Como funciona a recuperação judicial de produtor rural

Endividamento elevado e quebras nas safras devem manter pedidos de RJ em alta

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Endividamento elevado e quebras nas safras, provocadas por eventos climáticos, vêm tirando o sono de produtores rurais – e levando muitos a entrar com pedidos de recuperação judicial (RJ). Desde 2020, os produtores pessoa física podem também fazer uso desse instituto e a expectativa é que os pedidos de RJ, que vêm em trajetória ascendente, continuem aumentando não só porque a base de comparação é pequena, mas também porque não se esperam alterações relevantes com relação às dívidas.

“O instituto da recuperação judicial é de suma importância para a preservação da atividade empresarial em razão de seu papel fundamental na economia. Por essa razão, o requerimento de recuperação judicial pelo setor rural foi facilitado nos últimos anos, o que se deu pela estabilização legislativa acerca da possibilidade de apresentação do pedido por pessoas físicas e de uma flexibilização da jurisprudência acerca dos critérios legais para a sua concessão, de modo que é natural que haja um aumento nos números de pedidos”, avaliam Claudio Pieruccetti e Clarissa Trigo, sócio e associada do Vieira Rezende Advogados.

O processo de RJ do produtor rural é bastante parecido com as RJ regulares, mas tem algumas particularidades, explicam os advogados. Uma delas é o prazo para que o empresário esteja registrado na junta comercial para que possa pedir a RJ. Nas empresas de outros setores, esse prazo é de dois anos, ou seja, a empresa precisa ter registro há pelo menos dois anos para fazer o pedido. Já para os produtores rurais é necessário atuar há dois anos, mas não é preciso estar registrado na junta há todo esse tempo; basta que o produtor esteja com o registro ativo quando pede a RJ.

Outra particularidade é a possibilidade de o produtor apresentar um plano especial de RJ – assim como microempresas e empresários de pequeno porte. A vantagem é a simplicidade no rito desse plano, cujos termos estão estabelecidos por lei e que dispensa a aprovação em assembleia de credores.

Os advogados do Vieira Rezende explicam ainda que a RJ do produtor rural abrange apenas os créditos que decorrem exclusivamente da atividade rural, o que deve estar documentado em seus livros contábeis, e que só podem ser incluídos no plano de RJ os créditos que não tenham sido renegociados junto às instituições financeiras em momento anterior ao pedido de RJ.

Quanto ao encerramento do processo de RJ, assim como empresas de outros setores, o produtor rural deve demonstrar ao juiz que foi capaz de cumprir com todas as obrigações previstas no plano de recuperação e de quitar suas obrigações perante os credores. Mas eles consideram que as políticas governamentais acabam tendo um peso maior para que os produtores possam se reequilibrar financeiramente.

Na entrevista abaixo, Pieruccettti e Trigo detalham aspectos da RJ do produtor rural.


Desde 2020, produtores rurais pessoas físicas podem entrar com pedido de recuperação judicial (RJ). Como funciona o processo? Há peculiaridades com relação aos pedidos de RJ apresentados por pessoas jurídicas?

Claudio Pieruccetti e Clarissa Trigo: A Lei nº 14.112/20 alterou a Lei de Recuperação e Falência (Lei nº 11.101/05), que passou a conferir aos produtores rurais a possibilidade de ingressar com o pedido de recuperação judicial, como forma de renegociar o pagamento de seus débitos e viabilizar a continuidade de seu negócio.

Apesar de não se distanciar do processo de recuperação judicial regular, a recuperação judicial do produtor rural possui algumas particularidades, a começar pela flexibilização do prazo de registro do empresário na junta comercial para o deferimento de sua recuperação, que para os demais empresários é de dois anos. No caso dos produtores rurais, a flexibilização exige apenas que a atividade venha sendo realizada há pelo menos dois anos e que sua inscrição na Junta Comercial esteja ativa no momento em que é feito o pedido de recuperação.

Foi esse o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema Repetitivo nº 1.145, ao editar a tese de que “ao produtor rural que exerça sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos é facultado requerer a recuperação judicial, desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento em que formalizar o pedido recuperacional, independentemente do tempo de seu registro”.

Assim, reconheceu-se que o registro não transforma o produtor rural em empresário, mas apenas o categoriza como tal e o sujeita ao regime empresarial, garantindo-lhe a possibilidade de requerer a recuperação judicial.

Outra particularidade da concessão da recuperação ao produtor rural consiste na sua inclusão no rol dos legitimados a apresentar plano especial de recuperação judicial, nos termos do artigo 70-A da Lei nº 11.101/05, o que era possibilitado apenas às microempresas e aos empresários de pequeno porte em razão do reconhecimento de sua situação distinta das dos demais empresários na economia nacional.

Contudo, a regra é que, assim como os demais empresários, o produtor rural se submeta ao procedimento comum de recuperação judicial, sendo necessário que opte por se sujeitar ao sistema especial ao realizar o pedido de recuperação.

A vantagem de aderir ao plano especial consiste na maior simplicidade do rito, cujos termos do plano são previamente estabelecidos por Lei e consistem no pagamento do débito em 36 parcelas mensais, que serão acrescidas de juros pela taxa Selic, e com o pagamento da primeira parcela em até 180 dias do ajuizamento da recuperação judicial.

Outro ponto positivo é que o plano especial será aprovado unicamente pelo juiz, que julgará sua viabilidade e analisará eventuais oposições apresentadas por credores, ao passo que para aprovação do plano recuperacional ordinário a lei exige a convocação de uma Assembleia de Credores, que deverá seguir diversos requisitos legais, o que inevitavelmente prolonga a duração do processo.

