Controverso, fim do sigilo na arbitragem desagrada advogados

Especialistas querem discussão mais aprofundada sobre o Projeto de Lei 3.293

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Passados 25 anos da sua entrada em vigor, a Lei da Arbitragem (Lei 9.307/96) está novamente sob os holofotes no Brasil. As discussões sobre o tema ganharam corpo com o Projeto de Lei 3.293, que propõe mudar alguns dos pontos centrais do fórum de resolução de conflitos: as regras que versam sobre o sigilo dos processos e a escolha dos árbitros encarregados de julgá-los. A pressa em votar a matéria — que recebeu requerimento de urgência para votação no Congresso — não está agradando os especialistas, que consideram necessário discutir o assunto de forma mais qualificada. No último dia 1º, houve outro requerimento à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas desta vez solicitando que o PL seja submetido a audiência pública.

A questão do sigilo na arbitragem é controversa. Uma das propostas do PL 3.293 é a publicação na internet da composição dos tribunais arbitrais, dos valores envolvidos nas disputas e das íntegras das sentenças proferidas pelas cortes arbitrais. O sigilo passaria a ser exceção, mantido apenas quando as partes pedirem confidencialidade (e desde que de forma embasada). 

Sócio do Vieira Rezende Advogados, Claudio Pieruccetti considera que mitigar o sigilo do procedimento significa contrariar a vontade das partes, que muitas vezes buscaram a arbitragem para não tornar públicas as disputas. “Acredito que o impacto da divulgação das sentenças será sistêmico, na medida em que muitas empresas, várias delas companhias abertas, poderão ter descortinados litígios com potencial de influenciar diretamente o seu valor de mercado”, avalia.

Outro ponto que o projeto quer alterar diz respeito à situação (prevista no artigo 14 da Lei da Arbitragem) em que o árbitro deve revelar fatos que denotem dúvida justificada sobre a sua imparcialidade e independência. O projeto quer substituir a expressão “dúvida justificada” por “dúvida mínima”. Para Pieruccetti, a nova palavra pode aumentar as chances de impugnação dos árbitros e certamente trará insegurança jurídica porque seu conteúdo é indeterminado. Com relação aos árbitros, o PL pretende limitar a participação concomitante de uma mesma pessoa em até dez casos.

Na entrevista abaixo, Pieruccetti aborda as principais propostas do PL 3.293 e seus potenciais impactos. 


Quais são os objetivos do Projeto de Lei 3.293? Por que ele se propõe a alterar as regras referentes à arbitragem?

Claudio Pieruccetti: A análise do texto do PL 3.293, na minha opinião, dá conta de que o seu principal objetivo é promover mudanças nas escolhas dos árbitros.

Primeiramente, porque a inserção do §8º no artigo 13 da Lei de Arbitragem limita a atuação de um indivíduo como árbitro a dez arbitragens concomitantes. Isso, claro, fará com que uma gama maior de profissionais passe a ser indicada para atuar como árbitro, na medida em que aqueles mais “tradicionais” terão sua atuação limitada ao número antes mencionado.

Ademais, a alteração da redação do §1º do artigo do 14 da Lei de Arbitragem, que pretende substituir a expressão “dúvida justificada” por “dúvida mínima”, tem o nítido intuito de aumentar as hipóteses — ou, pelo menos, as chances de futura impugnação — de caracterização de imparcialidade e independência, ainda que a expressão seja em si um conceito jurídico indeterminado, que contribui para um cenário de insegurança jurídica.

Lateralmente, o PL 3.293 tem por objetivo mitigar a confidencialidade dos procedimentos arbitrais, na medida em que a regra de a Ação Anulatória seguir o Código de Processo Civil (isto é, ser sigilosa na hipótese de a arbitragem prever o sigilo, nos termos do que dispõe o artigo 189, inciso IV, do Código) pretende ser alterada, a fim de se prever expressamente que a demanda anulatória “respeitará o princípio da publicidade”.

Nesse mesmo sentido, o PL ainda prevê a inserção de dois novos dispositivos na Lei de Arbitragem: os artigos 5-A e 5-B. Eles preceituam, respectivamente, que a instituição arbitral deverá publicar em sua página da internet a composição do tribunal arbitral e o valor envolvido nas disputas sob a sua administração, bem como a íntegra da sentença arbitral, hipótese na qual as partes poderão requerer que “eventuais excertos ou informações da decisão permaneçam confidenciais”.

Sobre os motivos da proposição, o que restou explicitado na justificativa do PL é que a presença de um mesmo árbitro em múltiplos procedimentos retira a celeridade das arbitragens, “abrindo brecha para o ajuizamento de uma maior quantidade de ações anulatórias”.

Lê-se, ainda, que o PL tem “o objetivo de prover limites à atuação do árbitro e otimizar o dever de revelação às Partes” e aproveitar para o instituto como um todo “as benesses da publicidade nas arbitragens com a Administração Pública”, o que serviria também para formar uma “jurisprudência arbitral”.


