CVM esclarece atuação com criptoativos

Parecer da autarquia centraliza entendimento sobre tokens e estabelece limites para sua atividade

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Os emissores de tokens que se enquadrarem como valores mobiliários e as ofertas públicas desses tokens estão sujeitos à regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), conforme o Parecer de Orientação 40 da autarquia, publicado em 11 de outubro. O parecer era bastante aguardado pelo mercado, porque se esperava que a comissão não apenas uniformizasse e centralizasse o seu tratamento ao assunto, mas também esclarecesse os limites de sua atuação no que diz respeito aos criptoativos. 

“O parecer esclarece que a tokenização em si não está sujeita a prévia aprovação ou registro na CVM, no entanto, caso venham a ser emitidos valores mobiliários com fins de distribuição pública, tanto os emissores quanto a oferta pública de tais tokens estarão sujeitos à regulamentação aplicável”, explicam as advogadas Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Marcella de Souza e Castro Fontana, respectivamente sócia e associadas do Carneiro de Oliveira Advogados. 

A CVM define criptoativos como “ativos representados digitalmente, protegidos por criptografia, que podem ser objeto de transações executadas e armazenadas por meio de tecnologias de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies – DLTs). Usualmente, os criptoativos (ou a sua propriedade) são representados por tokens, que são títulos digitais intangíveis.” 

As advogadas do Carneiro de Oliveira esclarecem que o parecer é aplicável aos emissores de tokens e criptoativos, aos agentes de mercado, intermediários em mercado secundário que atuem, direta ou indiretamente, na oferta de criptoativos. A autarquia também sinaliza, no parecer, a competência para proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado e para assegurar o acesso do público a informações corretas, claras e completas, de forma transparente, sobre os valores mobiliários negociados. 

Carneiro de Oliveira, Krieck e Fontana lembram que a CVM adotará medidas legais para prevenção e punição de violações às leis e regulamentos do mercado de valores mobiliários brasileiro, inclusive por meio de alertas de suspensão (stop orders), instauração de processos administrativos sancionadores e a comunicação ao Ministério Público Federal ou Estadual, além da Polícia Federal, quando deparar-se com eventuais crimes de ação penal pública.

Para as advogadas, o parecer significa uma evolução para a discussão e regulamentação do tema no Basil, embora alguns tenham se mostrado preocupados com a segurança jurídica no que diz respeito aos critérios para excluir tokens do conceito de valor mobiliário e porque alguns pontos permaneceram em aberto, como questões relacionadas às regras para fundos de investimentos. A CVM manteve o entendimento que tinha sobre os fundos – que só podem comprar criptoativos de forma indireta, no exterior. 

Na entrevista abaixo, Carneiro de Oliveira, Krieck e Fontana falam sobre os principais aspectos do Parecer de Orientação 40. 


Quais são os principais pontos do Parecer de Orientação 40 da CVM?

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Marcella de Souza e Castro Fontana: O Parecer de Orientação 40 da Comissão de Valores Mobiliários, que foi publicado no dia 11 de outubro de 2022, unifica e sintetiza entendimentos da CVM com relação à caracterização de criptoativos como valores mobiliários, e esclarece a forma de sua regulamentação, os limites de atuação da própria CVM, bem como “seus poderes para normatizar, fiscalizar e disciplinar a atuação dos integrantes do mercado de capitais”. 

O parecer esclarece que a tokenização em si não está sujeita a prévia aprovação ou registro na CVM, no entanto, caso venham a ser emitidos valores mobiliários com fins de distribuição pública, tanto os emissores quanto a oferta pública de tais tokens estarão sujeitos à regulamentação aplicável.

O parecer é dividido em seções que, dentre outros, versam a respeito dos seguintes temas: critérios funcionais para taxonomia de tokens; caracterização de criptoativos como valores mobiliários; regime informacional e valorização da transparência; papel dos intermediários; fundos de investimentos; e sandbox regulatório.

Na seção sobre transparência do parecer, está clara a aplicação do princípio da ampla e adequada divulgação (full and fair disclosure) aos criptoativos que forem considerados valores mobiliários. Nesse sentido, o parecer apresenta uma lista exemplificativa de informações e materiais que a CVM recomenda que sejam apresentados ao público-alvo e que poderão influenciar o juízo da CVM, com a ressalva de que a lista está sujeita a eventual regulação específica.


Em que ocasiões os criptoativos e os tokens podem ser considerados valores mobiliários? 