Por outro lado, há de se considerar que o plano especial apenas abrange aqueles credores que optem por ter seus créditos incluídos na recuperação judicial, sendo certo que aqueles que entendam por não se sujeitar a ela podem seguir com ações e execuções em face do recuperando, correndo normalmente o prazo prescricional para cobrança de seus créditos.

No procedimento comum de recuperação, por sua vez, quando deferido o processamento da recuperação judicial, ficam suspensas as ações e execuções por 180 dias, bem como os prazos prescricionais de cobranças, sendo que os tribunais vêm entendendo pela possibilidade de prorrogação desse período, chamado de stay period.

Dessa forma, cabe ao produtor rural analisar tais condições ao apresentar o pedido recuperacional e avaliar eventuais benefícios e prejuízos em optar pelo rito especial.

Quanto aos créditos sujeitos à recuperação judicial do produtor rural, vale destacar que esta apenas abrange aqueles que decorram exclusivamente da atividade rural, o que deve estar documentado em seus livros contábeis.

Por fim, ressalta-se que os créditos rurais apenas poderão ser incluídos no plano de recuperação caso não tenham sido renegociados junto às instituições financeiras em momento anterior ao pedido de recuperação judicial.


– No caso do produtor rural que entra em Recuperação Judicial, como fica o seu acesso ao crédito rural subsidiado e ao crédito em geral? 

Claudio Pieruccetti e Clarissa Trigo: O produtor rural que entra em recuperação judicial continua tendo direito ao crédito em geral, incluindo o crédito rural subsidiado. Afinal, o objetivo da recuperação judicial é justamente a manutenção da atividade econômica por ele exercida, de modo que proibir a concessão de crédito que poderá ser investido em sua empresa não seria condizente com o instituto.

Nesse sentido, buscando garantir maior segurança jurídica à concessão de crédito, a Lei nº 14.112/20 estabeleceu que o crédito concedido aos que se encontram em recuperação judicial terá natureza extraconcursal, ou seja, será pago com precedência sobre os demais no caso de quebra da empresa.

Assim, o acesso ao crédito do produtor rural em recuperação judicial é incentivado pela legislação justamente para dar maior efetividade ao processo de reestruturação da empresa.


– Quais são os fatores mais importantes para que o produtor rural consiga sair da RJ? Há diferenças com relação às RJs de empresas de outros setores?

Claudio Pieruccetti e Clarissa Trigo: A Lei não faz distinção entre os requisitos para o encerramento da recuperação judicial do produtor rural e dos demais empresários.

Desse modo, assim como para as empresas de outros setores da economia, o produtor rural empresário que se encontre em processo de recuperação judicial deve demonstrar ao juiz que foi capaz de cumprir com todas as obrigações previstas no plano de recuperação e de quitar suas obrigações perante os credores.

De toda forma, considerando as particularidades do agronegócio, alguns fatores se mostram mais relevantes à reestruturação econômica do produtor rural, como o aumento de políticas governamentais capazes de equilibrar os riscos enfrentados por esse setor.

A título de exemplo, destaca-se a possibilidade de concessão de crédito rural em condições mais atraentes, ou de subsídios que permitam a estabilização dos preços de insumos agrícolas, que facilitem a exportação da produção e criem formas de compensação ao produtor rural que enfrente perdas em razão de variações climáticas.

Portanto, para que o produtor rural consiga sair de recuperação judicial, é necessário que possa se reestruturar financeiramente, sendo certo que as políticas públicas desempenham um papel essencial nesse processo.


– Levantamento do Serasa Experian mostrou uma alta de 300% dos pedidos de Recuperação Judicial de produtores rurais pessoas físicas de 2022 para 2023. Como você avalia esse aumento? Quais são as perspectivas para 2024? 

Claudio Pieruccetti e Clarissa Trigo: O instituto da recuperação judicial é de suma importância para a preservação da atividade empresarial em razão de seu papel fundamental na economia.

Por essa razão, o requerimento de recuperação judicial pelo setor rural foi facilitado nos últimos anos, o que se deu pela estabilização legislativa acerca da possibilidade de apresentação do pedido por pessoas físicas e de uma flexibilização da jurisprudência acerca dos critérios legais para a sua concessão, de modo que é natural que haja um aumento nos números de pedidos.

Além disso, não se pode esquecer que o produtor rural representa uma ampla parcela da economia brasileira, que é composta em grande parte por pequenos e médios produtores, muitos deles pessoas físicas que até pouco tempo atrás não tinha acesso a esse mecanismo de reestruturação empresarial.

De outro lado, tem-se o fato de que o agronegócio possui certas particularidades, como sua dependência de políticas governamentais internas e externas, da importação de insumos, e, principalmente, a sua suscetibilidade a variações climáticas, que afetam diretamente a produção rural e se mostram cada vez mais recorrentes, gerando fortes crises para esse setor.

Assim, considerando que o requerimento de recuperação judicial ao produtor rural pessoa física é uma possibilidade relativamente recente, e que o setor vem sofrendo com altos índices de endividamento, é de se esperar que haja um aumento relevante desses pedidos. Diante disso, a tendência é que o número de pedidos de recuperação judicial por produtores rurais siga aumentando no ano de 2024, tendo em vista que não se vislumbram grandes alterações no atual cenário em curto prazo.


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