Tributos sobre o consumo: como funciona o cálculo por fora

Mudança trazida pela reforma tributária pode reduzir a carga de impostos e a judicialização

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Uma das mudanças propostas pela reforma tributária sobre o consumo (PEC 45/19) diz respeito à metodologia de cálculo dos impostos, que passará do cálculo por dentro para o cálculo por fora. A alteração é relevante: deve aumentar a transparência para o consumidor sobre o quanto ele paga de imposto e, eventualmente, tem potencial para reduzir a carga tributária.

O cálculo por fora é uma metodologia que considera como base de cálculo dos tributos o preço ou lucro líquido da operação, sem incluir o próprio imposto que está sendo calculado em sua base, como no caso do Imposto de Renda (IRPJ), explicam Anna Laura Lacerda e Romero Marinho, associados do Freitas Ferraz Advogados. Em contraposição, no cálculo por dentro, inclui-se o próprio imposto na base de cálculo. Hoje, apenas a legislação do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) prevê expressamente esta metodologia. Outros impostos, como o Pis e a Cofins, porém, também são calculados dessa forma.

Embora a questão da dificuldade para utilizar os créditos tributários também ocasione a cumulatividade dos impostos, o cálculo por dentro também contribui para esse cenário de tributação em cascata. E um dos objetivos da reforma é chegar a um sistema de não cumulatividade plena. Por isso, a mudança para o cálculo por fora é vista com bons olhos: “Com mudança para o cálculo por fora, combinada com a uniformização e simplificação da legislação tributária, deve haver uma redução na judicialização, sonegação, elisão e inadimplência”, avaliam Marinho e Lacerda. Para eles, é possível que ocorra uma redução na carga tributária, se as alíquotas projetadas pelo governo forem mantidas pela PEC 45/19. As alíquotas combinadas da contribuição sobre bens e serviços (CBS) e do imposto sobre bens e serviços (IBS), previstas pelo governo, devem ir de 25,45% a 27%.

E se esperam outros benefícios, como a maior transparência com relação ao valor efetivamente pago de impostos por parte dos contribuintes, afirmam Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira, associadas do Vieira Rezende Advogados. Isso porque, como o cálculo por dentro considera o tributo parte de sua própria base de cálculo, na prática a alíquota do imposto recolhida é maior do que a nominal, informada ao consumidor. Após a mudança da metodologia, se o valor de um produto for R$ 100,00 e a alíquota do imposto for de 15%, o valor de imposto a pagar será de exatamente R$ 15,00, exemplificam. Hoje, o cálculo não é tão fácil.

Além disso, outro possível efeito será a redução de custos relacionados à manutenção do funcionamento da máquina pública respaldada por um sistema tributário atualmente bastante complexo – o que poderá beneficiar tanto a administração pública quanto os próprios contribuintes, que poderão, por consequência, usufruir de um serviço público mais efetivo e eficiente”, consideram Rosa e Laranjeira.

Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz e do Vieira Rezende explicam as duas metodologias de cálculo dos impostos e abordam os possíveis efeitos da mudança que deve vir com a aprovação da reforma tributária.


– A PEC 45/19 propõe alterar a metodologia de cálculo dos impostos, que passaria a ser do cálculo por dentro para o cálculo por fora. No que consistem essas formas de calcular os tributos?

Anna Laura Lacerda e Romero Marinho: Conforme explica o Detalhamento Metodológico da PEC 25 de 2019, o IVA terá “base ampla, pleno aproveitamento de créditos, cobrança no destino e por fora, e poucas alíquotas e exceções”.

O cálculo por fora é uma metodologia que considera como base de cálculo dos tributos o preço ou lucro líquido da operação, sem incluir na base (do tributo) o próprio imposto que está sendo calculado, como no caso do Imposto de Renda (IRPJ).

Por sua vez, o cálculo por dentro considera o próprio imposto na base de cálculo, e não apenas o custo da operação. Por esta metodologia, o valor da operação considera o custo da operação e o imposto incidente sobre ela, de forma que o valor constante no documento fiscal, como a Nota Fiscal Eletrônica (NFe), já considera o valor total a ser pago pelo contribuinte. No entanto, no cálculo por dentro, o valor do tributo destacado no documento normalmente é superior ao resultado da aplicação da alíquota nominal sobre o preço líquido de impostos da operação.

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: Em nosso entendimento, a PEC 45/19 propõe solucionar, de forma assertiva e positiva, antiga controvérsia relativa à constitucionalidade do cálculo tributário realizado “por dentro”, em que o montante relativo a determinado tributo integra o próprio valor da operação – ou seja, a própria base de cálculo deste tributo – para fins de apuração do montante a ser recolhido aos cofres públicos.

