Mais segurança com o fim da multa isolada

Decisão do STF sobre declarações de compensação não homologadas beneficiam contribuinte

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Os contribuintes não serão mais penalizados com uma multa isolada de 50% quando tiverem os seus pedidos de compensação tributária recusados pela Receita Federal. Foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento bastante aguardado. A corte considerou a multa inconstitucional por não ser calcada em nenhum ato ilícito e pelo fato de o direito de petição ser assegurado pela Constituição Federal. O resultado foi considerado bastante positivo, na medida em que muda o entendimento automático de que o contribuinte praticou algum ato ilícito ao fazer o pedido de compensação.

“O maior impacto trazido pela decisão se refere à segurança jurídica, uma vez que os contribuintes não estarão mais sujeitos à violação de seu direito de petição ou mesmo restritos à livre utilização de seu patrimônio”, consideram Bianca Mareque e Vinicius Varela, associados do Vieira Rezende Advogados.

Outro possível impacto positivo da decisão, acreditam Júlia Swerts e Ligia Merlo, associadas do Freitas Ferraz Advogados, é a possível redução no contencioso administrativo fiscal, já que os contribuintes geralmente questionavam o lançamento da multa de 50% pela não homologação dos pedidos de compensação. “Vale ressaltar, contudo, que, em caso de não homologação de pedidos de compensação, o contribuinte ainda poderá estar sujeito a cobrança de juros e multa moratória de 20% decorrente da falta de recolhimento do tributo dentro do prazo”, lembram as advogadas.

A compensação tributária é uma espécie de conciliação de contas, pela qual os contribuintes buscam reaver impostos pagos a mais. Com a autorização da Receita Federal, ele tem seus créditos validados e pode usá-los para pagar tributos. No entanto, quando o Fisco não aprova (não homologa) a compensação, multava o contribuinte em 50%.

Na entrevista abaixo, Swerts, Merlo, Mareque e Varela explicam o que mudou com relação à multa isolada e detalham a questão.


– A decisão do STF se aplica apenas a multas isoladas decorrentes de compensação tributária não homologada? O que acontece com relação às demais multas isoladas?

Júlia Swerts e Ligia Merlo: A multa isolada ou a chamada “multa de 50%” é uma penalidade prevista na legislação federal (artigo 44, II e art. 74, §§ 15 e 17 da Lei nº 9.430/96) nas seguintes hipóteses:

(i)         quando há recolhimento a menor de imposto de renda, no caso de pagamento mensal de pessoas físicas,

(ii)        quando há recolhimento a menor de estimativas, no caso de pessoas jurídicas e;

(iii)      no caso de pedido de ressarcimento indeferido e de declaração de compensação não homologada pela Receita Federal.

É sobre esse último caso (item iii) que se pautou a decisão do STF na análise do Tema 736 (ADI 4905 e RE 796939). No julgamento, o STF, à unanimidade, negou provimento ao recurso interposto pela União Federal e declarou a inconstitucionalidade da multa isolada por compensação não homologada. Segundo a corte, essa multa é inconstitucional, por não haver ato ilícito que justifique a aplicação dessa penalidade, por se tratar de um legítimo exercício do direito de petição, assegurado pela Constituição Federal.

Esse entendimento aplica-se tão somente as multas previstas no artigo 74, §§15 e 17 da Lei nº 9.430/96 – ou seja, no caso de pedido de ressarcimento indeferido e de declaração de compensação não homologada pela Receita Federal – de modo que a multa prevista no artigo 44, II da mesma lei ainda poderá ser aplicada, desde que de forma não concomitante com a chamada “multa de ofício” – multa de 75% sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e de declaração inexata – conforme pacífica jurisprudência dos tribunais.

Bianca Mareque e Vinicius Varela: A multa isolada por compensações tributárias não homologadas tem previsão no artigo 74, § 17º, da Lei 9.430/96, que trata, exclusivamente, dessa hipótese – decisão que negue a declaração de compensação do contribuinte.

Isto é, outras hipóteses que possam implicar na aplicação de multa isolada – como o descumprimento de obrigações acessórias ou falta de recolhimento de estimativas de imposto de renda pelas pessoas jurídicas sujeitas à tributação com base no lucro real –  estão previstas em outros dispositivos legais e não foram objeto de análise por ocasião do julgamento do Tema 736 de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (RE nº 796.939/RS).

Nesse sentido, e considerando que o STF se limitou, na oportunidade de análise do Tema RG 736, ao entendimento pela inconstitucionalidade da multa de 50% aplicada às compensações declaradas pelos contribuintes e não homologadas pelo Fisco, tem-se que o julgamento apenas tem efeitos em relação à hipótese/dispositivo analisado, não sendo possível o alargamento da interpretação firmada em sede de repercussão geral para as demais multas isoladas previstas na legislação, independentemente de eventual similaridade entre as penalidades.


– Quando a compensação não for homologada, o contribuinte continua sujeito a penalidades?

