Marco Legal dos Criptoativos: um novo panorama

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Em dezembro de 2022, com a aprovação do Marco Legal dos Ativos Digitais, o Brasil avançou ao se inserir no seleto grupo de nações que já regulamentaram os criptoativos. Seria o fim da era das criptomoedas como alternativas revolucionárias, até mesmo ideológicas, ao mercado financeiro? Qualquer que seja o ponto de vista escolhido, é certo que, a partir de junho de 2023, cerca de 180 dias após a sanção presidencial, o mercado brasileiro terá de estar adequado ao novo marco legal.

A Lei nº 14.478, sancionada em dezembro de 2022, também conhecida como Marco Legal dos Criptoativos, tem como objetivo regular o mercado de criptoativos no Brasil. Como já examinamos em outro artigo da nossa série, publicado antes da aprovação da lei pelo Congresso, verifica-se uma tendência de regulamentação dos ativos digitais, em denominação ampla, de forma a garantir segurança jurídica para os participantes desse mercado, bem como garantir um ambiente propício para a inovação.

O marco legal é fruto do Projeto de Lei nº 4.401/21, antigo Projeto de Lei nº 2.303/15. Ou seja, trata-se de uma discussão de longa data, recuperada nos últimos meses em vista da necessidade de proporcionar um ambiente seguro para a inovação, especialmente em face dos recentes escândalos envolvendo corretoras de criptomoedas. Casos como o da FTX – uma das maiores corretoras de criptomoedas do mundo, que teve sua falência decretada – e as atuais investigações sobre corretoras brasileiras reforçam certa demanda por esse tipo de segurança.

Qual é o panorama do novo Marco Legal dos Criptoativos?

Primeiro, cabe destacar que o projeto ultrapassa a simples regulação das criptomoedas – que talvez sejam os ativos digitais mais comuns no mercado atualmente –, preocupando-se com os ativos digitais em sentido mais amplo. Inclusive, o objetivo da lei é dispor sobre diretrizes que devem ser observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais[1].

No caso, os ativos virtuais são definidos como uma representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realizar pagamentos ou com o propósito de investimento. Assim, estão incluídos diversos ativos como as criptomoedas, Non-Fungible Tokens (NFTs) e tokens de utilidade (utility tokens), e mesmo outros tipos de ativos digitais não baseados nesse tipo de tecnologia.

Além disso, a lei tem impacto em duas esferas extremamente importantes: a penal e a consumerista. Na esfera penal, busca coibir crimes com a utilização de ativos virtuais, como fraudes, crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro. Na esfera de proteção ao consumidor, a lei objetiva organizar esse mercado, que até o momento estava pouco regulado, garantindo maior segurança e permitindo a entrada de players mais tradicionais, que até então se mantinham avessos aos criptoativos.

Quais os pontos fortes do Marco Legal dos Criptoativos?

O marco legal dos criptoativos, de uma maneira geral, foi recebido positivamente pela comunidade jurídica. É inegável que houve avanços em instâncias que – de fato – encontravam potencial de ser negativamente impactadas por esses novos ativos virtuais.

Uma importante inovação foi a própria definição do que exatamente configura um ativo virtual. Mais até do que a definição em si, foi apresentada uma série de exceções de ativos não são abarcados por ela.

Isso, ao menos em tese, elimina qualquer possibilidade de confusão entre moedas eletrônicas – que são recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento[2] – e criptomoedas, estas sim, sob tutela da nova legislação.

Outra grande novidade que merece destaque diz respeito à regulamentação das prestadoras de serviços envolvendo criptoativos, que – a partir de agora – somente poderão funcionar no país mediante prévia autorização da administração pública federal. Essa atribuição, muito embora não prevista na lei, por afinidade temática, provavelmente seria do Banco Central (BACEN).

A ideia por trás dessa regulamentação é fazer com que as exchanges (corretoras que permitem a compra de criptoativos com uso de fiat, moedas tradicionais), agentes de custódia e demais intermediárias de negociação tenham de se adequar a requisitos que venham a ser exigidos pela entidade reguladora. Tudo isso, claro, visando trazer maior segurança e maior confiabilidade a um mercado que é, aos olhos de grande parte da população, bastante arriscado.

Nesse contexto, o marco legal estabeleceu uma série de diretrizes que terão de ser observadas pelas prestadoras de serviços que vierem a receber autorização de funcionamento. Por exemplo, será exigido que elas atuem sempre visando garantir e preservar a livre iniciativa e a livre concorrência, boas práticas de governança e transparência, segurança da informação e proteção de dados pessoais, proteção e defesa de consumidores, dentre outros.

