Conselho Federativo do IBS: como vai funcionar?

Governança do poderoso colegiado que vai decidir sobre o IBS ainda levanta dúvidas

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O Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser criado com a aprovação da reforma tributária, possivelmente terá bastante poder. Além de editar as normas do IBS – imposto que vai substituir o ICMS e o ISS –, o colegiado irá definir como o tributo vai ser distribuído entre estados e municípios, atuará na relação entre os entes federativos e concentrará o regime de compensação e aproveitamento de créditos dos contribuintes. Todo esse poder, aliado às indefinições que ainda existem sobre o seu funcionamento, está gerando preocupações.

A PEC 45/19 (em discussão no Senado Federal) prevê que o Conselho Federativo do IBS edite Lei Complementar sobre o IBS, dispondo sobre as regras para distribuição do imposto entre os entes federativos, sua sistemática de cálculo, as regras de compensação e aproveitamento de crédito e os critérios para a definição do ente de destino da operação (já que a tributação passará a ocorrer no destino). A vantagem é que as normas editadas pelo conselho vão substituir todas as regras estaduais e municipais que hoje regem o ICMS e o ISS – vantagem que está longe de ser pequena, dado que o Brasil possui mais de 5,5 mil municípios, 26 estados e o Distrito Federal.

No entanto, a polêmica entrevista do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, ao Estado de São Paulo pode ser um sinal das tensões que existem para estabelecer como o Conselho Federativo do IBS irá funcionar. Um dos pontos que podem gerar conflito é que a PEC 45/19 não traz os critérios claros para a transferência de receitas para os entes para dirimir desigualdades, e concentra no Conselho Federativo toda a competência de edição de leis relativas a esses pontos – por isso, a governança do Conselho Federativo do IBS importa tanto.

Governança do Conselho Federativo do IBS

“A questão da governança do Conselho Federativo foi fruto de grande debate e negociação na Câmara para que a tomada de decisões no órgão considere tanto critérios de número de estados na região (o que poderia beneficiar os estados do Norte e Nordeste) quanto populacional (o que atenderia os estados do Sul e Sudeste). De qualquer forma, deve-se ter em mente que é provável que o Conselho Federativo não tenha autonomia para decidir questões importantes como a definição da distribuição do IBS (o que, de fato, geraria conflitos políticos entre os estados), que deverão ser estabelecidas por Lei Complementar”, avaliam Júlia Swerts e Pedro Simão, associada e sócio do Freitas Ferraz Advogados.

O Conselho Federativo do IBS possuirá autonomia legislativa, orçamentária e administrativa, o que, para alguns, pode configurar ofensa ao pacto federativo – já que suas normas, relativas ao IBS, teriam que ser obrigatoriamente seguidas por estados e municípios. “Sobre esse aspecto, questiona-se sobre se a atuação do Conselho Federativo do IBS não estaria violando o pacto federativo, uma vez que os entes possuem competência legislativa concorrente e, ainda, que a União possui a competência de definir normas gerais sobre tributação mediante Lei Complementar, nos termos dos artigos 24, I, e 146, II e III, ambos da Constituição Federal, os quais não sofreram alteração pela PEC em comento”, observam Maria Alice Laranjeira e Priscila Alves, associadas do Vieira Rezende Advogados.

Para Laranjeira e Alves, as indefinições geram insegurança jurídica para os contribuintes: “Isso já aponta para um cenário de aumento de contencioso tributário, principalmente judicial, e os contribuinte irão buscar a resposta do STF para dirimir possíveis injustiças fiscais e inconstitucionais”.

A expectativa é que o Senado Federal, que agora está discutindo a PEC 45/19, consiga esclarecer as dúvidas e aparar as arestas.

Na entrevista abaixo, Laranjeira, Alves, Simão e Swerts explicam como o IBS vai funcionar e abordam as indefinições sobre o Conselho Federativo do IBS.


– O IBS terá uma alíquota única, mas os Estados e municípios continuam com a prerrogativa de estabelecer a alíquota? Como ele vai funcionar: será estabelecida uma alíquota de referência ou um teto para o imposto? E como será feita a divisão da arrecadação do IBS entre estados e municípios?

Maria Alice Laranjeira e Priscila Alves: Os estados, o Distrito Federal (DF) e os municípios terão a prerrogativa de participação no estabelecimento das alíquotas aplicáveis ao IBS, já que este será um imposto de competência destes entes. Cada ente federativo deverá fixar, por meio de lei específica, a sua própria alíquota, que deverá ser a mesma para todas as operações com bens ou serviços. Ainda, o Senado Federal fixará uma alíquota de referência, que deverá ser observada pelos estados, DF e municípios ao dispor sobre suas alíquotas.

A divisão da arrecadação do IBS será de responsabilidade do Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços, mas, como muitos outros pontos tratados na PEC 45/2019, ainda caberá a lei complementar dispor sobre as regras para distribuição do produto de arrecadação da exação.

