Sob novo estatuto, vida do contribuinte pode ser mais fácil

Lei Complementar 199/23 simplifica o cumprimentos de obrigações acessórias

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A complexidade do sistema tributário brasileiro abarca também as chamadas obrigações acessórias dos contribuintes, que estão relacionadas ao dever de prestar informações ou declarações para o poder público, de forma a facilitar ou viabilizar a arrecadação. Embora essas obrigações sejam acessórias, seu descumprimento pode gerar elevadas multas isoladas por parte da Receita Federal. Para facilitar a vida do contribuinte, foi editada a Lei Complementar 199/23, que institui o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias.

A lei foi bem recebida: “Com a simplificação e diminuição da quantidade de obrigações acessórias a cumprir, espera-se uma redução nos custos de conformidade e uma maior previsibilidade de procedimentos, cujo objetivo final é facilitar a conformidade fiscal e diminuir a sonegação”, avalia Fernanda Rizzo, associada do Vieira Rezende Advogados. A expectativa é que a padronização dos documentos fiscais diminua litígios decorrentes de simples erros de preenchimento e divergência de entendimentos em relação à infinidade de regras e procedimentos adotados individualmente para cada ente da Federação.

Pelo estatuto, as legislações e sistemas voltados ao cumprimento dessas obrigações devem ser padronizados. Documentos fiscais eletrônicos passarão a ter a emissão unificada, assim como os cadastros. As declarações dos contribuintes deverão ser pré-preenchidas, assim como as guias de arrecadação. E os meios de pagamento dos impostos devem ser facilitados. Ficam de fora as declarações relacionadas ao imposto de renda (IR) e ao imposto sobre operações financeiras (IOF) e, para empresas do Simples, valem apenas quando não houver conflito com atos de competência do Comitê Gestor do Simples.

“Será muito mais simples para o contribuinte entender quais serão as obrigações acessórias a cumprir, bem como referidos documentos serão expedidos com sugestões de preenchimento geradas a partir do cruzamento de informações dos sistemas informatizados, evitando-se inconsistências e, ainda, permitindo uma maior agilidade e eficiência no cumprimento e fiscalização das obrigações tributárias acessórias”, avalia Rizzo.

O Projeto de Lei 178/2021, que deu origem à Lei Complementar 199/23, previa a criação da Nota Fiscal Brasil Eletrônica (NFBe), da Declaração Fiscal Digital Brasil (DFDB) e a instituição do Registro Cadastral Unificado (RCU) – todos vetados pelo presidente. A NFB-e substituiria vários documentos por um modelo único nacional. A DFDB e o RCU permitiriam a unificação das bases de dados dos fiscos das três esferas de governo (Receita Federal e secretarias de fazenda ou finanças de estados e municípios). Para Rizzo, os vetos podem ser considerados positivos porque o momento já é de muitas adequações às empresas por conta da reforma tributária, e essas modificações trariam mais complexidade e, possivelmente, custos – embora a longo prazo pudessem ser positivas.

Na entrevista abaixo, Rizzo aborda os principais pontos do Estatuto e de que forma ele pode trazer benefícios para os contribuintes e entes federativos.


– Quais são os principais pontos da Lei Complementar 199/23, que instituiu o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias?

Fernanda Rizzo: A Lei Complementar nº 199/23 institui o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias, que nada mais é do que um conjunto de disposições que têm por objetivo diminuir os custos de cumprimento das obrigações tributárias para União, Estados, Municípios, Distrito Federal e contribuintes, assim como incentivar a conformidade por parte dos contribuintes. Para tanto, o estatuto prevê a padronização das legislações e sistemas direcionados ao cumprimento das obrigações acessórias, mediante a futura emissão unificada de documentos fiscais eletrônicos, unificação cadastral e processamento de dados no intuito de possibilitar ao contribuinte declarações pré-preenchidas e respectivas guias de arrecadação, com facilitação dos meios de pagamento.

Tal estatuto tem como destinatários todos os contribuintes, com exceção das obrigações acessórias referentes ao imposto de renda (IR) e ao imposto sobre operações financeiras (IOF) e, para empresas do Simples, a simplificação proposta de acordo com a Lei Complementar terá aplicação quando não conflitar com atos de competência do Comitê Gestor do Simples. Será criado um comitê com participação dos entes federativos para o estabelecimento das medidas de simplificação, cujas deliberações serão objeto de consultas públicas prévias à aprovação. Chama a atenção a possibilidade de compartilhamento de dados fiscais e cadastrais entre União, Estados e Municípios.


– A criação desse estatuto é importante para os contribuintes? Por quê? Na prática, o que vai mudar? 

Fernanda Rizzo:  A Lei Complementar 199/23 vem em boa hora. É necessária a simplificação das obrigações acessórias e nesse ponto ela está alinhada aos interesses finais de uma ampla reforma tributária, que também tem por objetivo simplificar a tributação, principalmente aquela sobre o consumo, que é a parcela que mais demanda procedimentos de conformidade fiscal e normalmente envolve obrigações acessórias diversas nas três esferas da Federação.

