Afinal, incidem impostos sobre rendimentos de depósitos judiciais?

STJ novamente vai analisar a tributação; expectativa de contribuintes é mudança de entendimento

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É comum empresas que questionam o pagamento de tributos entrarem com ações na Justiça e realizarem depósitos judiciais que suspendem o pagamento dos impostos até que ocorra o julgamento. Esses depósitos costumam ser remunerados pela taxa Selic. Mas sobre esses rendimentos deve incidir tributação pelo imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e pela contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL)? É isso o que deverá decidir a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A mesma questão será apreciada no que diz respeito à repetição de indébito (devolução de valores pagos a mais pelo contribuinte).

Será a segunda vez que a corte julgará o assunto. Da primeira, o entendimento foi contrário aos contribuintes: considerou-se que caberia a cobrança do IRPJ e da CSLL sobre os rendimentos obtidos nos depósitos judiciais. Agora, o STJ reanalisará o assunto, e contribuintes esperam que a corte mude o entendimento. Para Júlia Swerts e Pedro Simão, associada e sócio do Freitas Ferraz Advogados, a expectativa é que o STJ se alinhe à regra geral fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou que os juros de mora legais possuem natureza de indenização e, portanto, não devem ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL.

Fernanda Rizzo Paes de Almeida, associada do Vieira Rezende Advogados, diz que o STJ historicamente julgava legal a incidência de IRPJ e CSLL sobre valores referentes à Selic recebidos na repetição de indébito e na devolução de depósitos judiciais, por entender que a Selic teria natureza remuneratória. Já o STF, em contrapartida, entende que na repetição de indébito a Selic tem característica de dano emergente, que não é tributado pelo IRPJ e pela CSLL.

Os diferentes entendimentos levaram a tratamento não isonômico entre contribuintes: “Atualmente, um contribuinte que pagou um tributo indevidamente e possui valores a repetir não tributará a Selic pelo IRPJ e CSLL, ao passo que aquele que depositou o valor indevido e que levantará o depósito judicial sofrerá a tributação, em situação que foge à isonomia e à racionalidade do entendimento firmado pelo STF. Assim, necessário que ambos os casos, situações análogas, tenham o mesmo desfecho”, avalia Paes de Almeida.

Além de o julgamento ser relevante porque poderá adequar a jurisprudência ao entendimento do STF, favorável aos contribuintes, ela considera que também é importante porque o tema envolve grandes valores. Teses decididas em favor dos contribuintes nos últimos anos – como a “tese do século” – correspondem a um volume bilionário de devoluções que o governo terá de fazer. Ela nota ainda que, se o STJ considerar que a tributação não se aplica, esse mesmo entendimento pode se estender futuramente à repetição de indébito atualizado por outros índices que não somente a taxa Selic, como o IPCA, IGP-M e INCC.

Na entrevista abaixo, Simão, Swerts e Paes de Almeida abordam o histórico da questão e o julgamento.


– Por que o STJ irá julgar se incide tributação sobre os ganhos obtidos em depósitos judiciais e repetição de indébito, corrigidos pela taxa Selic?

Júlia Swerts e Pedro Simão: Em dezembro de 2022, o STF concluiu o julgamento do Tema 962, que afastou a incidência do IRPJ e da CSLL sobre a taxa Selic recebida na devolução de tributos pagos indevidamente, a chamada repetição de indébito tributário.

Após o julgamento dos Embargos de Declaração opostos pela União Federal, o colegiado esclareceu que a tese fixada no julgamento abrangeria apenas as hipóteses em que há acréscimo de juros moratórios, mediante a taxa Selic, na repetição de indébito tributário (inclusive na realizada por meio de compensação) tanto na esfera administrativa quanto na judicial. Adicionalmente, sobre a tributação dos valores relativos à taxa Selic recebidos no levantamento de depósitos judiciais, restou definido que é matéria de natureza infraconstitucional a ser analisada pelo STJ.

Diante disso, o REsp 1.138.695 foi remetido à Primeira Seção do STJ para análise.

Fernanda Rizzo Paes de Almeida: O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deverá analisar novamente a questão em razão do entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucional incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores referentes à taxa Selic recebidos na repetição de indébito tributário, possivelmente para adequar a sua jurisprudência à orientação constitucional da matéria.

Vale lembrar que, em relação ao levantamento de depósitos judiciais, o STF não analisou a tese, por entender infraconstitucional a matéria. Assim, tem-se atualmente uma discrepância de entendimentos entre o STJ e o STF a respeito da possibilidade ou não de tributação de tais valores, sendo necessário revisitar o caso considerando a nova realidade da matéria, a fim de se buscar uma uniformização do entendimento.


– Anteriormente, de que forma a corte havia julgado o mesmo assunto?

Júlia Swerts e Pedro Simão: Em 2007, a 1ª Seção do STJ havia decidido contra a tributação pelo IRPJ e pela CSLL dos juros incidentes na devolução de valores decorrentes de depósito judicial. Entendeu-se que, nessas situações, a taxa Selic teria não só a função de recompor o poder de compra, mas também de

indenizar à empresa por não ter disponíveis os recursos no período (REsp 436.302).

