Reforma tributária terá impactos distintos sobre setores

Ainda é difícil precisar todos os efeitos, mas agronegócio e serviços podem ser os mais afetados por um aumento da carga fiscal

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Aprovada na Câmara dos Deputados em dois turnos no dia 7 de julho, a reforma tributária sobre o consumo – Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/19 – é tida como um importante passo para simplificar o sistema tributário brasileiro e pode representar um avanço para o país.

A reforma tributária ainda precisa ser aprovada em dois turnos também no Senado Federal.

Caso aprovada, o Brasil passará a adotar um imposto sobre valor agregado (IVA), tributo não cumulativo, que incide apenas sobre a etapa de produção e o valor agregado pelas empresas. A proposta aprovada na Câmara prevê a substituição de cinco tributos que incidem sobre o consumo por dois. O Pis, a Cofins e o IPI – tributos federais – serão substituídos pela contribuição sobre bens e serviços (CBS). Já o ICMS e o ISS, de competência estadual e municipal, seriam substituídos pelo imposto sobre bens e serviços (IBS). Será criado o imposto seletivo (IS), que incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Ainda não está definida qual será a alíquota única dos tributos. No entanto, sabe-se que alguns setores terão redução de 60% – é o caso dos serviços de educação, saúde, medicamentos e produtos de saúde menstrual, transporte coletivo rodoviário, ferroviário e hidroviário, insumos agropecuários e alimentos destinados a consumo humano e produtos de higiene pessoal, produtos agropecuários, florestais e extrativistas vegetais in natura, produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais. Uma lei complementar poderá isentar outros produtos ou serviços como transporte coletivo, medicamentos, produtos hortifrutigranjeiros, dentre outros.

“É difícil precisar o impacto sobre cada setor, tendo em vista que as alíquotas aplicáveis ainda não estão definidas”, consideram Michel Siqueira Batista e Caio Persici, sócio e associado do Vieira Rezende Advogados. No entanto, eles afirmam que as projeções iniciais têm apontado possível aumento de carga tributária em setores como de serviço e agronegócio: “A razão é que historicamente são setores que por diversos motivos aproveitam reduções de carga tributária (por exemplo, no caso de serviços, passaria de uma alíquota de ISS de até 5% para uma alíquota padrão provavelmente superior a essa) que deixariam de ser aplicadas com o novo sistema, que pretende aplicar uma alíquota única sobre todas as operações, com poucas exceções”.

Outro ponto trazido pela reforma é a tributação progressiva sobre a herança, com alíquota máxima de 8% – as alíquotas passarão a variar de acordo com o valor a ser doado ou recebido em herança. Embora o foco da PEC seja o consumo, ela prevê a alteração do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD), que é de competência dos Estados.

O texto aprovado prevê ainda a criação de um mecanismo de devolução (cashback) dos impostos pagos pelas pessoas físicas – o objetivo é que sirva de atenuante das desigualdades sociais, mas o público-alvo e os limites ainda serão definidos por meio de Lei Complementar. Uma surpresa no texto foi a permissão para que os Estados criem uma contribuição que incidiria sobre produtos primários e semielaborados – o que iria contra a intenção de simplificar o sistema tributário.

A transição do atual sistema para o futuro, caso a reforma seja aprovada como está pelo Senado Federal, está prevista para começar em 2026 com a instituição da CBS à alíquota de 0,9% (2026) – ela poderá ser compensada com o Pis/Cofins, inclusive na importação e no caso de saldo credor, ou com outro tributo federal ou ainda ressarcido.

O Pis/Cofins seriam extintos em 2027 e a CBS instituída conforme a alíquota única (que ainda será determinada). Também será reduzida a zero a alíquota do IPI sobre bens não industrializados na Zona Franca de Manaus.

Batista e Persici explicam que a terceira etapa (2029 a 2032) envolve a redução proporcional (em cinco partes) das alíquotas dos impostos estaduais e municipais, o ICMS e o ISS, bem como dos incentivos fiscais. O IPI, o ICMS e ISS seriam extintos em 2033.

Para os advogados, a reforma pode trazer um avanço no sistema tributário brasileiro ao simplificar e unificar tributos. “Além disso, a ideia é que se reduzam as questões relacionadas a conflito de competência, tanto sobre o imposto devido em determinada operação (por exemplo ISS x ICMS), quanto em relação ao ente competente para cobrá-lo.” Mas também consideram que ela poderá representar também um novo capítulo no contencioso tributário brasileiro porque surgirão conceitos e situações novas, que exigirão a manifestação do Poder Judiciário.

Na entrevista abaixo, Batista e Persici abordam alguns pontos da PEC 45/19.


–  Quais são os principais pontos da proposta de reforma tributária apresentada pelo relator, votada no início de julho?

Caio Persici e Michel Siqueira Batista: A proposta de texto substitutivo apresentada pelo Deputado Aguinaldo Ribeiro, relator da Proposta de Emenda o Constitucional nº 45 de 2019 (PEC 45/19) tem como principal ponto a unificação dos tributos sobre o consumo.