Júlia Swerts e Pedro Simão: O IBS terá uma alíquota única para todas as operações com bens e serviços, ressalvadas as exceções permitidas na Constituição Federal. Essa alíquota poderá ser fixada pelos estados e municípios em suas próprias leis, desde que observada a alíquota de referência que será estabelecida pelo Senado Federal. O IBS, portanto, será cobrado pelo somatório das alíquotas do estado e do município de destino da operação.

Com relação à divisão da arrecadação do IBS entre estados e municípios, o texto atual da PEC 45/19 estabelece que, da arrecadação do imposto que caberá aos estados, 25% continuam a ser repartidos entre os municípios de seu território, mas com percentuais diferentes: 85% proporcionais à população; 5% em partes iguais, e 10% com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e aumento da equidade.


– Qual será o papel do Conselho Federativo do IBS na edição de normas, na arrecadação, na fiscalização e nos créditos tributários?

Maria Alice Laranjeira e Priscila Alves: O Conselho Federativo do IBS terá como principais atribuições a edição de normas legais a respeito do imposto, a uniformização da interpretação e aplicação da legislação do imposto e a distribuição do produto da arrecadação do IBS. Também representará autoridade máxima quanto a questões orçamentárias.

Ademais, o Conselho Federativo coordenará a atuação integrada dos estados, do Distrito Federal e dos municípios na fiscalização, no lançamento, na cobrança e na representação administrativa ou judicial do imposto, podendo definir hipóteses de delegação ou de compartilhamento de competências entre as administrações tributárias e entre as procuradorias dos entes federativos.

Resumidamente, o que se verifica a partir da PEC 45/19, é que o conselho terá papel central porque fará a gestão de toda a receita do IBS e atuará na própria relação entre os entes federativos. Além disso, irá concentrar o regime de compensação e aproveitamento de créditos dos contribuintes, repassando aos entes federativos o montante relacionado às vendas ao consumidor final, bem como gerenciando o creditamento quanto às demais operações, uma vez que reterá o montante equivalente ao saldo acumulado de créditos do imposto não compensados pelos contribuintes ou não ressarcidos ao final de cada período de apuração.

Júlia Swerts e Pedro Simão: O Conselho Federativo será um órgão colegiado responsável pela administração do IBS e, dentre as suas competências, conforme texto da PEC 45/19, destacam-se “editar normas infralegais; uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto; arrecadar, gerir e distribuir o produto da arrecadação entre os Estados, Distrito Federal e Municípios; e dirimir as questões suscitadas, no âmbito do contencioso administrativo tributário, entre o sujeito passivo e a administração tributária”.

O funcionamento do Conselho Federativo ainda será regulamentado por Lei Complementar, mas ele terá como função representar os entes federativos (estados, DF e municípios) para tomada de decisões relativas ao IBS, como: edição de normas infralegais, uniformização da interpretação e aplicação da legislação, arrecadação do imposto e distribuição do produto arrecadado, resolução de dúvidas suscitadas no contencioso tributário.


– Como se dará a governança do Conselho Federativo do IBS? Qual é a expectativa com relação a possíveis conflitos políticos entre os estados (Sudeste-Nordeste, por exemplo), considerando as diferenças regionais do país?

Maria Alice Laranjeira e Priscila Alves: A governança do Conselho Federativo será feita mediante a representação dos estados, DF e dos municípios. Terá composição paritária e a instância máxima de deliberação do conselho contará com 27 membros representando cada Estado e o DF e mais 27 membros representando o conjunto dos municípios e do DF, os quais serão eleitos.

As deliberações do Conselho Federativo serão aprovadas se obtiverem, cumulativamente, os votos da maioria absoluta e representantes de 60% da população do país, com relação aos estados e DF, e pela maioria dos representantes, no caso dos municípios e DF.

O controle externo do Conselho Federativo, ou seja, a sua fiscalização, será realizada pelos Poderes Legislativos dos entes federativos com o auxílio dos Tribunais de Contas respectivos.

A PEC 45/19 não dispõe sobre critérios claros para a transferência de receitas para os entes para dirimir desigualdades, ou mesmo para considerar as características regionais, concentrando no Conselho Federativo toda a competência de edição de leis para dirimir tais questionamentos. É possível que alguns indicativos venham a ser regulados por Lei Complementar ou Lei Ordinária. Sobre tais aspectos, caberá ao STF julgar os conflitos de entre entes federativos, ou entre estes e o Conselho Federativo do IBS (artigo 156-A).

Júlia Swerts e Pedro Simão: O Conselho Federativo será formado por representantes dos estados e dos municípios. Os 27 estados, incluindo o Distrito Federal, poderão indicar 27 representantes. O conjunto dos 5.568 municípios poderá indicar 27 membros, sendo 14 representantes com base nos votos de cada município, com valor igual para todos, e 13 representantes com base nos votos de cada município ponderados pelas respectivas populações.

O texto aprovado estabelece que as decisões do Conselho Federativo serão aprovadas se obtiverem, cumulativamente, os votos da maioria absoluta dos representantes de municípios e Distrito Federal e os votos da maioria absoluta dos representantes de estados e do Distrito Federal que, somados, correspondam a pelo menos a 60% da população brasileira.

