e o parcelamento, de 24 vezes. 

Tributação de offshores

As condições são semelhantes para os lucros obtidos pelas offshores. Mesmo que não sejam distribuídos para seus sócios, os rendimentos serão tributados anualmente à alíquota de 15%, conforme o texto do PL 4.173/23 aprovado na Câmara, caso estejam em Jurisdição de Tributação Favorecida ou Regime Fiscal Privilegiado, e/ou apurem renda ativa própria inferior a 60% de sua renda total. E também haverá tributação do estoque de rendimentos à alíquota de 8%. Para tanto, a pessoa física pode atualizar o valor dos bens e direitos que possui no exterior, que constam da sua Declaração de Ajuste Anual, para o valor de mercado em 31/12/2023. A alíquota de 8% seria cobrada sobre a diferença entre este valor atualizado e o custo de aquisição dos bens e direitos.

Além da questão referente ao planejamento patrimonial (e o estudo sobre se vale a pena manter um fundo exclusivo, por exemplo), outro ponto que pode merecer acompanhamento e estudo por parte dos investidores é um possível questionamento na Justiça sobre a tributação do estoque. A base de cálculo para aplicação da alíquota de 8% são os rendimentos apurados pro rata tempore até dia 31/12/2023, antes da vigência da própria Lei.

“Nesse ponto, os efeitos do PL 4.173/23 seriam retroativos, pois ao apurar os valores no início de 2024, a referência ainda seria o montante do ano anterior, quando ainda não havia previsão legal de tributação do estoque. Dessa forma, poderia ser questionado legalmente a violação ao Princípio da Irretroatividade, o qual proíbe que os entes cobrem tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da Lei que os instituiu. No entanto, não é possível afirmar se a questão resultará em aumento no contencioso tributário, pois o PL ainda pode sofrer alterações”, afirmam Braichi e Guimarães.

Por sua vez, Carneiro de Oliveira, Roquim e Oliveira consideram que os questionamentos na Justiça vão depender muito da característica de cada fundo, do seu histórico de rentabilidade, amortizações e resgates: “A análise desses números pode indicar alguma possível reorganização na forma de investir que desestimule o investidor ir ao Judiciário. Por outro lado, no caso, por exemplo, de fundos mais antigos e com pouco histórico de amortizações e/ou resgates, o cenário é outro e os valores em “estoque” podem incentivar uma discussão judicial.”

Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz e a sócia e os parceiros do Carneiro de Oliveira abordam pontos do PL 4.173/23.


– Com relação à tributação de rendimentos de fundos fechados e de offshores, quais foram os principais pontos trazidos pelo PL 4.173/23, aprovado na Câmara?

Thiago Braichi e Marina Guimarães: As alterações trazidas pelo PL 4.173/23, conforme aprovado pela Câmara, podem ser divididas entre investimentos no Brasil e no exterior. Embora o texto ainda possa ser alterado pelo Senado, há perspectivas relevantes presentes na Subemenda Substitutiva Global ao Projeto de Lei.

Analisando as alterações para investimento no Brasil, os fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado passarão a estar sujeitos à tributação pelo Imposto de Renda (IR) na sistemática do “come-cotas” semestral, nos meses de maio e novembro, às alíquotas de 15% ou 20% (artigo 17, §8º).

Em uma tentativa de mitigar o impacto dessa nova tributação, caso seja a opção do contribuinte, o IR calculado sobre os rendimentos acumulados até novembro/2023 (o chamado “estoque”) poderá ser recolhido à alíquota de 8%, em quatro parcelas mensais e consecutivas, com vencimentos a partir dezembro/2023. Os valores apurados no mês de dezembro seriam tributados também à essa alíquota, mas com pagamento em maio/2024 (artigos 27 e 28).

Quanto aos investimentos no exterior, os rendimentos auferidos por pessoa física serão tributados à alíquota de 15% no ajuste anual (artigo 2º, §1º). Seguindo a mesma linha da tributação do estoque de fundos fechados, a pessoa física residente no Brasil poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na sua Declaração de Ajuste Anual, para o valor de mercado em 31/12/2023 e tributar a diferença para o custo de aquisição, pelo IRPF, à alíquota definitiva de 8% (artigo 14).

Além disso, os lucros apurados pelas entidades controladas no exterior (offshores) por pessoa físicas residentes no Brasil serão tributados à alíquota de 15% – independentemente de qualquer distribuição, caso estejam em Jurisdição de Tributação Favorecida ou Regime Fiscal Privilegiado, e/ou apurem renda ativa própria inferior a 60% de sua renda total.

Como alternativa, a pessoa física pode optar por declarar bens, direitos e obrigações detidos pela entidade controlada como se fossem detidos diretamente por si. No entanto, essa decisão será irrevogável, e deve ser exercida por todos os sócios.

Por fim, pontuamos que os fundos fechados e as offshores não serão os únicos institutos afetados por eventual sanção do PL 4.173/23 enquanto lei. Diversos outros tipos de fundo de investimento também tiveram regras alteradas, e o contribuinte deve ser atentar às suas novas especificidades.

Gyedre Carneiro de Oliveira, Luiz Ernesto A. Oliveira e Pedro Miranda Roquim: O principal ponto comum no texto aprovado foi a alíquota dos 8% para a tributação do “estoque”, um meio termo entre os 10% e 6% antes em discussão.

Além disso, a alíquota incidente sobre os lucros das offshores foi fixada em 15% (antes, vigorava a tabela progressiva de 0 a 22,5%) com inserção de um importante ponto sobre os critérios para elaboração dos balanços das controladas, essencial para dedução dos lucros destas entidades no cálculo dos 15%.

