Security tokens e a tokenização de participação societária

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É cada vez mais comum nos depararmos com novas possibilidades de uso dos criptoativos. Desde a criação de contratos baseados em blockchain e a comercialização de ativos digitais, até a criação de tokens em uma blockchain que representam ativos reais, os criptoativos chegaram para ficar.

Apesar disso, o setor é marcado por um jargão confuso, a exemplo do fato de que o prefixo “cripto”, anteriormente utilizado para representar algo confidencial e protegido – como no caso da criptografia – agora representa um ativo virtual que existe em uma lógica de publicização das transações.

Esse também é o caso dos security tokens e da tokenização de participação societária, que – apesar da proximidade sintática e, em algumas hipóteses, da sua aplicação coincidente – são dois conceitos diferentes. Em suma, toda tokenização de participação societária pode ser classificada como um security token, embora o inverso não seja verdadeiro. Nesse sentido, nosso objetivo aqui é tentar desmistificar e diferenciar esses conceitos, bem como explorar algumas de suas possibilidades de aplicação para potenciais investidores. 

O que é um security token?

Um token nada mais é que uma representação digital de um ativo. Como vimos nos demais artigos desta série, existem diversos tipos de criptoativos com diferentes funções e objetivos. A semelhança entre eles está justamente na forma de constituição desses ativos, que é comumente realizada através de ferramentas de distributed ledger technology (DLT, ou registro distribuído). A diferença, no entanto, está na função que cada um desses criptoativos executa. A título de exemplo dessa diferenciação, as criptomoedas atendem a fins de pagamentos, enquanto os security tokens exercem uma função de representação digital de determinados produtos de investimento.

Assim, pode-se dizer que os security tokens são representações digitais (que se valem da tecnologia de distributed ledger) de um produto de investimento e estão sujeitos a regulações específicas[1], consonante ao tipo de ativo que representam e forma de sua distribuição. Isso quer dizer que são ativos virtualizados referentes a outros ativos de investimento, tais como os valores mobiliários, instrumentos de dívida etc.

Os security tokens possuem diversas espécies, as quais variam de acordo com o produto de investimento que eles representam. Observada a atual prática de mercado, podemos destacar as seguintes categorias: equity token, debt token e real assets token.

O primeiro tipo (equity token) representa uma participação societária emitida por uma sociedade, tendo o investidor, via de regra, interesse na percepção dos dividendos decorrentes de tal participação. O segundo tipo (debt token) representa um instrumento de dívida tokenizado, como hipotecas imobiliárias, permitindo uma automatização no repasse de juros e principal aos seus titulares conforme pagamentos realizados pelo devedor. Por fim, o último tipo (real assets token) representa a propriedade de um determinado ativo real, como imóveis, inclusive imóveis em regime de multipropriedade.

Além disso, os security tokens contam com uma importante funcionalidade, que é a possibilidade de serem automatizados, ou seja, de serem programáveis. Isso permite que sejam capazes de executar tarefas complexas via protocolos como os dos smart contracts. Isso quer dizer, por exemplo, que security tokens que sejam da espécie de equity tokens podem ser programados para calcular e distribuir dividendos entre os portadores daqueles ativos de forma automática, conforme prévio acordo celebrado ente os sócios de determinada sociedade.

Pelas características apresentadas, os security tokens (notadamente, os equity tokens) são comumente transacionados em um mercado regido por um órgão regulador, gerando uma maior confiabilidade no processo negocial e na segurança para os investidores.

O lançamento desses ativos ocorre via security tokens offering (STO), dentro de um sistema que utiliza a tecnologia de registro distribuído e permite a empresas novas – como startups – e antigas a possibilidade de levantar capital por meios não tradicionais. 

Entendendo a tokenização de participação societária

Um dos vários requisitos para a constituição de uma sociedade é a necessidade de os sócios realizarem aportes (em dinheiro, bens ou direitos) que, somados, constituirão o capital social. Nesse contexto, nos atos constitutivos deverá constar a contribuição de cada sócio no capital social da sociedade.

Portanto, a participação dos sócios em uma sociedade está intimamente relacionada ao valor que ele contribuiu para a formação do seu capital social, sendo que, observados os requisitos legais, essa participação poderá ser majorada, em casos de aumento do capital social da sociedade, ou diminuída, nos casos de redução do capital social da sociedade.

A tokenização de participação societária é, portanto, o processo de criação de um ativo digital (o token, registrado na blockchain) que irá representar um ativo real, qual seja, a participação societária emitida por alguma sociedade. Existem diversas vantagens na utilização desse instrumento, tais como: (i) maior liquidez e possibilidade de acesso a mercados diversos, visto que podem ser negociados em qualquer lugar do mundo e não estão restritos à lógica dos horários de funcionamento de bolsas de valores, por exemplo; (ii) eliminação de intermediários envolvidos no gerenciamento de processos de alienação desses ativos, reduzindo a burocracia e diminuindo os custos de procedimentos de levantamento de capital por parte das empresas; e (iii) transparência e rastreabilidade de tais ativos, já que estão registrados em blockchain e há a possibilidade de rastreio das transações existentes.

Que possibilidades os security tokens trazem para as sociedades no Brasil?

Os impactos da tokenização de participação societária e comercialização de equity tokens ainda são incipientes no Brasil, mas positivos. Apesar de ainda não ser reconhecido como um modelo de investimento popular, trata-se de um processo que pretende gerar maior agilidade com transparência para a sociedade investida e o investidor, por serem negociados por smart contracts operacionalizados por redes DLT/blockchain. Isso permite a redução de custos e a simplificação de formalidades atualmente existentes, além de garantir acesso a novos investidores e maior liquidez dos ativos negociados.

Todavia, apesar do entusiasmo com as novas soluções tecnológicas trazidas pelos criptoativos, vale ressaltar que o processo de tokenização de participação societária deve observar a legislação societária vigente no Brasil. Vale apontar que, apesar de ser um modelo inovador e que pode representar uma redução de custos para as organizações no momento de captarem investimentos, a utilização de equity tokens e/ou a tokenização de participação societária estão sujeitas a regulações setoriais, que incluem a legislação que regula o mercado financeiro e de capitais, notadamente as regras que tratam da proteção à poupança popular.

Por fim, a utilização desses instrumentos torna-se difícil ou até mesmo incompatível em sociedades nas quais a figura dos sócios e sua relação seja muito relevante. Por exemplo em sociedades familiares ou “de pessoas”, em que a affectio societatis é elemento essencial da sua existência.


Coautoria de Eugênio Delmaestro Corassa e Rodolfo Pereira Prates, associados do Freitas Ferraz Advogados


[1] LAMBERT, Thomas; LIEBAU, Daniel; ROOSENBOOM, Peter. Security token offerings. Small Business Economics, n. 59, pp. 299–325, 2021. DOI: https://doi.org/10.1007/s11187-021-00539-9, p. 302.

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