Nesse sentido, os cinco principais tributos incidentes sobre o consumo (Pis, Cofins, IPI, ICMS e ISS) serão unificados em dois, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que abrangeria os tributos hoje de competência federal (Pis, Cofins, IPI), e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que abrange o ICMS e ISS, de competência estadual e municipal respectivamente.

Além disso, há previsão de criação de um terceiro imposto, o Imposto Seletivo (IS), sem equivalente hoje e que serviria para onerar situações, bens e serviços que se deseje desestimular, como aquelas que prejudiquem a saúde ou o meio ambiente.

A ideia é que esse novo modelo, IVA (imposto sobre valor agregado) Dual, se aplica de forma ampla sobre as atividades econômicas, abrangendo desde operações tradicionais com bens e serviços, até atividades inovadoras da economia digital envolvendo intangíveis, com poucas exceções e variações de alíquotas.

Além disso, o IVA não comporá sua própria base de cálculo (cálculo “por fora”), o que acontece hoje no caso do ICMS, criando grande complexidade e falta de transparência no cálculo da carga fiscal.

É importante pontuar também que a proposta prevê o direito ao crédito do IVA incidente na aquisição de bens e serviços exceto para uso e consumo pessoal, isenção ou não incidência, sendo o crédito permitido independentemente do efetivo pagamento do IVA pelo fornecedor.

Por fim, há previsão de que Lei Complementar discipline o prazo máximo para ressarcimento em espécie de créditos acumulados em determinadas situações.


– Como se daria a transição do atual modelo para o futuro, caso os principais pontos da reforma sejam aprovados pelo Congresso Nacional?

Caio Persici e Michel Siqueira Batista: A regra de transição prevê um modelo para a substituição dos tributos atuais em oito anos.

A transição prevê inicialmente a instituição da CBS à alíquota de 0,9% (2026) que poderá ser compensada com o Pis/Cofins, inclusive na importação e no caso de saldo credor, ou com outro tributo federal ou ainda ressarcido.

No ano seguinte (2027), será extinto o Pis/Cofins, inclusive na importação, e a CBS será instituída conforme alíquota de referência. Além disso, será reduzida a zero a alíquota do IPI sobre bens não industrializados na Zona Franca de Manaus.

A terceira etapa (2029 a 2032) envolve a redução proporcional (em cinco partes) das alíquotas do ICMS e do ISS, bem como dos incentivos fiscais.

Por fim, em 2033 serão definitivamente extintos os demais tributos (IPI, ICMS e ISS) e as alíquotas de referência da CBS e do IBS serão calculadas pelo Tribunal de Contas da União e fixadas por resolução do Senado para compensar as reduções de receita dos entes federados.

Do lado dos entes federativos, haverá mudanças sobre o percentual de arrecadação cabível aos entes em operações envolvendo mais de um deles. Essa transição, que não afeta o contribuinte, está prevista para ocorrer de forma bastante suave, em 50 anos.


– Em sua avaliação, a versão atual da proposta de reforma traria aumento da carga tributária ou não? Quais seriam os setores econômicos beneficiados e os prejudicados? 

Caio Persici e Michel Siqueira Batista: É difícil precisar o impacto sobre cada setor, tendo em vista que as alíquotas aplicáveis ainda não estão definidas.

Além disso, o que se comenta é que eventual aumento de carga tributária sobre o consumo poderia ser neutralizado com uma redução da tributação sobre a renda. Tal comentário, no entanto, é meramente especulativo, imaginando o sistema tributário como um todo, tendo em vista que não há nenhuma vinculação entre as chamadas reforma do consumo e da renda, as quais, aliás estão sendo tratadas inclusive em instrumentos distintos e totalmente independentes.

Dito isso, as projeções iniciais têm apontado possível aumento de carga tributária em setores como de serviço e agronegócio. A razão é que historicamente são setores que por diversos motivos aproveitam reduções de carga tributária (por exemplo, no caso de serviços, passaria de uma alíquota de ISS de até 5% para uma alíquota padrão provavelmente superior a essa) que deixariam de ser aplicadas com o novo sistema, que pretende aplicar uma alíquota única sobre todas as operações, com poucas exceções.


– Em que medida a aprovação da proposta significaria um avanço para o país e para o nosso sistema tributário?

Caio Persici e Michel Siqueira Batista: A reforma pode representar um importante avanço no sistema tributário na medida em que pretende simplificar e unificar diversos tributos, o que a princípio diminuiria a complexidade do sistema como um todo.

Além disso, a ideia é que se reduzam as questões relacionadas a conflito de competência, tanto sobre o imposto devido em determinada operação (por exemplo ISS x ICMS), quanto em relação ao ente competente para cobrá-lo.

No entanto, é inegável que poderá representar também um novo capítulo no contencioso tributário brasileiro, uma vez que surgirão conceitos e situações novas, os quais certamente, por sua vez, exigirão a manifestação do Poder Judiciário.


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1 comentário
  1. pedro silva Diz

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