“Acordo Paulista” melhora condições para contribuintes

Programas de transação tributária concedem mais prazos e descontos para o pagamento de dívidas

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Aumento de prazos e descontos para quitar dívidas com o Estado de São Paulo. É o que prevê o Projeto de Lei 1.245/23, na pauta para ser votado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) em breve. O projeto institui o programa Acordo Paulista,  voltado a dívidas inscritas na dívida ativa, de natureza tributária ou não. Um dos seus objetivos é mitigar os efeitos econômicos da pandemia de covid-19.

“A adesão ao programa poderá ser positiva para os contribuintes, especialmente aqueles que sofreram os efeitos da pandemia nos últimos anos. Entretanto, devem ser avaliadas caso a caso as opções trazidas, considerando a situação particular de cada contribuinte, uma vez que as condições oferecidas e cabíveis para negociação podem variar bastante”, avaliam Bruna Luppi e Fernanda Rizzo, sócia e associada do Vieira Rezende Advogados.

Para Pedro Simão e Marina Guimarães, sócio e associada do Freitas Ferraz Advogados, se aprovado, o Acordo Paulista será uma boa oportunidade para parcelar as dívidas em mais vezes, aproveitando descontos poderão ser superiores aos atualmente praticados. Para os contribuintes em geral, hoje é possível parcelar as dívidas em no máximo 60 vezes – o projeto prevê estender o parcelamento para até 145 vezes (no caso das pessoas físicas) e até 120 vezes (para pessoas jurídicas). Os descontos para pagar multas e juros também poderão aumentar significativamente, dos atuais 20% a 40%, para até 65% no caso de débitos classificados como “irrecuperáveis” ou de “difícil recuperação” – como são os de empresas em recuperação judicial.

Acordo Paulista: pontos de aprimoramento 

Apesar dos potenciais benefícios do Acordo Paulista, há pontos que podem ser aprimorados no PL 1.245/23. Um deles, e que vem causando polêmica, diz respeito ao cancelamento de todas as multas administrativas aplicadas por agentes públicos estaduais  em razão do descumprimento de obrigações impostas para a prevenção e o enfrentamento da pandemia de Covid-19 – inclusive o uso obrigatório de máscaras nos estabelecimentos do Estado de São Paulo. “A princípio, o cancelamento desse tipo de penalidade se distancia dos outros pontos previstos no Projeto de Lei, focado majoritariamente nas dívidas tributárias, e resultaria num esvaziamento da penalidade imposta às pessoas físicas e jurídicas durante a pandemia”, afirmam Simão e Guimarães.

Luppi e Rizzo citam ainda outros pontos que podem ser aprimorados. Um deles é a impossibilidade de adesão dos contribuintes enquadrados no Simples, salvo se obtiverem autorização do Comitê Gestor. Além disso, o PL 1.245/23 autoriza a Procuradoria Geral do Estado averbar a certidão de dívida ativa não regularizada nos órgãos de registro de bens e direitos, bem como comunicar a inscrição em dívida ativa aos serviços de proteção ao crédito. Outro ponto é que o Procurador Geral poderá vedar a transação tributária que conceda desconto nas multas, juros de demais acréscimos legais para o devedor em inadimplência sistemática do pagamento do ICMS. Mas não há parâmetros e limites legais para conceituar o devedor em inadimplência sistemática, o que confere uma  discricionariedade muito ampla ao procurador. 

Resolve Já

Outra iniciativa do governo para facilitar o pagamento de dívidas é o programa Resolve Já (PL 1.246/23), aprovado pela Alesp. Simão e Guimarães explicam que os dois agem de forma complementar: “Por um lado, o PL 1.245/23 trata de créditos da Fazenda Pública Estadual já inscritos em dívida, e que podem ser tributários ou não. Do ponto de vista tributário, estarão sujeitas aos procedimentos propostos as dívidas referentes a ITCMD, IPVA e ICMS (salvo exceções previstas), tanto de pessoas físicas quanto jurídicas. Em contrapartida, o PL 1.246/23 traz especificamente alterações à Lei nº 6.374/1989, que dispõe sobre o ICMS em São Paulo. Nesse sentido, além de se restringir às autuações de ICMS, se limita também aos créditos tributários que não tenham sido inscritos em dívida ativa, numa tentativa de reduzir a judicialização das discussões.”

Na entrevista abaixo, os advogados do Vieira Rezende e do Freitas Ferraz abordam os principais pontos do Acordo Paulista e falam sobre possíveis aprimoramentos do PL 1.245/23.


– Quais são os principais pontos do PL 1.245/23, em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp)?

