Indefinição sobre local de incidência do ISS permanece
STF vai julgar controvérsia no plenário físico
O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o local onde deve ser pago o imposto sobre serviços (ISS) deverá recomeçar no plenário físico, com possibilidade de alteração dos votos dos ministros no plenário virtual. Na ocasião, os ministros formaram maioria e consideraram que era inconstitucional a cobrança do ISS nos municípios dos tomadores do serviço. No entanto, tudo pode mudar no plenário físico, já que o julgamento recomeça do zero a partir do pedido de destaque feito pelo ministro Gilmar Mendes, tornando necessária a apresentação de uma nova fundamentação pelos ministros.
“Apesar de ser difícil antever o desfecho da controvérsia, pode-se afirmar que há uma tendência para que se aplique o entendimento segundo o qual a tributação deve ocorrer no local onde as empresas prestadoras estão localizadas, considerando que já havia maioria formada no julgamento virtual, em que sete ministros acompanhavam o relator nesse sentido”, consideram Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira, associadas do Vieira Rezende Advogados.
O julgamento afeta principalmente empresas que prestam serviços, como planos de saúde, administradoras de fundos e de consórcio, de cartões de crédito ou débito, leasing e franquias. Além de modificar a arrecadação — que seria deslocada para os municípios tomadores de serviço — a mudança no local de pagamento do ISS teria importantes efeitos sobre os contribuintes: “Eventual deslocamento do local da incidência poderá resultar em substancial aumento dos custos operacionais”, consideram os advogados Sávio Hubaide e Pedro Simão, associado e sócio do Freitas Ferraz Advogados.
A questão começou em 2016, quando a Lei Complementar 157/16 mudou a sistemática e considerou que o ISS seria devido nos locais onde estavam os tomadores de serviços — e não nos municípios onde estavam os prestadores de serviços, como era determinado pela Lei Complementar nº 116/03. No entanto, dada a dificuldade de implementação da nova forma de cobrança (já que o país conta com mais de 5,5 mil municípios), foi concedida uma medida cautelar que suspendeu os efeitos desses dispositivos, até que o STF julgasse o mérito da questão. Desde então, os prestadores de serviço permanecem recolhendo o ISS aos municípios onde estão sediados. Em 2020, uma nova lei (Lei Complementar nº 175/20) tentou solucionar os problemas ao definir um conceito de tomador de serviços, determinar a criação de um sistema unificado para cumprimento das obrigações acessórias relativas ao ISS e estabelecer regras de repartição de receitas entre os municípios. No julgamento, o STF irá decidir sobre as duas leis (157/16 e 175/20).
Na entrevista abaixo, Hubaide, Simão, Rosa e Laranjeira abordam o julgamento e a sua importância para municípios e contribuintes.
– O que o STF irá julgar a respeito do local de pagamento do ISS, nas ADIs 5.835, 5.862 e ADPF 499?
Sávio Hubaide e Pedro Simão: O STF analisará a constitucionalidade de dispositivos legais que deslocaram o local da incidência do ISS de determinados serviços para os municípios onde se situam os tomadores. Entre os serviços impactados estão aqueles prestados por planos de saúde, pelas administradoras de fundos quaisquer, de consórcio, de cartões de crédito ou débito, leasing, franquias, entre outros.
Embora o julgamento tenha em muito evoluído no plenário virtual, tendo a maioria dos ministros entendido pela inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Complementar nº 116/03, alterados pela LC nº 157/16, o ministro Gilmar Mendes fez um pedido de destaque que retirou os casos para análise em pauta presencial, o que acarretará o reinício do julgamento.
Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: O Supremo Tribunal Federal irá analisar a validade de dispositivos da Lei Complementar nº 116/03, alterados ou incluídos por ocasião da veiculação da Lei Complementar nº 157/16. No caso das ADIs nos 5.835 e 5.862, será analisada a constitucionalidade dos referidos dispositivos, ao passo em que, na ADPF nº 499, busca-se evitar a lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público.
A LC nº 157/16 promoveu alterações relacionadas ao local para o qual o ISS deve ser recolhido, determinando que o pagamento seja efetuado ao município onde está localizado o tomador dos serviços de arrendamento mercantil, administração de fundos de investimento e de consórcios, plano de saúde e administração de cartões de débito, crédito e congêneres. Ocorre que, por vezes, a alteração do local de recolhimento do ISS acaba por também demandar a alteração de relevantes fatores quantitativos e subjetivos (competência) de natureza estruturante da matriz de incidência tributária do ISS.
Ou seja, por exemplo, a depender do local onde tiver domicílio o tomador dos serviços elencados acima, as alíquotas aplicadas na apuração do imposto a pagar podem variar de 2% a 5%, o que, a depender do montante a ser utilizado como base de cálculo, pode gerar impactos relevantes ao contribuinte do ISS.
Até então, a LC 116/03 previa que o imposto incidente sobre a prestação destes serviços seria devido ao município onde estivesse localizado o estabelecimento do prestador, o que facilitava sobremaneira a concentração do recolhimento de ISS a ser realizado por contribuintes que prestam serviços de forma pulverizada.
– Como se originou a questão?
Sávio Hubaide e Pedro Simão: Em regra, a Lei Complementar nº 116/03 determina que o ISS será devido ao município onde está o estabelecimento prestador do serviço, salvo nas hipóteses descritas nos incisos de seu artigo 3º, em que o imposto se torna devido no local onde é prestado o serviço.