Com relação aos fundos, em especial aos de recebíveis (FIDCs), o texto aprovado na Câmara excluiu do come-cotas tanto os abertos como fechados, desde que e seja caracterizado como entidade de investimento e que 67% da sua carteira seja composta por direitos creditórios.


– Qual é a sua avaliação sobre as mudanças incorporadas de última hora no PL 4.173/23?

Thiago Braichi e Marina Guimarães: O PL 4.173/23 teve 27 Propostas de Emendas, das quais 7 foram parcialmente acolhidas ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados. Por exemplo, a Proposta de Emenda nº 3 alterava para 200 o limite mínimo de cotistas necessários para que o FII e o Fiagro façam jus à isenção do IR. No entanto, o texto aprovado definiu que esse limite mínimo seria de 100 participantes, conforme acordo com a bancada ruralista.

Além disso, a Emenda nº 5 previa que o come-cotas não se aplicaria aos rendimentos de aplicações em fundos de investimento no Brasil quando apurados por investidores residentes ou domiciliados no exterior. Seguindo esse raciocínio, o artigo 34, §2º afastou a incidência de tributação periódica a esses contribuintes, fixando a alíquota de 15% quando ocorrer rendimentos, amortização ou resgate de cotas (ou de 10%, nos casos de Fundos de Investimento em Ações).

Nesse sentido, entendemos que as últimas mudanças incorporadas ao PL 4.173/23 partiram das Propostas de Emendas, e foram consideradas necessárias para viabilizar a aprovação do texto na Câmara dos Deputados. Dessa forma, seu resultado foi a aproximação das demandas do Governo Federal às demandas dos contribuintes.

Gyedre Carneiro de Oliveira, Luiz Ernesto A. Oliveira e Pedro Miranda Roquim: A mudança de alíquota é fruto de negociação e faz parte do processo legislativo, mas as inserções relativas aos critérios contábeis para os balanços das sociedades controladas pelas offshores e a exclusão do come-cotas para os determinados FIDCs são muito bem-vindas porque trazem critérios técnicos importantes para os investidores avaliarem os próximos passos. Lembrando que o investidor pode ter mais de uma estratégia. Por exemplo, simplificar uma estrutura hoje mais complexa para os investimentos exclusivamente financeiros e/ou mantê-la para investimentos que tenham sido objeto de planejamento patrimonial e/ou sucessório.


– Com a tributação do estoque de rendimentos dos fundos fechados à alíquota de 8%, espera-se que os investidores questionem essa tributação na Justiça? E quanto ao come-cotas?

Thiago Braichi e Marina Guimarães: Uma das críticas ao PL 4.173/23, e à Medida Provisória nº 1.184/2023 que o antecedeu é a tributação do estoque dos fundos de investimento fechados. De acordo com a redação atual, a base de cálculo para aplicação da alíquota de 8% seria os rendimentos apurados pro rata tempore até dia 31/12/2023. Ou seja, o cálculo ocorreria com base em valores anteriores à vigência da própria Lei.

Nesse ponto, os efeitos do PL 4.173/23 seriam retroativos, pois ao apurar os valores no início de 2024, a referência ainda seria o montante do ano anterior, quando ainda não havia previsão legal de tributação do estoque. Dessa forma, poderia ser questionado legalmente a violação ao Princípio da Irretroatividade, o qual proíbe que os entes cobrem tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da Lei que os instituiu. No entanto, não é possível afirmar se a questão resultará em aumento no contencioso tributário, pois o PL ainda pode sofrer alterações.

Gyedre Carneiro de Oliveira, Luiz Ernesto A. Oliveira e Pedro Miranda Roquim: Os questionamentos na Justiça vão depender muito da característica de cada fundo e do seu histórico de rentabilidade, amortizações e resgates. A análise desses números pode

indicar alguma possível reorganização na forma de investir que desestimule o investidor ir ao Judiciário. Por outro lado, no caso, por exemplo, de fundos mais antigos e com pouco histórico de amortizações e/ou resgates, o cenário é outro e os valores em “estoque” podem incentivar uma discussão judicial.


– Esperam-se alterações significativas do PL 4.173/23 no Senado? É melhor que o investidor espere pela aprovação ou vale a pena já ir estudando possíveis cenários de tributação e alternativas disponíveis?

Thiago Braichi e Marina Guimarães: Há intensa movimentação política para rápida aprovação do PL 1.473/23. Apesar disso, não há como garantir quais alterações ainda podem ser feitas no texto pelo Senado, ou quando a Lei seria sancionada.

Embora o texto não seja definitivo, entendemos já ser possível (e prudente) que os contribuintes detentores de ativos no exterior ou de fundos fechados analisem os cenários aplicáveis à sua situação e pensem em alternativas de planejamento patrimonial para realocação de ativos, caso necessário. Esse tipo de estudo é interessante também para que os contribuintes possam eventualmente tomar a decisão entre a tributação antecipada, com alíquota de 8%, ou a tributação a partir de 2024, com alíquota de 15%; mesmo que as alíquotas em si ainda sejam passíveis de alteração.

Gyedre Carneiro de Oliveira, Luiz Ernesto A. Oliveira e Pedro Miranda Roquim: O PL foi apresentado com urgência constitucional com a intenção de que seja sancionado pelo presidente ainda este ano e, consequentemente, produzir efeitos no exercício seguinte (respeitando-se o princípio da anterioridade aplicável ao Imposto de Renda). Se não houver alterações, segue direto para sanção presidencial. Se houver, volta para a Câmara dos Deputados, onde tais alterações serão analisadas.

É altamente recomendável que o investidor analise suas posições de investimento antecipando o impacto tributário caso a nova legislação seja aprovada. Isso porque as estruturas de investimentos podem ficar mais caras do ponto de vista financeiro, mas ainda podem fazer sentido para fins de planejamento patrimonial e/ou sucessório.


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