Contribuintes questionam suas notas de classificação em transação tributária

Discordância de visões entre Fisco e devedores sobre a capacidade de pagamento pode acabar na Justiça

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Em busca do acesso a condições mais vantajosas nos processos de transação tributária (modalidade de acordo entre o contribuinte e o Fisco), alguns contribuintes vêm buscando na Justiça a revisão das notas de classificação da capacidade de pagamento para efetuar uma transação tributária com a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional). Os critérios utilizados pela PGFN são considerados pouco claros.

Pelas regras da transação tributária com a PGFN, os contribuintes são classificados de acordo com a capacidade de pagamento das dívidas. Os créditos considerados de mais difícil recebimento recebem notas mais baixas, que fazem jus a descontos e parcelamentos maiores das dívidas. A capacidade de pagamento decorre da situação econômica do contribuinte que, por sua vez, é mensurada a partir de informações fornecidas pelo contribuinte. “Com estas informações, a PGFN desenvolve uma fórmula presumida de capacidade de pagamento que, ao fim, vem revelando conclusões frequentemente distorcidas”, consideram Mariana Guedes Gama Rodrigues e Débora Maiuri Cruz Brunetti, respectivamente sócia e associada do Vieira da Rocha, Machado Alves Advogados.

Rodrigues e Brunetti afirmam que, embora estejam estabelecidos na legislação, os critérios de uma transação tributária com a PGFN não estão claros: fazem referência a informações cadastrais, patrimoniais e econômico-fiscais do contribuinte, mas sem informar, objetivamente, quais são essas informações e como elas são efetivamente utilizadas. A discricionariedade da PGFN é considerada muito grande. “Importa dizer que o contribuinte, em regra, só terá acesso à metodologia de cálculo da PGFN após realizado o seu enquadramento. Esse processo certamente deveria ser mais otimizado e adequado à realidade de cada contribuinte.”

Um exemplo frequente é quando as empresas com receitas brutas expressivas são consideradas com boa capacidade de pagamento – mas sem que sejam analisados seus custos operacionais, que muitas vezes superam o faturamento, ou mesmo o seu grau de endividamento, que reduz a liquidez e a capacidade de honrar o parcelamento de tributos. Para a advogada, o processo poderia ser aprimorado com a maior participação do contribuinte nas tratativas iniciais e com a consideração de outros critérios sobre a liquidez do contribuinte.

A possibilidade de questionar a capacidade de pagamento 

Recentemente, a Brasilamarras, fabricante de amarras para uso naval e offshore, obteve uma decisão favorável da Justiça Federal  do Rio de Janeiro que determinava, por meio de tutela provisória, a sua mudança da classificação da nota B para a nota C. Pelo primeiro rating, a empresa poderia parcelar a sua dívida em 60 vezes, sem abatimento nos juros e na multa. Já a nota mais baixa lhe daria acesso a um parcelamento no dobro do tempo, em 120 vezes e com abatimento total dos juros e multas, além da possibilidade de utilizar prejuízo fiscal e base negativa de CSLL.

A empresa primeiro pediu a revisão da nota na própria PGFN, mas esta foi indeferida – e aí se optou por recorrer à Justiça. O argumento utilizado foi a falta de clareza nos critérios utilizados pela PGFN para efetuar a classificação. A empresa apresentou laudos que constataram piora na sua capacidade de pagamento. No entanto, a reclassificação da nota, ordenada pela Justiça em tutela provisória, não se efetuou porque a empresa perdeu a liminar a ordenava a mudança.

“Certamente se trata de um precedente muito relevante para os contribuintes, pois convalida, ainda que preliminarmente, a falta de clareza da metodologia utilizada pela PGFN. Mesmo após os efeitos desta decisão terem sido sustados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) ao analisar o Recurso interposto pela União Federal, a existência de um posicionamento favorável ao contribuinte não pode ser desconsidera”, dizem Rodrigues e Brunetti.

A busca pelo Judiciário por parte das empresas não se limita a esse pleito (revisão da classificação da capacidade de pagamento): algumas empresas vêm entrando com ações para que seus débitos tributários sejam inscritos na Dívida Ativa da União e, assim poder participar das transações tributárias.

Na entrevista abaixo, Rodrigues e Benetti abordam os critérios utilizados pela PGFN para a classificação dos contribuintes e as alternativas que estes dispõem para questioná-los.


– Quais são os critérios utilizados pela Fazenda Nacional para classificar os contribuintes de acordo com a sua capacidade de pagamento?

Mariana Guedes Gama Rodrigues e Débora Maiuri Cruz Brunetti: Na transação tributária junto à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), os descontos e as condições para pagamento devem ser orientados pela capacidade de pagamento do contribuinte e de acordo com a classificação dos débitos como irrecuperáveis ou de difícil recuperação.