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Marcella de Souza e Castro Fontana: Nos termos do parecer, os criptoativos são considerados valores mobiliários nas hipóteses em que é possível identificar a representação digital de algum dos valores mobiliários previstos taxativamente nos incisos I a VIII do artigo 2º da Lei 6.385/76 e/ou previstos na Lei 14.430/22 (isto é, certificados de recebíveis em geral); ou quando se enquadram no conceito aberto de valor mobiliário do inciso IX do artigo 2º da Lei  6.385/76, na medida em que seja um contrato de investimento coletivo.

Com relação aos tokens, o parecer apresenta 3 possíveis enquadramentos, a depender de sua funcionalidade, quais sejam: token de pagamento (payment token), que busca replicar as funções de moeda; token de utilidade (utility token), utilizado para adquirir ou acessar determinados produtos ou serviços; e (iii) token referenciado a ativo (asset-backed token), que representa um ou mais ativos, sendo que um único criptoativo pode se enquadrar em uma ou mais categorias. 

O parecer esclarece que, a depender da essência econômica dos direitos conferidos aos titulares dos tokens referenciados a ativos, ou da função que assuma ao longo do desempenho do projeto para o qual foi desenvolvido, a CVM entende que o referido token referenciado a ativo pode ou não ser considerado um valor mobiliário. Com relação a este ponto, o parecer destaca que a prática de mercado já demonstra a existência de tokens que representam não apenas ativos, mas direitos (de remuneração ou de voto, por exemplo), sendo que nestas situações há uma aproximação dos tokens ao conceito de valor mobiliário.


A quem o parecer se aplica e em que ocasiões as instituições devem segui-lo? Ele dá indicações de como a CVM deve atuar daqui para a frente na fiscalização desse mercado?

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Marcella de Souza e Castro Fontana: O parecer é aplicável aos emissores de tokens e criptoativos, aos agentes de mercado, intermediários em mercado secundário que atuem, direta ou indiretamente, na oferta de criptoativos. As orientações prestadas pela CVM podem ser seguidas por tais agentes de mercado em diversas situações, incluindo, mas não se limitando a: oferta pública de tokens, administração de mercado organizado para negociação de tokens, serviços de intermediação, escrituração, custódia, depósito centralizado, registro, compensação e liquidação de operações que envolvam valores mobiliários.

Além disso, o parecer indica os limites de atuação da CVM e esclarece a abordagem inicial que será adotada pelo regulador com relação aos valores mobiliários na forma de criptoativos. Um breve exemplo é a menção sobre a competência da CVM de proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado, bem como assegurar o acesso do público a informações corretas, claras e completas, de forma transparente, sobre os valores mobiliários negociados, disponíveis a todos igualmente.

O parecer ainda menciona que a CVM seguirá aprofundando os estudos de novas tecnologias e sua aplicação no mercado de capitais, podendo, inclusive, regular este novo mercado, se necessário e no âmbito de sua competência. Além disso, destaca que adotará as medidas legais cabíveis para prevenção e punição de violações às leis e regulamentos do mercado de valores mobiliários brasileiro, inclusive por meio de alertas de suspensão (stop orders), instauração de processos administrativos sancionadores e a comunicação ao Ministério Pública Federal ou Estadual, além da Polícia Federal, quando deparar-se com eventuais crimes de ação penal pública.


Em sua avaliação, o Parecer de Orientação 40 traz as definições necessárias para que o mercado de criptoativos se desenvolva de forma segura? 

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Marcella de Souza e Castro Fontana: O parecer formalizou entendimentos anteriores da CVM sobre o assunto de forma clara e coerente, equiparando o Brasil às melhores práticas internacionais sobre o assunto. Além de consolidar posicionamentos já conhecidos pelo mercado, o parecer também indica futuros caminhos que devem ser tomados pelo regulador no âmbito do mercado de criptoativos.

No entanto, embora o parecer traga uma evolução para a discussão e regulamentação do tema no Brasil, alguns estudiosos e empreendedores da criptoeconomia se mostraram preocupados com o nível de segurança jurídica, sobretudo com relação aos critérios para excluir tokens do conceito de valor mobiliário ou até mesmo pelo fato de alguns pontos terem permanecido em aberto, como questões relacionadas às regras para fundos de investimentos.

De qualquer forma, a CVM se mostrou aberta para discussões e consultas sobre o tema, e mencionou que as orientações contidas no parecer “não esgotam os debates em relação ao tema, uma vez que este está em permanente inovação e seu regime legal encontra-se atualmente em discussão”.

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