Projeto sobre arbitragem: remédio ou veneno?

O polêmico PL 3.293 quer mudar condições para impugnar árbitros, apesar do bom funcionamento do mecanismo

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Além de causar polêmica ao propor o fim do sigilo nas arbitragens, o Projeto de Lei 3.293, em tramitação no Congresso, causa discussão porque deverá acarretar um aumento das impugnações dos árbitros — ao menos num primeiro momento. Até agora, o afastamento dos árbitros vem ocorrendo de forma bastante esporádica: de todos os litígios em andamento pelas oito principais câmaras de arbitragem do País, houve impugnação em apenas 0,6% (foram menos de 4%, se considerarem os pedidos de impugnação). 

Os dados fazem parte da pesquisa Arbitragem em números e valores, da advogada Selma Lemes. Os árbitros são escolhidos em conjunto pelas partes e o sistema vem funcionando bem, na opinião dos especialistas. A impugnação pode ser pedida quando uma das partes questiona a escolha do árbitro por considerar que ele não seria imparcial ou não teria independência para julgar o caso. 

O polêmico PL 3.293 propõe uma alteração no artigo 14 da Lei da Arbitragem, que estabelece a necessidade de os árbitros revelarem fatos que denotem “dúvida justificada”, na expressão da lei, sobre a sua imparcialidade e independência. O projeto quer trocar a expressão “dúvida justificada” por “dúvida mínima”, o que traz maior subjetividade e aumentaria as possibilidades de questionamento e impugnações dos árbitros.

Se a mudança for efetuada, Guilherme Capuruço e Bruno Viana, respectivamente sócio e associado do Freitas Ferraz Advogados, consideram que, num primeiro momento, é provável que ocorra um aumento no número de impugnações à nomeação de árbitros e às sentenças arbitrais. Mas, para os advogados, a mudança pode aumentar a transparência e a segurança, fortalecendo a arbitragem. Na visão deles, haverá um processo de adaptação, no qual a conduta das partes na indicação dos árbitros, as revelações e aceitações dos árbitros indicados e as decisões proferidas sobre as impugnações tendem a amadurecer um novo patamar de confiança. “As partes serão desestimuladas a indicar árbitros cujo histórico possa influenciar na validade do procedimento. Árbitros, por sua vez, passarão a revelar fatos que, na visão das partes, possam comprometer sua imparcialidade”, afirmam.

Opinião diferente tem Lucas Hermeto, sócio do Vieira Rezende Advogados: “É um remédio que pode matar um paciente que não está enfermo.” Ele argumenta que a arbitragem só é eficiente se, após a sentença arbitral, a janela para questionamentos judiciais for bem restrita. Para ele, a imposição de um critério ao mesmo tempo indeterminado e excessivamente amplo (“dúvida mínima”) alargará consideravelmente essa janela, abrindo espaço para que partes de má-fé questionem no Judiciário sentenças arbitrais que lhes desagradem. 

Na entrevista abaixo, Capuruço, Viana e Hermeto abordam como funciona a impugnação de árbitros atualmente e falam sobre a mudança proposta pelo PL 3.293.


Os árbitros dos processos arbitrais são escolhidos em conjunto pelas partes. Em que ocasiões eles podem ser impugnados? 

Guilherme Capuruço e Bruno Viana: A Lei de Arbitragem prevê que os árbitros devem desempenhar suas funções com independência e imparcialidade, sendo-lhes aplicáveis as mesmas hipóteses de suspeição e impedimento que estão previstas no Código de Processo Civil para os juízes do Poder Judiciário.

A nomeação do árbitro pode ser impugnada quando lhe faltar independência ou imparcialidade, ou quando se estiver diante de alguma das hipóteses típicas de impedimento e suspeição do Código de Processo Civil. Um exemplo é quando o árbitro é credor de alguma das partes, ou quando alguma das partes é cliente do seu escritório de advocacia.

Além das hipóteses legais de suspensão e impedimento, alegações de dependência econômica e/ou parcialidade do árbitro costumam ser analisadas à luz das Diretrizes da International Bar Association sobre Conflitos de Interesses na Arbitragem. Essas diretrizes foram criadas para auxiliar partes e árbitros a identificar quando e como ocorre a perda de independência e imparcialidade.

Portanto, apesar da indicação dos árbitros pelas próprias partes, há mecanismos seguros para garantir a independência e a imparcialidade dos árbitros.

Lucas Hermeto: O mais comum, previsto nos regulamentos das principais câmaras de arbitragem do Brasil e do mundo, é que cada parte indique um árbitro e que os árbitros indicados pelas partes escolham conjuntamente o árbitro-presidente do tribunal. Normalmente, então, as impugnações são dirigidas ao árbitro indicado pela parte contrária. É claro que as partes só indicarão árbitros em que elas ou seus advogados confiam. O problema é quando essa confiança resulta de um relacionamento muito próximo, que faça com que aquele árbitro possa, em tese, ter comprometida a sua imparcialidade. Mas as estatísticas mostram que, muitas vezes, as impugnações são infundadas e se destinam apenas a impedir que a outra parte indique quem ela legitimamente quer indicar.


Como funciona o processo de impugnação de um árbitro e, quando isso ocorre, o que acontece com a arbitragem? 

Guilherme Capuruço e Bruno Viana:  Regra geral, a impugnação do árbitro ocorre logo após a sua indicação, antes mesmo de a arbitragem ser instaurada. A Lei de Arbitragem não dispõe sobre o procedimento de impugnação dos árbitros, ficando a matéria à cargo dos regulamentos de cada câmara de arbitragem.