Sobre a classificação da capacidade de pagamento do contribuinte, veja que se trata de fator decisivo para orientar as reduções e prazos oferecidos ao contribuinte para quitação de sua dívida. Quanto maior a capacidade de pagamento, menores serão os descontos e os prazos.

De acordo com a portaria que regulamenta essas transações, a capacidade de pagamento decorre da situação econômica do contribuinte.

Por sua vez, nos termos da mesma portaria, a situação econômica dos contribuintes é mensurada a partir das informações cadastrais, patrimoniais ou econômico-fiscais fornecidas pelo contribuinte à Administração Pública. Com estas informações, a PGFN desenvolve uma fórmula presumida de capacidade de pagamento que, ao fim, vem revelando conclusões frequentemente distorcidas.


– Esses critérios são claros e objetivos ou o processo de análise é subjetivo? O que poderia ser aprimorado?

Mariana Guedes Gama Rodrigues e Débora Maiuri Cruz Brunetti: Embora estejam estabelecidos na legislação, os critérios não estão claros em seu texto, pois fazem referência a informações cadastrais, patrimoniais e econômico-fiscais fornecidas pelo contribuinte, sem informar, objetivamente, quais são estas informações e como elas são efetivamente utilizadas pela PGFN para alcançar a classificação do contribuinte. Ou seja, o processo de análise abre espaço para uma enorme discricionariedade por parte da PGFN, havendo pouca participação do contribuinte nessa fase inicial. Importa dizer que o contribuinte, em regra, só terá acesso à metodologia de cálculo da PGFN após realizado o seu enquadramento. Esse processo certamente deveria ser mais otimizado e adequado à realidade de cada contribuinte.

Por exemplo, é muito frequente uma empresa que apresente expressiva receita bruta ser considerada pela PGFN como contribuinte com boa capacidade de pagamento sem que sejam considerados, em paralelo, os custos operacionais daquela empresa, que muitas vezes superam o seu faturamento, ou mesmo o seu grau de endividamento, o que evidentemente reduz a sua liquidez e a sua capacidade de honrar o parcelamento de tributos. Nesses casos, a receita bruta, por si só, não é determinante para que se afirme que determinado contribuinte possui grande capacidade de pagamento, muito pelo contrário. O aprimoramento desse processo requer, portanto, maior participação do contribuinte nas tratativas iniciais e que sejam levadas em consideração, na fórmula utilizada pela PGFN, informações que indiquem a baixa liquidez do contribuinte, como despesas que superem a sua receita, o nível de endividamento geral e não só tributário e a existência prévia de financiamentos dessas dívidas.


– Quais são as alternativas disponíveis aos contribuintes que não concordam com a classificação que receberam?

Mariana Guedes Gama Rodrigues e Débora Maiuri Cruz Brunetti: Na forma estabelecida pela Portaria 6.757/22, o contribuinte poderá apresentar pedido de revisão da classificação que lhe tenha sido atribuída, no prazo de 30 dias, contados da data em que tomar conhecimento do seu enquadramento. Nesse pedido, o contribuinte deve indicar o valor da capacidade de pagamento que estima para si, apresentando também a metodologia de cálculo e os documentos que sustentem suas conclusões. Caso a PGFN não reconsidere a capacidade de pagamento a partir do pedido de revisão do contribuinte, não restará alternativa senão buscar o Judiciário para requerer a reclassificação, como diversos contribuintes já vêm fazendo.


– Em recente decisão, a Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou a mudança da classificação de um contribuinte. Qual é a importância dessa decisão?

Mariana Guedes Gama Rodrigues e Débora Maiuri Cruz Brunetti: Certamente se trata de um precedente muito relevante para os contribuintes, pois convalida, ainda que preliminarmente, a falta de clareza da metodologia utilizada pela PGFN. Mesmo após os efeitos desta decisão terem sido sustados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) ao analisar o Recurso interposto pela União Federal, a existência de um posicionamento favorável ao contribuinte não pode ser desconsiderada.

Não podemos esquecer que, tanto a decisão de primeira instância, quando a decisão do TRF2 que a revogou, foram proferidas em caráter provisório, após uma análise apenas superficial dos elementos levantados no processo. É possível afirmar, então, que ao menos do ponto de vista processual, a decisão provisória do TRF2 não tem o potencial de interferir diretamente no convencimento do juiz de primeira instância, a quem ainda caberá proferir a sentença. Sendo assim, o posicionamento adotado pelo Juiz da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro permanece indicando uma forte tendência de que, em sentença, e após a análise aprofundada do caso, seja confirmada a alteração da classificação da capacidade de pagamento pleiteada pela autora da ação, dando novo fôlego à discussão e otimizando as chances em favor do contribuinte.


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