Evidentemente, essas são meras diretrizes, como bem dito no próprio texto da lei. No entanto, elas serão constantemente avaliadas por parâmetros objetivos oportunamente estabelecidos pelo órgão da administração pública a quem compita fazer esse controle – como dito, provavelmente o Banco Central.

Outro ponto bastante relevante do marco legal foi a criação de novos tipos penais, em que se punem práticas geralmente já tidas como crime, mas agora praticados mediante a utilização de ativos virtuais. Mais especificamente, o marco legal criou o crime de fraude em prestação de serviços de criptoativos, incluindo o artigo 171-A do Código Penal. Em suma, configura esse novo crime o ato de organizar, gerir, ofertar e distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam os ativos virtuais, com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, utilizando-se de qualquer meio fraudulento.

Essa intenção do legislador demonstra a preocupação em evitar que grandes escândalos – que já ocorreram no Brasil, como o famoso caso da Atlas Quantum – possam vir a se repetir com facilidade, garantindo um avanço na proteção ao consumidor final[3]. Além disso, a lei passa a permitir a punição de diversos agentes que se utilizam do desconhecimento do grande público acerca das práticas relacionadas a ativos virtuais, como é o caso de esquemas de pirâmide financeira.

Ainda, a nova lei regula crimes contra o sistema financeiro nacional, dispondo sobre lavagem de dinheiro, para incluir as prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol de suas disposições. Isso significa que o Brasil caminha no sentido de cumprir as orientações de órgãos internacionais como o GAFI (Grupo de Ação Financeira – GAFI/FATF), entidade intergovernamental criada para proteção do sistema financeiro e da economia geral contra ameaças que vão desde a lavagem de dinheiro até o financiamento do terrorismo internacional.

Nesse sentido, desde 2019 – na forma da nota interpretativa de sua Recomendação nº 15[4] –, o GAFI já estabelecia como dever dos países membros, o que inclui o Brasil, a identificação, avaliação e compreensão dos riscos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo envolvendo as atividades de VASPsVirtual Assets Services Provider – (ou seja, as prestadoras de serviços de ativos virtuais).

O Brasil, nesse sentido, passa a cumprir as determinações do órgão a partir das disposições sobre lavagem de dinheiro na forma do novo marco legal. Vale lembrar, inclusive, que o BACEN já apontou, em algumas oportunidades, que os criptoativos eram um problema na prevenção de lavagem de dinheiro, principalmente pela falta de uma autoridade reguladora e pela inexistência de um marco legal propriamente dito.

Quais os pontos fracos do Marco Legal dos Criptoativos?

Apesar dos avanços, é necessário pontuar os problemas e pontos fracos do novo marco legal, a começar pelo fato de que o texto tem um peso extremamente principiológico – ou seja, lida com questões básicas da regulamentação, mas deixa o dia a dia a cargo de uma regulamentação futura que terá origem em algum órgão ou entidade da Administração Pública federal ainda não definido. Nesse sentido, a lei está muito centrada na mão do Poder Executivo, que por meio do presidente deve decidir pela nomeação do órgão ou entidade responsável pela regulamentação.

Assim, apesar do avanço, as diversas lacunas existentes precisarão ser solucionadas pelo Poder Executivo, na forma desse órgão específico. Como a lei cuida de estabelecer apenas as diretrizes gerais do funcionamento do mercado, diversas questões ainda serão objeto de regulamentação específica, de modo que eventuais investidores ainda não contam com total segurança jurídica.

O ponto mais controverso, no entanto, é a inexistência da criação de mecanismo de segregação patrimonial. A segregação patrimonial nada mais é que um mecanismo que estabelece uma definição clara entre quais recursos são da empresa e quais recursos são do investidor. Em essência, isso serve para impedir que os recursos de clientes se misturem entre si ou se misturem com os recursos da exchange, por exemplo, que aqui atua como intermediária na comercialização de criptoativos.

Em parte, foi um dos problemas operacionais que resultou no recente colapso de uma grande empresa do sector. Sem uma separação adequada entre os ativos da empresa e os ativos de cada cliente, numa situação de contingência a empresa pode acabar por utilizar os ativos dos clientes como se fossem seus para pagar aos seus credores (como no caso de falência). No sistema bancário tradicional isto é normalmente gerido por regras estritas e o consumidor é protegido pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

Como a existência da segregação patrimonial seria um requisito importante, seria possível cogitar a criação de tal requisito por iniciativa do Poder Executivo ou por regulamentação do futuro órgão supervisor, o que não ocorreu quando da promulgação do marco legal.

Finalmente, apesar de o marco legal ser mais abrangente que somente regras sobre criptomoedas, ao englobar ativos virtuais inclui diversos outros tipos de ativos, como os NFTs, os quais não foram especificamente regulados no marco, o que não impede uma regulamentação futura.