Júlia Swerts e Ligia Merlo: Embora em seu voto o ministro Alexandre de Moraes tenha feito ressalvas para admitir a imposição da multa dos §§15 e 17 do artigo 74 da Lei nº 9.430/96 nos casos de comprovada má-fé e dolo do contribuinte, o STF decidiu, por maioria, no julgamento do Tema 736, que, em caso de mera não homologação da compensação de débito pela Receita Federal, não seria aplicável a multa de 50%. Vale ressaltar, contudo, que, em caso de não homologação de pedidos de compensação, o contribuinte ainda poderá estar sujeito a cobrança de juros e multa moratória de 20% decorrente da falta de recolhimento do tributo dentro do prazo.

Apenas em casos específicos, como o da legislação previdenciária, há possibilidade de aplicação de multa de até 150% do valor do débito compensado em caso de comprovada falsidade da declaração, conforme determina o artigo 89, § 10º da Lei nº 8.212/91.

Bianca Mareque e Vinicius Varela: No caso de declaração de compensação transmitida pelo contribuinte e não homologada pelo Fisco, fica o contribuinte sujeito ao pagamento do débito quitado via compensação, e, ainda, nos termos do artigo 61, da Lei 9.430/96, à incidência de juros Selic sobre o débito, calculados sobre o seu valor histórico; e multa de mora, limitada a 20% do seu valor, em razão do atraso no pagamento do tributo.

Assim é que, apesar da impossibilidade de cobrança da multa isolada de 50% do valor compensado, prevista no §17º, do artigo 74, da Lei nº 9.430/96, em razão do entendimento firmando no âmbito do STF, fica ainda o contribuinte sujeito a penalidades em razão da não homologação de sua declaração compensação – multa de mora, que pode ser fixada em até 20% do valor do débito compensado.


– Os contribuintes que já pagaram a multa poderão reaver os valores? Em caso afirmativo, o que precisam fazer para tanto?

Júlia Swerts e Ligia Merlo: Por se tratar de um julgamento em sede de Ação Direta de Constitucionalidade, ele terá efeito vinculante e deverá ser observado por todos os órgãos da administração pública e do Poder Judiciário.

Desse modo, caso o recolhimento da multa tenha ocorrido nos últimos cinco anos, será possível reaver os valores indevidamente recolhidos mediante Pedido de Restituição ou de Ressarcimento diretamente à Receita Federal, não sendo necessário, a princípio, o ajuizamento de ação específica para esse fim. 

Bianca Mareque e Vinicius Varela: O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE nº 796.939/RS, declarou a inconstitucionalidade da multa isolada prevista no § 17º, do art. 74, da Lei nº 9.430/1996, mas, até o momento, não modulou os efeitos da referida decisão, de modo que, por ora, conta com efeito prospectivos e também retroativos.

Com isso, e considerando, portanto, que não foi fixada limitação para fins de fruição dos termos da decisão, é possível aos contribuintes que se sujeitaram ao recolhimento da referida multa reaver os valores indevidamente pagos em favor do Fisco.

Isso porque, conforme se extrai do artigo 165, do Código Tributário Nacional (CTN), poderá o sujeito passivo requerer a restituição do tributo pago indevidamente, o que se estende, inclusive, às penalidades pecuniárias, o que engloba eventuais multas, nos termos da redação do artigo 167, do CTN.

Assim, para que possa reaver eventuais valores pagos de forma indevida, precisará o contribuinte ajuizar ação de repetição de indébito, instruindo sua petição inicial com os comprovantes de recolhimento da multa de 50% cobrada em razão de declarações de compensação não homologadas.


– A multa isolada acabava fazendo com que nem sempre o contribuinte pleiteasse a compensação tributária, por temor da multa em caso de não homologação? A decisão da corte pode ter como impacto o aumento dos pedidos de homologação de compensações tributárias ou algum outro impacto importante?

Júlia Swerts e Ligia Merlo: Sem dúvidas a decisão do STF traz mais segurança aos contribuintes para efetuarem seus pedidos de compensação, de modo que é possível que haja um aumento nesses pedidos no âmbito da Receita Federal.

Além disso, tendo em vista a vinculação da decisão à administração pública, espera-se uma redução no contencioso administrativo fiscal, já que que o lançamento da multa de 50% pela não homologação dos pedidos de compensação comumente era impugnado pelos contribuintes.

Bianca Mareque e Vinicius Varela: Apesar de a cobrança de multa isolada de 50% trazer um cenário de insegurança jurídica aos contribuintes de boa-fé, não há indicação de que, de fato, inibia a transmissão de declarações de compensação.

Isso porque, apesar de determinados créditos demandarem, para sua homologação, a análise de documentos que atestem a sua formação, é certo que representam parcela do patrimônio da pessoa jurídica. Mais ainda, pelo fato de que o sistema tributário observado no Brasil é propício ao acúmulo e discussão de créditos – saldo negativo; retenções na fonte, Pis e Cofins e outros.

Assim, no que se refere aos contribuintes de boa-fé, entende-se que a multa isolada de 50% não se configurava causa suficiente à inutilização de créditos de sua titularidade.  De igual forma, quanto a futuras declarações, entende-se que não haverá grande impacto, no sentido de que aumentem de forma considerável (à exceção de eventuais declarações transmitidas com má-fé por parte dos contribuintes).

O maior impacto trazido pela decisão se refere à segurança jurídica, uma vez que os contribuintes não estarão mais sujeitos à violação de seu direito de petição ou mesmo restritos à livre utilização de seu patrimônio.

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