Pedro Simão e Marina Guimarães: O PL 1.245/2023 dispõe sobre os procedimentos para transação e cobrança de dívida ativa do Estado de São Paulo. Caso aprovado, pessoas jurídicas e físicas poderão ter regras mais favoráveis para quitar dívidas com o Estado de São Paulo, sendo elas de natureza tributária ou não, por meio do chamado “Acordo Paulista”. O programa trará nova sistemática de parcelamento para os valores exigidos, quando já inscritos na dívida ativa paulista, considerando a possibilidade de negociação via transação tributária. Sua organização é semelhante aos recentes programas de parcelamento do governo federal, e tem como um de seus objetivos a mitigação dos efeitos econômicos da pandemia de Covid-19.

Bruna Luppi e Fernanda Rizzo: O PL 1.245/23 dispõe sobre a transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos de natureza tributária ou não tributária inscritos na dívida ativa estadual e, ainda, sobre a cobrança da dívida ativa e modernização dos mecanismos para a sua cobrança.

Entre os pontos principais do PL estão a facilitação da quitação de dívidas e multas do ICMS paulista por meio do aumento de prazos e descontos para empresas que possuem débitos com o Poder Público, além da possibilidade de negociação por meio da transação tributária com condições mais favoráveis aos contribuintes e do negócio jurídico processual.

Também estão estabelecidos novos critérios a serem adotados na cobrança administrativa da dívida ativa, assim como previsão de não ajuizamento de execuções fiscais e desistência das já ajuizadas a depender da natureza, valor ou peculiaridade dos créditos e das demandas, o que será definido por ato infralegal segundo critérios de racionalidade, economia e eficiência.


– O que o PL 1.245/23 traz de novo com relação à transação tributária no Estado de São Paulo, considerando que essa possibilidade existe desde 2020?

Pedro Simão e Marina Guimarães: Conforme texto disponível, se o PL 1.245/23 for aprovado como está previsto atualmente, nos parcelamentos decorrentes de transações, pessoas físicas poderão quitar seus débitos com o governo estadual em até 145 vezes, enquanto as pessoas jurídicas, terão prazo máximo de 120 parcelas. Atualmente, os prazos praticados são de até 60 parcelas para contribuintes em geral, enquanto o último edital lançado pela PGE/SP permitiu o parcelamento em 84 vezes para sociedades em recuperação judicial.

Além disso, a previsão é de que os descontos nos pagamentos de multas, juros e demais acréscimos também serão maiores. Poderão chegar a 65% do valor transacionado, em caso de débitos classificados como “irrecuperáveis” ou de “difícil recuperação”. Nesse sentido, foram assim conceituados aqueles créditos “devidos por empresas em processo de recuperação judicial, liquidação judicial, liquidação extrajudicial e falência”. Em caso de pessoa física, microempresa ou empresa de pequeno porte, esse percentual poderá chegar a até 70%.

Dessa forma, com sua atual redação, o texto em discussão traz melhores possibilidade de pagamento de débitos tributários para o contribuinte. Hoje, por exemplo, há um limite máximo de 20% a 40% para descontos em multas, juros e demais acréscimos, a depender classificação de rating da empresa sob critérios do Fisco.

Além disso, o projeto ainda traz previsões específicas para transação de valores em discussão no contencioso, tanto de “pequeno valor” quanto de “relevante e disseminada controvérsia jurídica”. Nesse sentido, a Fazenda Estadual poderá publicar editais específicos para contribuintes que devam até determinado valor, por exemplo. Essa será uma boa oportunidade para resolver antecipadamente discussões que ainda não tiveram desfecho no âmbito judicial.

Bruna Luppi e Fernanda Rizzo:  O PL possibilita a realização de transações de débitos de pequeno valor por edital e de teses específicas que envolvam relevante e disseminada controvérsia jurídica, além de criar cadastro positivo de contribuintes para facilitar eventual negociação diferenciada com os devedores que são bons pagadores em geral. Ele aumenta os prazos e descontos autorizados e, ainda, possibilita o uso de créditos próprios ou de terceiros, incluindo créditos acumulados e de ressarcimento de ICMS, inclusive nos casos de substituição tributária (ICMS-ST), bem como de precatórios. Há, também, a possibilidade de celebração de negócio jurídico processual contemplando, inclusive, a elaboração de plano de pagamento a viabilizar a conformidade da situação fiscal e preservação da empresa, podendo ser combinada com as modalidades de transação.

Em linhas gerais, o PL 1.245/23 busca aprimorar a aplicação do instituto da transação no âmbito do Estado de São Paulo, pretendendo incorporar, no ordenamento jurídico estadual, as condições mais favoráveis aos contribuintes previstas na Lei Federal nº 13.988/20 (com a redação dada pela Lei nº 14.375/22), que regula a transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública no âmbito federal, de natureza tributária ou não tributária.