Posteriormente, em 2013, a mesma 1ª Seção do STJ julgou o REsp 1.138.695, sob o rito dos recursos representativos de controvérsia, tendo entendido pela incidência do IRPJ e da CSLL sobre os juros incidentes na devolução de valores decorrentes de depósito judicial. Na oportunidade, a corte entendeu que essas verbas iriam recompor determinada situação jurídica, o que representaria acréscimo patrimonial.

Nesse momento, o REsp 1.138.695 foi remetido também para a 1ª Seção do STJ para fins de análise de eventual “juízo de retratação”, uma vez que, em 2013, firmou o entendimento de que os mencionados juros possuem natureza remuneratória e, por isso, deveriam ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL.

Fernanda Rizzo Paes de Almeida: Historicamente, o STJ julgava legal a incidência de IRPJ e CSLL sobre valores referentes à Selic recebidos na repetição de indébito e na devolução de depósitos judiciais, por entender que a Selic, em razão de sua característica também de juros, teria natureza remuneratória, base de cálculo do IRPJ e da CSL. O STF, em contrapartida, entende que na repetição de indébito a Selic tem característica de dano emergente, que não é tributado pelo IRPJ e pela CSLL.


– Qual é a importância desse julgamento para as empresas e contribuintes?

Júlia Swerts e Pedro Simão: Esse julgamento é importante pelo reflexo que tem em todos os processos nos quais os contribuintes optem por realizar depósito judicial para suspender a exigibilidade do crédito tributário e, posteriormente, venham a ser vencedores.

Fernanda Rizzo Paes de Almeida: O julgado é relevante por se tratar de possível adequação da jurisprudência ao entendimento do STF favorável aos contribuintes, de maneira que ambos os tribunais passem a adotar posições congruentes sobre o tema, afastando o IRPJ e CSLL sobre a Selic tanto na repetição de indébito quanto no levantamento do depósito judicial. Atualmente, um contribuinte que pagou um tributo indevidamente e possui valores a repetir não tributará a Selic pelo IRPJ e CSLL, ao passo que aquele que depositou o valor indevido e que levantará o depósito judicial sofrerá a tributação, em situação que foge à isonomia e à racionalidade do entendimento firmado pelo STF. Assim, necessário que ambos os casos, situações análogas, tenham o mesmo desfecho.

Adicionalmente, o tema envolve grandes valores, principalmente considerando o desfecho favorável de algumas teses nacionais em favor dos contribuintes nos últimos anos, o que representa um volume bilionário de devoluções em processamento. Um dos casos emblemáticos é o da chamada “tese do século” (exclusão do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins), gerando milhares de pedidos de repetição dos valores indevidamente recolhidos pelos contribuintes.

Importante notar que o entendimento sobre a impossibilidade de tributação poderá se estender futuramente à repetição de indébito atualizado por outros índices, que não somente a taxa Selic. Isso porque entes federativos que utilizem outros índices para atualização de seus débitos deverão restituir valores recompostos por estes índices, como o IPCA, IGP-M, INCC, por exemplo, de maneira que, por terem característica de recomposição monetária, não estariam sujeitos à tributação.


– A decisão do STF do ano passado, que afastou a tributação pelo IRPJ e CSLL sobre remuneração pela Selic referente a impostos pagos a mais, pode ter alguma repercussão no julgamento do STJ?

Júlia Swerts e Pedro Simão: Sim, conforme exposto acima, o STJ reanalisará a incidência do IRPJ e da CSLL sobre a taxa Selic auferida no levantamento de depósito judicial para fins de eventual juízo de retratação. Tal situação considerou o julgamento do Tema 962 pelo STF no qual foi fixada a seguinte tese: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”.

Apesar de a decisão do STF não ter definido a tributação a ser aplicada sobre a Selic oriunda dos depósitos judiciais (por se tratar de matéria de natureza infraconstitucional), as razões de decidir são contrárias ao entendimento que já havia sido firmado pelo STJ em 2013, quando no julgamento do REsp nº 1.138.695/SC.

No julgamento do Tema 962, o Ministro Dias Toffoli, relator do caso, enfrentou expressamente o entendimento do STJ, para superá-lo e consignar que os juros de mora não configuram lucros cessantes e estão fora do campo de incidência do IRPJ e da CSLL, na medida em que objetivam recompor perdas e decréscimos, não implicando aumento de patrimônio do credor.

Assim, a expectativa dos contribuintes é o alinhamento conceitual da jurisprudência do STJ à regra geral fixada pelo STF, no sentido de que os juros de mora legais possuem natureza de indenização, afastando a sua tributação pelo IRPJ e pela CSLL.

Fernanda Rizzo Paes de Almeida: Espera-se que o STJ adote a posição firmada pelo STF a respeito da questão, assim como o tribunal tem atuado em relação a outras teses, o que podemos verificar, por exemplo, na adequação do entendimento do STJ sobre a exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, cuja jurisprudência era contrária até o julgamento da inconstitucionalidade da cobrança no STF.

Vale lembrar, ainda, que o caso foi levado a novo julgamento para eventual retratação, com fundamento justamente no precedente do STF sobre a repetição de indébito, de maneira que será invariavelmente considerado no julgamento em sede de retratação.


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