Após implementada a simplificação, o que se espera é que as declarações sejam pré-preenchidas, com dados extraídos dos documentos eletrônicos dos contribuintes, um único cadastro fiscal, notas fiscais e guias de recolhimento padronizadas. Será muito mais simples para o contribuinte entender quais serão as obrigações acessórias a cumprir, bem como referidos documentos serão expedidos com sugestões de preenchimento geradas a partir do cruzamento de informações dos sistemas informatizados, evitando-se inconsistências e, ainda, permitindo uma maior agilidade e eficiência no cumprimento e fiscalização das obrigações tributárias acessórias


– O Projeto de Lei 178/2021, que deu origem à Lei Complementar 199/23, previa a criação da Nota Fiscal Brasil Eletrônica (NFBe), da Declaração Fiscal Digital Brasil (DFDB) e a instituição do Registro Cadastral Unificado (RCU) – todos vetados pelo presidente. No que consistiriam esses instrumentos? O veto traz algum prejuízo relevante? 

Fernanda Rizzo:  A Nota Fiscal Brasil Eletrônica (NFB-e) substituiria vários documentos por um modelo único nacional. A Declaração Fiscal Digital Brasil (DFDB) e o Registro Cadastral Unificado (RCU) permitiriam a unificação das bases de dados dos fiscos das três esferas de governo (Receita Federal e secretarias de fazenda ou finanças de estados e municípios). Assim, na prática, haveria um único modelo nacional de nota fiscal e uma declaração fiscal unificada. O registro cadastral unificado seria uma espécie de identificação do contribuinte, como o número do CNPJ, e seria único para as 3 esferas (municipal, estadual e federal).

A alteração das obrigações tributárias, ainda que no caminho da simplificação, deve ser realizada de maneira planejada e gradual. Os vetos permitem uma aplicação paulatina das mudanças. Faz sentido que, ao invés de se deixar de utilizar os sistemas já criados e em uso e estabelecer-se novas declarações e documentos fiscais, que sejam utilizados os recursos já existentes de maneira que possam evoluir nos termos da Lei Complementar 199/23.

Em tese, seria mais econômico que o sistema da nota fiscal eletrônica já existente e ainda pendente de questões a serem homologadas de fato evoluísse com o acréscimo de mais recursos e integrações com outros sistemas, do que a estipulação de uma nova nota fiscal eletrônica. Ademais, poderia haver custo para as empresas se adequarem a tantas mudanças em um contexto de muitas formas de tributação durante o período de transição da reforma tributária em vias de ser aprovada. A criação de novo modelo de nota fiscal, declaração e registro únicos nesse momento poderia aumentar a lista de obrigações por parte das empresas, ao invés de diminuir.

Além disso, todos os entes públicos deveriam estar em situação de aderir a tais documentos, o que pode não ser a realidade de todos, principalmente de municípios menores. Embora possa no longo prazo representar uma redução de custos, uma alteração radical no cenário pode ser de fato desvantajosa. Os vetos até se mostrariam de certa forma interessantes no atual contexto, pois o estabelecimento de uma simplificação das obrigações acessórias deverá estar em condições de acompanhar o que virá com o término da reforma dos tributos sobre o consumo, evitando-se que as disposições da Lei Complementar 119/23 estejam obsoletas no momento das mudanças que ainda virão.


– Um dos objetivos da Lei Complementar 199/23 é o de diminuir os custos de cumprir as obrigações tributárias acessórias e reduzir os litígios. Esse objetivo poderá ser alcançado? 

Fernanda Rizzo:  Com a simplificação e diminuição da quantidade de obrigações acessórias a cumprir, espera-se uma redução nos custos de conformidade e uma maior previsibilidade de procedimentos, cujo objetivo final é facilitar a conformidade fiscal e diminuir a sonegação. A padronização dos documentos fiscais possibilitará uma análise mais acurada da apuração e revisão dos procedimentos fiscais, diminuindo litígios decorrentes de simples erros de preenchimento e divergência de entendimentos em relação à infinidade de regras e procedimentos adotados individualmente para cada ente da Federação.

Se os objetivos da legislação forem cumpridos, a quantidade de obrigações tributárias será diminuída drasticamente. Como consequência, deverá haver uma redução de custos da empresa com a própria gestão tributária, pois a eficiência dessa unificação de procedimentos terá, espera-se, o efeito de diminuir o atual tempo dispensado por profissionais para o cumprimento das tantas obrigações tributárias acessórias hoje existentes junto aos entes federativos, que não raras vezes adotam mecanismos diversos entre si em razão das tantas legislações específicas aplicáveis, assim como uma queda nas retificações de obrigações, que hoje fazem parte do dia-a-dia das empresas.


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