O procedimento mais comum no Brasil é constituir um comitê especial, formado por três membros do corpo de árbitros da câmara de arbitragem, para decidir sobre a imparcialidade e independência do árbitro impugnado. Esse é o sistema adotado, por exemplo, na CAM-CCBC, na CAMARB, na CIESP/FIESP, mas não é o único.

Alguns regulamentos preveem que as impugnações serão decididas pela própria câmara de arbitragem. É o que acontece, por exemplo, da Câmara de Arbitragem do Mercado, da B3, onde as impugnações à nomeação do árbitro são decididas conjuntamente pelo presidente e pelos vice-presidentes da câmara.

A parte que impugna a indicação de um árbitro tem o ônus de comprovar o fato em que se funda a alegação. Ouve-se o árbitro impugnado. Uma vez acolhida a impugnação, devolve-se à parte (ou aos demais árbitros) que havia indicado o árbitro impugnado a faculdade de indicar outro. E a arbitragem seguem seu caminho natural.

Lucas Hermeto: Logo após ser indicado, o árbitro deve revelar eventuais relações profissionais e pessoais que possua com as partes e advogados da causa. Na maioria das vezes, árbitros são advogados. Assim, por exemplo, se no passado o árbitro advogou para uma das partes, ainda que isso necessariamente não gere o seu impedimento, é recomendável que a revelação seja feita – para que isso não possa gerar uma alegação de nulidade da arbitragem depois.

Após as revelações, as partes podem apresentar suas impugnações, que são decididas de plano pela câmara arbitral. O problema ocorre quando um fato deixa de ser revelado pelo árbitro. Nesse caso, as partes deveriam fazer a impugnação no primeiro momento em que tomam conhecimento do fato. Mas é comum que uma delas, de má-fé, guarde a alegação debaixo do braço como “trunfo”, para depois tentar anular a sentença arbitral no Poder Judiciário, caso o resultado lhe seja desfavorável. E se a alegação for acolhida, isso pode fazer com que a resolução do litígio que foi objeto da arbitragem demore anos a mais para ter uma solução definitiva, mesmo já tendo o seu mérito julgado pelo tribunal arbitral.


A recente pesquisa “Arbitragem em números e valores” mostrou que, em 2021, os pedidos de impugnação de árbitros foram de 4% dos litígios e os pedidos acolhidos representaram apenas 0,6% do total. Como você avalia o resultado?

Guilherme Capuruço e Bruno Viana:  O resultado expressa a segurança sobre a opção pela arbitragem como forma de resolução de disputas e sobre o sistema de indicação de árbitros. Realmente, é bastante raro que um árbitro em situação de conflito efetivamente aceite a indicação. Em regra, as partes analisam o histórico de atuação do árbitro e procuram conhecer os fatos disponíveis ao público antes de fazerem a indicação. Nesse momento, os árbitros são consultados sobre potenciais conflitos e já declaram se estão aptos ou não a exercer a função em determinado procedimento arbitral. 

Com isso, questões de parcialidade costumam ser endereçados muito antes de haver impugnação. A independência do árbitro é regra, e poucos profissionais destoam dos preceitos legais. Porém, ainda assim, há espaço para melhorar o sistema de revelações e otimizar o fluxo de informações entre partes e árbitros para que os padrões de segurança se elevem ainda mais.

Lucas Hermeto: Os números mostram que, no geral, a forma como as indicações são feitas funciona e que, em razão da existência de uma comunidade arbitral bem estabelecida e respeitada, as partes e os advogados normalmente têm confiança nos profissionais indicados pela parte contrária. Assim, qualquer medida para melhorar a transparência nas indicações deveria, quando muito, ser pontual, em vez de se pretender revolucionar totalmente o sistema.


O PL 3.293, que tramita na Câmara, imporá aos árbitros a necessidade de informar qualquer “dúvida mínima” com relação a sua imparcialidade e independência, substituindo a atual necessidade de informar “dúvida justificada”. Quais são os potenciais efeitos dessa mudança? 

Guilherme Capuruço e Bruno Viana:  Se aprovado, o PL 3.293 deve provocar um aprofundamento das pesquisas feitas pelos árbitros antes de aceitar a nomeação e aumentar o número de fatos revelados pelos árbitros quando de sua indicação. Num primeiro momento, é provável que haja também um aumento no número de impugnações à nomeação dos árbitros e às sentenças arbitrais. No futuro, a conduta das partes na indicação dos árbitros, as revelações e aceitações dos árbitros indicados e as decisões proferidas sobre as impugnações (das câmaras arbitrais e do próprio Poder Judiciário) tendem a amadurecer o novo patamar de confiança. As partes serão desestimuladas a indicar árbitros cujo histórico possa influenciar na validade do procedimento. Árbitros, por sua vez, passarão a revelar fatos que, na visão das partes, possam comprometer sua imparcialidade. Com isso, ganha-se em transparência e segurança, fortalecendo a arbitragem como mecanismo de resolução de disputas.

Lucas Hermeto: O instituto da arbitragem só é eficiente se, após a sentença arbitral, a janela para questionamentos judiciais for bem restrita. A imposição de um critério ao mesmo tempo indeterminado e excessivamente amplo (“dúvida mínima”), aplicável a um aspecto que condiciona a validade do procedimento, alargará consideravelmente aquela janela. Assim, partes de má-fé terão um subterfúgio muito maior para questionar, no Judiciário, sentenças arbitrais que lhes desagradem. É um remédio que pode matar um paciente que não está enfermo.

1 comentário
  1. Alex William Diz

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