Com relação à arbitragem no Brasil, há pontos que podem ser aprimorados? O PL 3.293 traz propostas adequadas para promover esse aprimoramento?

Claudio Pieruccetti: Em que pese a constatação de que o uso da arbitragem tem sido crescente nos últimos anos, pode-se dizer que o instituto é ainda recente no Brasil. Prova disso é que a Lei de Arbitragem tem pouco mais de 20 anos. Até há pouco tempo, pouquíssimas eram as instituições arbitrais no País e a participação da administração pública em procedimentos arbitrais era fruto de previsões em leis esparsas, consolidadas somente em 2015.

Como tudo que é novo, por certo que a arbitragem nacional pode ser aprimorada, mas a meu sentir nada que seja tão significativo. No que se refere ao PL 3.293, talvez a limitação da participação em arbitragens concomitantes possa mesmo colaborar para a celeridade de procedimentos, cabendo apenas um maior debate e uma maior reflexão sobre quais os parâmetros a serem utilizados na fixação desse número.

Penso que medida mais interessante seria alterar a Lei de Arbitragem para afastar dúvidas sobre temas em que ainda se verifica controvérsia, como por exemplo, a competência – se judicial ou arbitral – para apreciar Embargos à Execução.

Sobre as propostas do PL 3.293, tenho, de pronto, duas observações. A primeira é a de que mitigar o sigilo do procedimento significa contrariar a vontade das partes, que muitas das vezes buscaram a arbitragem – procedimento no qual a vontade das partes é sempre prestigiada – justamente para não tornar públicas disputas que podem inclusive colocar em risco a vida das empresas, além de não contribuir para a formação de uma “jurisprudência arbitral” pelo fato de que as diferentes composições dos painéis serão sempre um fator impeditivo de uma uniformização de entendimentos.

Na verdade, a escolha pelos procedimentos arbitrais também tem como pano de fundo a possibilidade de uma “sentença personalizada”, conceito que se afasta um pouco daquele vigente no Judiciário, que é o da uniformização.

De se ressaltar, também, que a expressão “dúvida mínima” que se pretende inserir para fins de especificação do dever de revelação constitui conceito jurídico indeterminado, que contribuirá para um cenário de insegurança jurídica, hoje muito mais claro com a utilização recorrente das regras da International Bar Association (IBA), que indicam as listas vermelha, laranja e verde.


O que o PL 3.293 prevê com relação à divulgação das sentenças e a atuação dos árbitros?

Claudio Pieruccetti: Relativamente à divulgação, proposta inserida no que seria o novo artigo 5-B é a de que a instituição arbitral publique a íntegra da sentença em seu site, “podendo as partes, justificadamente, requerer que eventuais excertos ou informações da decisão permaneçam confidenciais”. Ou seja, o que o PL propõe é a inversão de valores, de modo que o sigilo passaria a ser a exceção, e mesmo assim somente autorizado se houver justificativa das partes para tanto. O simples desejo de manter uma disputa sob sigilo não seria mais suficiente.

Já no que diz respeito à atuação dos árbitros, o PL impõe uma limitação objetiva de quantidades de arbitragens em que um mesmo árbitro pode atuar concomitantemente (dez procedimentos). Especificamente quanto a integrantes da secretaria ou da diretoria executiva da câmara arbitral, ele estabelece impedimento a que tais pessoas funcionem como árbitros em procedimento que se encontre sob a administração da respectiva câmara.

Além disso, altera o §1º do artigo 14 para impor dever de revelação sempre que houver “dúvida mínima quanto à sua imparcialidade e independência”, expressão que certamente trará insegurança jurídica em razão do seu conteúdo indeterminado. Penso que seria mais adequado e proveitoso para o sistema que se fizesse referência expressa aos referenciais da IBA, mesmo que fosse para inseri-los como anexo da lei ou algo semelhante.


Se o PL fosse aprovado da forma como está, quais seriam os impactos da divulgação das sentenças e das restrições à atuação dos árbitros sobre a arbitragem no Brasil?

Claudio Pieruccetti: Difícil antecipar qual seria a interpretação a ser dada sobre tais normas, mas se o entendimento sobre as normas que tratam da escolha de árbitros for o de que são regras de ordem processual, elas terão aplicação imediata e aqueles que se encontram em situações de impedimento precisarão apresentar suas renúncias.

É esse, a meu ver, mais um ponto que merece adequação do projeto. A fim de evitar verdadeiro caos em procedimentos que já se encontram em andamento, alguns, por exemplo, com prazo aberto para prolação de sentença, é indispensável que o PL contenha uma disposição transitória para salvaguardar os casos em andamento e/ou que reveja um período de vacatio legis.

Acredito que o impacto da divulgação das sentenças será sistêmico, na medida em que muitas empresas, várias delas companhias abertas, poderão ter descortinados litígios com potencial para influenciar diretamente o seu valor de mercado.

Isto é, o impacto não será unicamente no meio arbitral, permitindo o conhecimento a respeito da fundamentação das decisões, mas poderá ter influência inclusive sobre a vida de investidores, sejam eles institucionais ou não.

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