Multa confiscatória entra na pauta do Supremo

Corte julga limites da aplicação de multa isolada decorrente do descumprimento de obrigação acessória

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Faz sentido que um contribuinte seja obrigado a pagar uma multa desproporcional à infração que cometeu, e mesmo que tenha pagado corretamente determinado tributo? O Supremo Tribunal Federal (STF) está se deparando com essa questão no julgamento do Tema 487, que versa sobre o caráter desproporcional da multa confiscatória isolada aplicada em razão do descumprimento de obrigação acessória.

Esse tipo de obrigação corresponde a alguma prestação prevista pela legislação para viabilizar ou facilitar a arrecadação de tributos, explica a advogada Ligia Merlo, associada do Freitas Ferraz Advogados. Quando o contribuinte não a cumpre, ou a cumpre fora do prazo ou de forma inexata, o Fisco aplica a chamada multa isolada, mesmo que o contribuinte tenha pagado o tributo. “O que se observa, contudo, é que essas multas, regra geral, não são graduadas de acordo com a gravidade da infração cometida, o que tem levado os contribuintes a discutirem no Judiciário a abusividade de sua instituição”, diz Merlo.

Ainda não há uma definição objetiva sobre a partir de qual percentual a multa isolada pode ser considerada confiscatória. Merlo acredita que isso ocorre quando elas são desproporcionais às infrações comedidas e oneram significativamente as operações realizadas pelos contribuintes. “O que se observa é que a aplicação dessas multas de forma abusiva é prática cada vez mais comum pela fiscalização tributária, sendo possível verificar no Judiciário diversos processos tributários nos quais os contribuintes vêm buscando o seu afastamento ou redução.”

O STF começou a julgar a questão em 25 de novembro. O voto do relator, ministro Roberto Barroso, fixou a tese de que a multa isolada não poderá ser superior a 20% do valor do tributo devido, quando há obrigação principal subjacente. Mas o processo foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Dias Toffoli, e ainda não há previsão de quando a corte volta a se debruçar sobre o assunto.

A advogada do Freitas Ferraz considera que o julgamento é de grande relevância não apenas porque definirá em sede de repercussão geral os limites para instituição da multa isolada por descumprimento de obrigações acessórias, mas também porque servirá como importante precedente para outros casos em que se discute o caráter confiscatório de multas dadas pela fiscalização tributária.

Na entrevista abaixo, Merlo explica o que são as obrigações acessórias e aborda a importância desse julgamento.


– O que são as obrigações acessórias dos contribuintes e quais são as possíveis penalidades para aqueles que não as cumprirem?

Ligia Merlo: Nos termos do artigo 113 do Código Tributário Nacional (CTN), a obrigação tributária pode ser principal ou acessória. Enquanto a primeira tem como objeto o pagamento de um tributo ou de uma penalidade (como é o caso das multas, por exemplo), as obrigações acessórias correspondem a prestações previstas pela legislação para viabilizar ou facilitar a arrecadação de tributos.

Desse modo, a legislação tributária prevê a aplicação da chamada multa isolada em razão da ausência, atraso ou inexatidão na entrega de obrigações acessórias, sendo tais multas devidas ainda que o tributo tenha sido integralmente recolhido. Nesse sentido, a multa isolada não tem como causa a ausência de pagamento de tributo ou prática de ilícito tributário, mas sim o descumprimento de um dever instrumental.

O que se observa, contudo, é que essas multas, regra geral, não são graduadas de acordo com a gravidade da infração cometida, o que tem levado os contribuintes a discutirem no Judiciário a abusividade de sua instituição.


– Quando as multas isoladas podem ser consideradas confiscatórias? Essas situações são comuns?

Ligia Merlo: Ainda não há uma definição objetiva sobre a partir de qual percentual a multa isolada pode ser considerada confiscatória, em violação do artigo 150, IV da Constituição Federal. Apesar disso, é possível observar seu caráter confiscatório quando as multas se mostram desproporcionais às infrações comedidas, já que nesses casos a aplicação de multa acaba onerando significativamente as operações realizadas pelos contribuintes.

O que se observa é que a aplicação dessas multas de forma abusiva é prática cada vez mais comum pela fiscalização tributária, sendo possível verificar no Judiciário diversos processos tributários nos quais os contribuintes vêm buscando o seu afastamento ou redução.


– O que o STF começou a julgar no RE 640452 (Tema 487)?

Ligia Merlo: O Tema 487 versa sobre o caráter confiscatório e desproporcional da multa isolada aplicada em razão do descumprimento de obrigação acessória, tendo em vista a instituição de multa de 40% sobre o valor da operação pelo Estado de Rondônia em razão da não emissão de documentos fiscais (artigo 78, inciso III, alínea “i”, da Lei 688/96).

Assim, o que se discute no referido julgamento é o caráter desproporcional e confiscatório da multa isolada aplicada em razão do descumprimento de obrigação acessória e calculada em função do valor da operação.

Até o momento, a votação, que se iniciou no dia 25 de novembro, conta com um voto do relator, ministro Roberto Barroso, que deu provimento ao recurso, fixando a tese de que a multa isolada não poderá ser superior a 20% do valor do tributo devido, quando há obrigação principal subjacente.

Todavia, o processo atualmente encontra-se suspenso em razão do pedido de vista do ministro Dias Toffoli, ainda não havendo previsão de retorno da questão na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).


– Qual é a importância desse julgamento? É possível antever algum desfecho?

Ligia Merlo: O julgamento é de grande relevância, uma vez que será responsável por definir, em sede de repercussão geral, os limites para instituição da multa isolada por descumprimento de obrigações acessórias. Além disso, ele servirá como importante precedente para outros casos em que se discute o caráter confiscatório na instituição de multas pela fiscalização tributária.

Ainda é cedo, contudo, para antever um possível desfecho pela questão pelo STF. No entanto, espera-se que os demais ministros do Supremo, seguindo o voto do ministro relator, estabeleçam limites razoáveis para a instituição de tais multas, sobretudo ao se considerar o impacto dessas penalidades abusivas na atividade econômica dos contribuintes.

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