Nesse sentido, o entendimento de grande parte dos contribuintes e dos aplicadores do Direito era que o referido método de cálculo implica em sensível aumento da alíquota real em face da alíquota nominal, ferindo, portanto, os princípios constitucionais da legalidade, da capacidade contributiva e do não confisco.

Portanto, ao longo do texto, a PEC 45/19 faz diversas observações no sentido de que “o tributo não integrará sua base de cálculo”, como se observa, por exemplo, no artigo 156-A, §1º, inciso IX, que trata do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Conforme antecipado acima, o imposto calculado “por dentro” considera o tributo parte de sua própria base de cálculo, recaindo sobre ele mesmo, porque é embutido no valor total da operação. Na prática, portanto, a alíquota do imposto recolhida é maior do que a nominal, informada ao consumidor. No modelo atual, o ICMS é o principal exemplo desse método de cálculo, já que o imposto incide sobre o valor da operação com o imposto incluído, e não apenas sobre o valor da mercadoria.

Já na metodologia de cálculo “por fora”, a alíquota incidirá apenas sobre o valor do produto ou serviço, e não sobre o valor total da operação. Não há, portanto, a incidência do imposto sobre ele mesmo. Então, se o valor de um produto é R$ 100,00 e a alíquota do imposto for de 15%, o valor de imposto a pagar será de exatamente R$ 15,00.


– O cálculo por dentro é hoje utilizado em todos os tributos (federais, estaduais e municipais)?

Anna Laura Lacerda e Romero Marinho: Apesar de apenas o ICMS prever expressamente a incidência sobre o próprio imposto, é possível dizer que outros tributos também possuem cálculos por dentro, uma vez que incidem sobre outros impostos ou sobre si, como é o caso do Pis e da Cofins.

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: Não. Atualmente, o cálculo por dentro é utilizado na cobrança do ICMS, mas não para o recolhimento do IPI, por exemplo. No caso do ISS, apesar de não haver respaldo na Constituição Federal, muitos municípios determinam que o ISS deve incidir sobre ele mesmo.


– Essa mudança é relevante? Por quê?

Anna Laura Lacerda e Romero Marinho: O cálculo provisório do governo estimou que as alíquotas combinadas da contribuição sobre bens e serviços (CBS) e do imposto sobre bens e serviços (IBS) devem ser de 25,45% a 27%, mantendo uma das diretrizes da reforma tributária de que “em nenhuma hipótese haverá aumento da carga tributária”.

Atualmente, são utilizadas metodologias diferentes para o cálculo dos tributos, mas se considerarmos que todos devem ser calculados por fora, como definido pela reforma, existem estimativas de que a tributação sobre o consumo seria de 34,4%.

Nesse sentido, há um potencial de queda da tributação, se mantidas as projeções no processo de aprovação do texto no Senado Federal.

Além da questão da queda da tributação, temos também um cenário de maior transparência para o sistema tributário, uma vez que, pela metodologia do cálculo por fora, o consumidor consegue saber quanto de imposto está pagando sobre aquela operação.

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: O texto da PEC sob tramitação tem como seus principais pilares a simplificação e maior transparência em relação ao valor efetivamente pago pelos contribuintes a título de tributos, e este é o ponto mais relevante da alteração.

Os cálculos de tributos realizados “por dentro”, além de possuírem nível de compreensão mais complexo para os cidadãos leigos, não deixam claro quais valores foram pagos pela mercadoria/serviço e quais foram pagos a título de tributos, uma vez que, na prática, o valor pago pelo consumidor da mercadoria é maior do que a alíquota nominal indicada pelas respectivas legislações


– Quais são os efeitos esperados da mudança para o cálculo por fora?

Anna Laura Lacerda e Romero Marinho: Com mudança para o cálculo por fora, combinada com a uniformização e simplificação da legislação tributária, deve haver uma redução na judicialização, sonegação, elisão e inadimplência.

A uniformização e simplificação, principalmente, trarão mais objetividade e transparência para as normas tributárias, que estão muito dispersas no ordenamento jurídico brasileiro e apresentam muitos pontos de divergência interpretativa.

Quanto à carga tributária, como mencionamos, se as alíquotas projetadas pelo governo forem mantidas pela reforma tributária, é possível que haja até mesmo uma redução da carga dos impostos sobre consumo, englobados pela CBS e pelo IBS.

Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: Além de conferir maior transparência em relação ao valor efetivamente pago a título de tributos incidentes sobre bens e serviços, é possível que haja redução da litigiosidade entre Fiscos e contribuintes, nas esferas administrativa e judicial, a respeito do tema.

Além disso, outro possível efeito será a redução de custos relacionados à manutenção do funcionamento da máquina pública respaldada por um sistema tributário atualmente bastante complexo – o que poderá beneficiar tanto a administração pública quanto os próprios contribuintes, que poderão, por consequência, usufruir de um serviço público mais efetivo e eficiente.


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