Como os investidores e organizações devem agir em face do novo marco legal?

Na sua essência, o quadro legal para os bens virtuais, apesar do seu caráter principiológico, é certamente um avanço na regulamentação do sector. A aprovação da nova lei no Congresso contou, inclusive, com o apoio de entidades que reúnem agentes do setor de criptoativos, tais como a ABCripto, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Zetta, Brasscom, ABFintechs e Abranet[5], demonstrando a maturidade deste mercado no Brasil.

Esse alinhamento de posições mostra um desejo de regras claras para o jogo, permitindo às empresas uma maior previsibilidade sobre os requisitos legais para as suas operações, estabelecendo padrões mínimos a seguir e promovendo uma concorrência saudável, para além de proteger os investidores e consumidores. As empresas, os investidores, consumidores e mesmo reguladores querem separar o joio do trigo e, quem sabe, finalmente abandonar a má reputação que empresas escusas, golpistas e outros aproveitadores atraem para esse mercado.

É essencial deixar claro que ainda há muito a acontecer em relação a esse assunto. Como dito, a nova legislação – por si só – não consegue colocar em prática tudo que foi pensado pelos legisladores. Somente haverá mudanças concretas a partir do momento em que a autoridade da administração pública federal (Banco Central?) efetivamente exerça seu papel regulatório e apresente normas infralegais.

Assim, pelo lado dos investidores e potenciais ingressantes no mercado, é importante ter atenção para as novidades que, em breve, devem surgir. A forma como as diretrizes serão regulamentadas, o que exatamente será exigido para que as prestadoras de serviços atuem no país, tudo isso é extremamente relevante para a decisão de investir – ou como investir – no mercado de criptoativos. Até mesmo porque, não é exagero pensar, os criptoativos atraíram a atenção justamente por serem uma alternativa ao mercado financeiro tradicional. O principal objetivo com a criação de moedas como o bitcoin foi o de retirar do Estado o monopólio sobre a moeda e eliminar a necessidade de confiança nos intermediários, permitindo as transações “par-a-par” (peer-to-peer). Logo, é preciso entender como o mercado irá avaliar esses ativos em caso de um potencial excesso de regulamentação.

Já por parte das prestadoras de serviços que envolvam ativos virtuais, também há necessidade de tentarem se adequar, desde já, ao marco legal. Por exemplo, antes mesmo que o Banco Central apresente as normas administrativas, é possível, e recomendável, realizar a contabilidade correta dos criptoativos, de acordo com as práticas internacionais. Mais que isso, enquanto as diretrizes não estão plenamente explicadas, parece razoavelmente certo que, na incerteza, cabe sempre seguir o bom senso. Assim, em adição às regras expressas e objetivas do Marco Legal, a adoção de boas práticas em temas como segurança, transparência e proteção de dados devem guiar o que se entende por “cumprir a lei” até que tenhamos regulamentação mais específica.

 

[1] BRASIL, Lei n. 14.478, de 21 de dezembro de 2022. Marco Legal dos Criptoativos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14478.htm.
[2] BRASIL, Lei n. 12.865, de 09 de outubro de 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12865.htm
[3] GUSSO, Cássio. Vítimas da Atlas Quantum pedem R$ 7 bilhões na justiça devido a Bitcoins ‘perdidos’. CoinTelegraph, Notícias. Disponível em: https://cointelegraph.com.br/news/atlas-quantum-victims-ask-for-r7-billion-in-court-due-to-lost-bitcoins.
[4] FATF, Financial Action Task Force. Public Statement – Mitigating Risks from Virtual Assets. Disponível em: https://www.fatf-gafi.org/en/publications/fatfrecommendations/documents/regulation-virtual-assets-interpretive-note.html
[5] SILVA, Mariana Maria. Em carta, associações pedem aprovação de PL do Marco Legal Cripto ao presidente da Câmara. Exame, Future of Money. Disponível em: https://exame.com/future-of-money/em-carta-associacoes-pedem-aprovacao-de-pl-do-marco-legal-cripto-ao-presidente-da-camara/
1 comentário
  1. Francisco Diz

    Sim, claro, é muito difícil regular os activos criptográficos que foram originalmente criados para evitar o controlo governamental. Acontece que estão a tentar regular o que não está regulamentado. Para mim, a criptomoeda é a liberdade de ação. Afinal de contas, é preciso acompanhar os tempos. Estou a utilizar ativamente esta inovação. Além disso, encontrei uma utilização para as criptomoedas no meu hobby. Há muito tempo que jogo em casinos online. E recentemente descobri um site que reúne avaliações sobre os melhores cripto-cassinos do Brasil https://profitfy.trade/ .

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