STF afasta ISS em município de tomador de serviço

Empresas devem continuar recolhendo o imposto para a cidade onde estão localizadas

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Empresas que prestam serviços como a oferta de planos de medicina, administração de fundos e de carteira, de consórcio, cartão de crédito ou débito e, ainda, administração de arrendamento mercantil, agora contam com mais segurança jurídica quanto ao município para o qual precisam recolher o imposto sobre serviços (ISS). Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o tributo deve ser recolhido ao local onde se localiza a empresa, e não o tomador de serviços.

A questão teve início em 2016, quando a Lei Complementar 157/16 previu que o ISS fosse recolhido para o município onde estava o tomador de serviço, e não para o do prestador de serviços. Isso implicaria num controle muito complexo por parte das empresas – especialmente as que contam com consumidores espalhados em todo o país, como as que desenvolvem as atividades acima citadas. Como, na prática, a nova sistemática prevista pela lei era extremamente complexa e gerava insegurança jurídica, uma medida cautelar suspendeu os efeitos desses dispositivos até que o STF julgasse o mérito da questão – o que ocorreu recentemente.

Por conta da cautelar, os prestadores de serviço permaneceram recolhendo o ISS aos municípios onde estão sediados. No entanto, mesmo assim os contribuintes vinham sofrendo autuações dos municípios para prevenir a decadência tributária (quando o fisco lavra o auto de infração, mas não cobra imediatamente o débito em razão da suspensão da sua cobrança), informam Bruna Luppi e Frederico Bakkum, sócia e associado do Vieira Rezende Advogados.

Para as empresas, a decisão traz segurança jurídica e estabilidade quanto o município para o qual deve ser recolhido o imposto, diminuindo os riscos de autuação, avaliam Pedro Simão e Rute Souza, sócio e associada do Freitas Ferraz Advogados:  “Pelas regras estabelecidas na LC n° 157/2016 e na LC nº 175/2020, com deslocamento da competência para cobrança do imposto para o município do tomador dos serviços, os contribuintes enfrentariam grande burocracia para proceder ao correto para recolhimento do imposto, considerando a quantidade de municípios espalhados pelo território nacional e incertezas geradas pela imprecisão do conceito legal de tomador de serviços.”

Na entrevista abaixo, Simão, Souza, Luppi e Bakkum abordam a recente decisão do STF e a sua importância para os contribuintes e para os municípios.


–  O que o STF decidiu sobre o local de recolhimento do ISS, no julgamento das ADIs 5.835, 5.862 e ADPF 499?

Bruna Luppi e Frederico Bakkum: Com a edição das Lei Complementares 157/16 e 175/20, foram realizadas alterações na Lei Complementar 116/03 (lei geral do ISS), para estabelecer que o ISS devido pela prestação de serviços de planos de medicina de grupo ou individual, de administração de fundos quaisquer e de carteira de cliente, de administração de consórcio, de administração de cartão de crédito ou débito e congêneres e de arrendamento mercantil, deveria ser recolhido aos municípios dos tomadores, e não aos municípios dos prestadores de serviços, como inicialmente previa a LC 116/03.

Na prática, prevalecendo as alterações trazidas pelas referidas leis, os prestadores desses serviços passariam a ter que controlar os locais dos municípios dos tomadores de seus serviços para, então, poder apurar e recolher o ISS a cada um dos entes municipais conforme suas leis locais, trazendo mais complexidade e insegurança jurídica, além de possíveis conflitos federativos.

No julgamento das ADIs 5.835, 5.862 e ADPF 499, prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes (relator), no sentido de que as alterações trazidas pelas referidas leis complementares seriam inconstitucionais, já que, em vez de reduzirem conflitos de competência entre os municípios e simplificarem a sistemática de incidência do ISS, trouxeram inconsistências com grande potencial para ampliar esses conflitos, aumentando a complexidade e gerando insegurança jurídica, em razão da ausência de clareza na definição de tomador de serviços e, ainda, da existência de legislações municipais diversas entre si, que dificultam a aplicação da própria regra trazida na nova lei complementar, dando margem para uma possibilidade de dupla tributação ou mesmo incorreção da incidência tributária. Os ministros André Mendonça, Edson Fachin, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber acompanharam o voto do relator.

Já o ministro Nunes Marques votou no sentido de que, com a edição da Lei Complementar 175/20, que criou o Comitê Gestor das Obrigações Acessórias (CGOA) do ISS, sistematizando a apuração do tributo, essa complexidade teria sido superada, de modo que entendeu pela constitucionalidade das leis complementares, no que foi acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes.

