Código Civil será atualizado para tratar do mundo digital

Mudança na lei vigente há vinte anos visa reduzir descompasso com o dia a dia

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Ao longo dos últimos vinte anos, diversas mudanças tecnológicas e o avanço da digitalização ocasionaram um descompasso entre o dia a dia e os dispositivos do Código Civil. Diversas ferramentas de comunicação e de emissão de documentos digitais, de uso amplamente difundido, ainda não foram incorporadas pelo diploma. Essa defasagem deverá ser retirada em breve, com a revisão do Código Civil.

“Espera-se que a inclusão dos temas relacionados ao mundo digital no Código Civil sirva tanto para oficializar determinados procedimentos já pacificamente adotados quanto para endereçar assuntos que ainda tenham interpretação incerta ou ambígua”, afirmam as advogadas Gabriela Krieck e Bárbara Domene, sócia e associada do Carneiro de Oliveira Advogados. Atualmente, na ausência de regulação dentro do Código, essas matérias são tratadas por meio de analogias, precedentes judiciais e normas esparsas e/ou infralegais. Quando o código passar a disciplinar esses assuntos, a segurança será maior.

Dentre os temas relacionados ao direito digital que devem ser incluídos estão os contratos e documentos digitais em geral, reconhecendo os requisitos de idoneidade, validade e eficácia, e a simplificação de procedimentos que ainda exigem apresentação de documentação física. Outros se relacionam à proteção de dados, mediante a compatibilização com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e a regulamentação da inteligência artificial.

Na entrevista abaixo, Krieck e Domene abordam a revisão do Código Civil no que diz respeito ao direito digital.


– O novo Código Civil está há 20 anos em vigor, mas será revisto, e um dos focos de discussão diz respeito a mudanças provocadas pela tecnologia e o mundo digital. Essa alteração é necessária?

Gabriela Krieck e Bárbara Domene: A revisão, alteração e atualização do Código Civil é necessária. Neste contexto, é importante considerar que mudanças de todos os tipos, sejam elas de natureza social, tecnológica, econômica, política, local ou global, ocorrem a todo instante. Os processos legislativos em geral não são capazes de acompanhar a velocidade de tais mudanças, dada a necessidade de observar ritos constitucionais e preservar a segurança jurídica.

O Código Civil atual começou a ser elaborado no final da década de 1970, foi sancionado somente em 2002, e segue vigente desde então. Sua revisão, alteração e atualização, portanto, são necessárias para reduzir a disparidade com relação ao mundo atual, bem como para inclusão de temas que foram surgindo ao longo dos anos e em razão dos avanços tecnológicos que vêm ocorrendo de forma cada vez mais acelerada.


– A atualização do Código Civil é importante para proporcionar maior segurança jurídica no que diz respeito aos temas relacionados ao mundo digital?

Gabriela Krieck e Bárbara Domene: Sim, os temas relacionados ao mundo digital são alguns dos principais temas a serem incluídos no Código Civil. Nos últimos anos foram criadas diversas ferramentas de comunicação e de emissão de documentos digitais, de uso amplamente difundido, os quais ainda não foram incorporados pelo Código Civil, embora existam legislações esparsas sobre o tema.

Na prática, para regular tais novidades são utilizadas analogias, precedentes judiciais, e as referidas normas esparsas e/ou infralegais. No entanto, conforme afirmado pelo próprio ministro Luis Felipe Salomão, “o juiz interpreta, torna viva a legislação, mas não pode ir além dela”.

Espera-se que a inclusão dos temas relacionados ao mundo digital no Código Civil sirva tanto para oficializar determinados procedimentos já pacificamente adotados, quanto para endereçar assuntos que ainda tenham interpretação incerta ou ambígua.


– Que tipos de temas relacionados ao direito digital que precisam ser revistos, e por quê?

Gabriela Krieck e Bárbara Domene: Em linha com as questões anteriores, a revisão do Código Civil se faz necessária para aproximar a legislação o máximo possível da realidade atual da nossa sociedade.

Como exemplo de temas relacionados ao direito digital que precisam ser incluídos no Código Civil podemos citar a regulação de (i) contratos e documentos digitais em geral, reconhecendo os requisitos de idoneidade, validade e eficácia, bem como simplificação de procedimentos que ainda exigem apresentação de documentação física; (ii) proteção de dados, mediante a compatibilização com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais; e (iii) inteligência artificial, em especial com relação a parâmetros para uso legítimo desta tecnologia.


– Em entrevista, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que se estuda criar um novo livro para o código, relacionado ao direito digital. A alternativa lhe parece interessante?

Gabriela Krieck e Bárbara Domene: De acordo com o Regulamento Interno da Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojetos de Lei para Revisão e Atualização do Código Civil, foram criadas oito subcomissões para elaboração de propostas, em estrutura parecida com a divisão do Código Civil vigente, conforme segue: (i) parte geral; (ii) obrigações e responsabilidade civil; (iii) contratos; (iv) direito das coisas; (v) direito de família; (vi) direito das sucessões; (vii) direito digital; e (viii) direito de empresa. A subcomissão de direito digital é a única subcomissão que apresenta tema integralmente novo com relação à estrutura vigente do Código Civil.

Tendo em vista que o Código Civil é um documento extenso, com mais de dois mil artigos, e considerando a relevância e atualidade do tema de direito digital, a criação desse novo livro dentro do Código Civil é uma alternativa interessante, uma vez que facilitaria a identificação do tema, colaborando com a interpretação e aplicação das eventuais novas regras.

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