A questão da governança do Conselho Federativo foi fruto de grande debate e negociação na Câmara para que a tomada de decisões no órgão considere tanto critérios de número de estados na região (o que poderia beneficiar os estados do Norte e Nordeste) quanto populacional (o que atenderia os estados do Sul e Sudeste).

De qualquer forma, deve-se ter em mente que é provável que o Conselho Federativo não tenha autonomia para decidir questões importantes como a definição da distribuição do IBS (o que, de fato, geraria conflitos políticos entre os estados), que deverão ser estabelecidas por Lei Complementar.


– Há aspectos relativos ao IBS que carecem de melhor definição? Esperam-se alterações relevantes durante a tramitação da PEC 45/19 no Senado, no que diz respeito ao IBS?

Maria Alice Laranjeira e Priscila Alves: O texto da PEC 45/2019 prevê que a Lei Complementar estabelecerá a estrutura e gestão do Conselho Federativo, cabendo ao regimento interno dispor sobre sua organização e funcionamento. Assim, o que se verifica é que, embora a proposta tenha dado amplos poderes de gestão para o Conselho Federativo, deixou a cargo da Lei Complementar e do regimento interno do próprio órgão traçar as balizas e diretrizes de seu funcionamento, o que pode gerar inúmeras problemáticas, além da própria ofensa ao pacto federativo. Isso ocorre na medida em que o Conselho Federativo possui autonomia legislativa, orçamentária e administrativa.

Outro ponto a ser observado é que a iniciativa de editar Lei Complementar sobre o IBS ficou a cargo do Conselho Federativo. Dessa forma, com a edição da PEC 45/19, diversos aspectos absolutamente fundamentais do IBS ainda não foram definidos, tais como as regras para distribuição do produto da arrecadação do imposto entre os entes, sua sistemática de cálculo, as regras de compensação e aproveitamento de crédito, os critérios para a definição do ente de destino da operação, dentre outros.

Sobre esse aspecto, questiona-se sobre se a atuação do Conselho Federativo do IBS não estaria violando o pacto federativo, uma vez que os entes possuem competência legislativa concorrente e, ainda, que a União possui a competência de definir normas gerais sobre tributação mediante Lei Complementar, nos termos dos artigos 24, I, e 146, II e III, ambos da Constituição Federal, os quais não sofreram alteração pela PEC em comento.

Importante acrescentar, ainda, que a PEC 45/2019 dispõe que o órgão poderá editar normas infralegais sobre temais relacionados ao imposto, de observância obrigatória por todos os entes que o integram, além de ter a competência de uniformizar a interpretação e a aplicação do imposto, de modo que o seu entendimento será vinculante a todos os entes.

Ademais, não está claro como se dará o período de transição entre a implementação do IBS e a extinção do ICMS e ISS, que durará de 2029 a 2034. Sabe-se que 90% do montante arrecadado será redistribuído pelo conselho entre os estados e municípios, respeitando a proporção média de receita arrecadada entre 2024 e 2028. No entanto, não se conhecem os critérios de distribuição e se eles serão suficientes para compensar as perdas de arrecadação.

Tais questões apontam alguns riscos e, certamente, geram insegurança jurídica aos contribuintes. Isso já aponta para um cenário de aumento de contencioso tributário, principalmente judicial, e os contribuinte irão buscar a resposta do STF para dirimir possíveis injustiças fiscais e inconstitucionais.

A expectativa é que o Senado se debruce sobre a PEC 45/2019 e consiga dirimir os pontos abertos e polêmicos de discussão, que ainda geram incerteza aos contribuintes. Estima-se que o Senado terá de dois a três meses para amadurecer todos os pontos da reforma tributária. Um dos pontos centrais de discussão será o IBS e a criação do Conselho Federativo, que tem sido fonte de muitas críticas, principalmente por concentrar a arrecadação e a distribuição das receitas.

Júlia Swerts e Pedro Simão: Sim. Vários aspectos relativos ao IBS provavelmente só serão definidos de forma mais clara após a edição de Lei Complementar, uma vez que a Constituição Federal não poderia endereçar todos esses pontos.

Durante a tramitação da PEC 45/19, é possível que ocorram alterações em relação aos critérios de distribuição e governança do Conselho Federativo, para que, na tomada de decisões, volte a ser considerado apenas o número de estados. Diferentemente da Câmara dos Deputados, na qual o número de deputados é proporcional à população dos estados, o Senado Federal tem três representantes para cada ente da federação, igualando os estados nas tomadas de decisão.

Além disso, ainda com relação ao IBS, espera-se que o Senado revisite os setores beneficiados com isenções e alíquotas reduzidas, uma vez que essas reduções acabam por aumentar a alíquota dos novos tributos para os demais setores, para compensar a perda em arrecadação.


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2 Comentários
  1. julian Diz

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    gostei muito do seu site parabéns

  2. amanda Diz

    gostei muito do site parabéns 🙂

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