Vale dizer que o voto condutor foi no sentido de ser válida, em tese, a escolha do domicílio do tomador como critério para tributação do ISS, posto existir uma conexão entre o serviço prestado e o local do domicílio do tomador. Contudo, a alteração foi afastada pelo STF em razão de a legislação impugnada (LC 157/16 e LC 175/20) não apresentar, com a devida segurança, a definição de todos os contornos dessa figura (tomador) e onde é domiciliado.

Pedro Simão e Rute Sousa:  O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o ISS referente a serviços de planos de saúde e atividades financeiras (administração de fundos de investimento, administração de consórcios, administração de crédito e débito e crédito e arrendamento mercantil), deverá ser recolhido no local onde se encontra o prestador desses serviços, sendo inconstitucionais os dispositivos de lei complementar federal que deslocaram a competência para a cobrança do imposto para o município onde está o tomador dos serviços.

Para o STF, a imprecisão do conceito de tomador de serviços e a ausência de definição clara da norma tributária poderiam gerar grave insegurança jurídica e fragilizar o pacto federativo.


– Quais dispositivos das Leis Complementares 157/16 e 175/20 foram considerados inconstitucionais?

Bruna Luppi e Frederico Bakkum: O STF declarou inconstitucionais o artigo 1º da Lei Complementar 157/16 e o artigo 14 da Lei Complementar 175/20, bem como, por arrastamento, os artigos 2°, 3°, 6°, 9°, 10 e 13 da Lei Complementar 175/20.

Pedro Simão e Rute Sousa:  Foram considerados inconstitucionais o artigo 1º da Lei Complementar n° 157/2016, que estabeleceu que o ISS seria devido no local do domicílio do tomador dos serviços de planos de saúde e atividades financeiras; o artigo 14 da Lei Complementar n° 175/2020, que buscou definir a figura do tomador do serviço, e, por arrastamento, a corte declarou inconstitucionais os artigos 2°, 3°, 6°, 9°, 10° e 13° da Lei Complementar n° 175/2020, que trataram sobre o sistema eletrônico de padrão unificado para cumprimento das obrigações acessórias relacionadas ao tributo.


– Qual é a importância da decisão para as empresas, considerando que elas não haviam mudado a sistemática de recolhimento?

Bruna Luppi e Frederico Bakkum: Mesmo com a suspensão da eficácia da LC 157/16, por medida cautelar deferida pelo ministro Alexandre de Moraes em 2018, os contribuintes vinham sofrendo autuações, dos mais variados municípios, para fins de prevenir a decadência tributária (quando o fisco lavra o auto de infração, mas não cobra imediatamente o débito em razão da suspensão da sua cobrança), o que evidencia que as alterações de fato geravam um aumento de complexidade e incerteza.

A recente confirmação da medida cautelar e a procedência do mérito das ações foi fundamental para dar segurança jurídica aos contribuintes, evitando a criação de uma forma de tributação demasiadamente complexa e custosa que teria potencial para ampliar os conflitos de competência ente os municípios e, consequentemente, um aumento de riscos tributários para os contribuintes.

Pedro Simão e Rute Sousa: Para as empresas, a decisão traz segurança jurídica e estabilidade quanto o município para o qual deve ser recolhido o imposto, diminuindo os riscos de autuação. Pelas regras estabelecidas na LC n° 157/2016 e na LC nº 175/2020, com deslocamento da competência para cobrança do imposto para o município do tomador dos serviços, os contribuintes enfrentariam grande burocracia para proceder ao correto para recolhimento do imposto, considerando a quantidade de municípios espalhados pelo território nacional e incertezas geradas pela imprecisão do conceito legal de tomador de serviços.


– E para os municípios, o que muda a partir da decisão?

Bruna Luppi e Frederico Bakkum: Para os municípios pouco mudou, já que a cautelar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes foi logo no início da vigência das modificações recentemente declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte e, portanto, estavam impossibilitados de dar seguimento à cobrança de eventuais lançamentos efetuados.

De toda forma, a recente decisão encerrou a necessidade de se controlar eventuais lançamentos a serem realizados para fins de prevenir decadência e trouxe maior segurança jurídica para os municípios com potencial para perder arrecadação, em especial os grandes municípios que, em geral, concentram os prestadores dos serviços objeto da alteração legislativa declarada inconstitucional.

Por outro lado, a expectativa dos municípios dos tomadores no sentido de que, a partir das novas regras, poderia haver um incremento na sua arrecadação, não se concretizou.

Pedro Simão e Rute Sousa: Para os municípios nos quais estão instaladas empresas prestadoras de serviço de planos de saúde e atividades financeiras, não ocorreram mudanças, na medida em que o STF manteve suspensos, desde 2018, os efeitos dos dispositivos legais ora declarados inconstitucionais.

Por outro lado, os municípios em que estão localizados os tomadores de serviços certamente buscarão outras formas de combater a concentração de receitas e de recolhimento do ISS nos municípios que sediam tais instituições.


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