Assim, a transação estadual passa a prever avanços advindos da experiência da aplicação do instituto em âmbito federal, assim como a concessão de maiores vantagens aos contribuintes para opção pela transação e a modernização do modelo de cobrança do crédito inscrito em dívida ativa, trazendo novos mecanismos para incentivar a redução da litigiosidade tributária e o incremento da arrecadação, bem como a conformidade fiscal dos devedores.


– Há pontos do PL 1.245/23 que podem ser aprimorados?

Pedro Simão e Marina Guimarães: Ao analisar o texto em pauta, é possível identificar alguns pontos de atenção. Uma das questões que tem levantado discussões entre os Deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) é a previsão que determina o cancelamento de todas as multas administrativas, aplicadas por agentes públicos estaduais, em razão do descumprimento de obrigações impostas para a prevenção e o enfrentamento da pandemia de Covid-19. Dentre os decretos citados, está, inclusive, o de nº 64.959/2020, que estabeleceu o uso obrigatório de máscaras nos estabelecimentos do Estado de São Paulo. A princípio, o cancelamento desse tipo de penalidade se distancia dos outros pontos previstos no Projeto de Lei, focado majoritariamente nas dívidas tributárias, e resultaria num esvaziamento da penalidade imposta às pessoas físicas e jurídicas durante a pandemia.

Além disso, também foram propostas emendas para que se permita a transação aos devedores cujas dívidas ainda não estiverem inscritas em dívida ativa, nas mesmas condições citadas anteriormente, o que aumentaria a abrangência dos contribuintes contemplados pelo Acordo Paulista. Ademais, há pleitos de edição no texto apresentado com foco em sociedades em recuperação judicial ou extrajudicial. Nesse ponto, o objetivo seria de que o tratamento para sociedades nessas situações fosse o mesmo disponível para as pessoas físicas, bem como não sejam obrigadas a apresentar garantias para aderir à transação.

Bruna Luppi e Fernanda Rizzo:  Sim. E podemos citar alguns exemplos.

O PL não prevê a negociação de débitos ainda não inscritos em dívida ativa. Nesse sentido, tramita paralelamente o PL 1.246, chamado de “Resolve Já”, que segue as mesmas diretrizes do PL 1.245, mediante a oferta de parcelamentos, descontos na multa punitiva e utilização dos créditos acumulados de ICMS e precatórios, porém inclui débitos que ainda não foram inscritos em dívida ativa.

O PL tampouco possibilita adesão dos contribuintes que estejam enquadrados no Simples, exceto se houver autorização do Comitê Gestor, conservando a previsão legislativa atual (artigo 47, inciso III da Lei nº 17.293/20).

Ademais, na hipótese de quitação da dívida, em decorrência de utilização de meio alternativo de cobrança administrativa ou de protesto de título, incidirão honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor total da dívida atualizada.

O PL contém, ainda, autorização para a Procuradoria Geral do Estado averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa não regularizada nos órgãos de registro de bens e direitos, bem como comunicar a inscrição em dívida ativa aos serviços de proteção ao crédito.

Ainda, ao prever a vedação à transação que conceda desconto nas multas, juros de demais acréscimos legais para o devedor em inadimplência sistemática do pagamento do ICMS, o PL determina que a definição de “inadimplência sistemática” será disciplinada por ato do Procurador Geral do Estado. Portanto, não há parâmetros e limites definidos em lei para balizar essa conceituação, o que pode ser um ponto de alerta, pois o procurador terá toda a discricionariedade para trazer tal definição e seu alcance por meio de ato infralegal.


– Para os contribuintes, a adesão ao programa “Acordo Paulista” pode ser vantajosa? Em quais condições?

Pedro Simão e Marina Guimarães: Caso o PL 1.245/23 seja aprovado com a atual redação, a adesão ao Acordo Paulista pode ser vantajosa para os contribuintes que planejem regularizar seus débitos com a Fazenda Estadual. Será uma boa oportunidade para fazer uso de condições de parcelamento da dívida mais extensas, enquanto os descontos poderão ser maiores do que os atualmente praticados.

Além disso, outros exemplos práticos seriam a previsão de transação para débitos do “contencioso de pequeno valor” e do “contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica”. Nesses casos, os contribuintes poderão resolver, antecipadamente, teses tributárias cujo desfecho ainda esteja pendente no âmbito judicial, o que, a depender da discussão em curso judicialmente, pode representar um acordo mais favorável do que a possibilidade de condenação. 

Bruna Luppi e Fernanda Rizzo: A adesão ao programa poderá ser positiva para os contribuintes, especialmente aqueles que sofreram os efeitos da pandemia nos últimos anos. Entretanto, devem ser avaliadas caso a caso as opções trazidas, considerando a situação particular de cada contribuinte, uma vez que as condições oferecidas e cabíveis para negociação podem variar bastante.

1 comentário
  1. Rodrigo faustino Diz

    Boa tarde gostaria informações quando começa a valer essa lei desconto divida ativa

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