Ocorre que, em 2016, a LC nº 157/16 alterou o artigo 3º da LC nº 116/03, para alterar o local do pagamento do ISS de determinados serviços, que passaria a ser devido nos locais onde estão os tomadores, entre os quais se incluem os já mencionados serviços prestados por planos de saúde, pelas administradoras de fundos quaisquer, de consórcio, de cartões de crédito ou débito, leasing, franquias, entre outros.
Em seguida, foi concedida medida cautelar para suspender os efeitos desses dispositivos, até que o STF julgasse definitivamente o mérito da questão, de tal forma que os prestadores permanecem recolhendo o ISS aos municípios onde estão sediados.
Posteriormente, em 2020 foi publicada a LC nº 175/20, que pretendeu solucionar as controvérsias ao definir um conceito de tomador de serviços, determinar a criação de um sistema unificado para cumprimento das obrigações acessórias relativas ao ISS, e estabelecer regras de repartição de receitas entre os municípios. As ações em julgamento perante o STF foram aditadas para abarcar também as alterações introduzidas pela LC nº 175/20.
Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: A controvérsia teve início com a publicação da LC nº 157/16, considerando que os dispositivos passaram a viger com a nova redação já a partir dessa data, o que preocupou bastante os contribuintes que desempenham os serviços em questão, seja em termos de organização operacional, seja em termos de potencial impacto financeiro com a referida mudança.
Os representantes dos setores afetados alegam que a exigência de que o ISS seja recolhido ao município no qual está localizado o tomador causa grande insegurança jurídica e viola dispositivos e princípios constitucionais.
Isso porque, com a alteração, há potencial para que o imposto precise ser recolhido para qualquer um dos mais de 5.500 municípios brasileiros, o que implica na possível necessidade de cumprimento de obrigações acessórias, alíquotas, procedimentos e prazos distintos para cada localidade, cuja efetivação, segundo os contribuintes, é demasiadamente complexa e onerosa, na medida em que estes serviços são prestados a usuários de todo o Brasil.
Aponta-se, ainda, para o risco de que mais de um município exija o imposto para si, quando persistir dúvida sobre quem é o tomador do serviço. Nos casos dos planos de saúde, por exemplo, é possível que um usuário resida em um município, mas realize exames em outro, ao passo em que o estabelecimento da operadora do plano de saúde seja localizado em um terceiro município.
À vista de tal contexto, representantes dos setores afetados pela LC 157/16 passaram a recorrer ao STF para questionar a nova imposição.
Em março de 2018, o ministro relator Alexandre de Moraes deferiu Medida Cautelar na ADI 5.835, suspendendo a eficácia do artigo 1º da LC 157/16 na parte em que realizou as referidas modificações. Na ocasião, o ministro destacou que a alteração exigiria que a nova disciplina apontasse com clareza o conceito de “tomador de serviço”, sob pena de grave insegurança jurídica, possibilidade de dupla tributação e inocorrência da correta incidência tributária.
Em 2020, foi publicada a LC 175/20, que prevê a criação de um sistema eletrônico unificado, aplicável em todo o território nacional, com o objetivo de criar um padrão para as obrigações acessórias do ISS, como uma forma de conferir maior simplificação à legislação então suspensa pela Medida Cautelar.
Nada obstante, no voto proferido recentemente, durante o julgamento virtual, o relator destacou que a edição da LC 175/20 ainda não foi suficiente para solucionar diversas inconsistências e vícios trazidos pela LC 157/16. Assim, considerando o entendimento sobre a existência de relação de dependência entre aquela (LC 175/20) e os dispositivos já impugnados, o ministro havia também considerado, por arrastamento, a inconstitucionalidade dos artigos 2°, 3°, 6°, 9°, 10 e 13 da LC 175/20.
– Qual foi a decisão da corte?
Sávio Hubaide e Pedro Simão: Como mencionado, o julgamento virtual ocorrido na semana dos dias 24/03/2023 a 31/03/2023 contava com voto do relator ministro Alexandre de Moraes pela declaração da inconstitucionalidade das alterações promovidas pelas LC nº 157/16 e 175/20, e ele foi acompanhado por mais seis ministros, formada a maioria.
De acordo com o voto do relator, seria possível alterar a incidência do imposto para o local do destino, o que seria uma tendência nos sistemas tributários mundo afora. No entanto, destacou que as alterações promovidas pelas mencionadas leis ofenderam a segurança jurídica, por diversas inconsistências e imprecisões na definição dos tomadores dos serviços, e quanto à sistemática de repasses. Da maneira como editadas as alterações legislativas, as leis complementares fomentariam conflitos de competência entre os municípios, ao contrário de sua função de solucioná-los.
Apesar de formada a maioria, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque, para que o julgamento seja incluído em pauta presencial. Com o pedido de destaque, o julgamento será retomado com o placar zerado, e os ministros que já votaram poderão alterar seus votos, de modo que não é possível prever qual será o resultado.
Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: O julgamento da controvérsia vinha ocorrendo na modalidade virtual, e teve início em 24.03.23; no entanto, no dia 31.03.23, o ministro Gilmar Mendes pediu destaque do julgamento. Com isso, o caso deixará de ser discutido pelo Plenário Virtual e passará ocorrer de forma presencial, com o placar de votação reiniciado.
A partir de agora, caberá à Presidente do STF, ministra Rosa Weber, decidir quando o caso retornará à pauta de julgamentos.
Apesar de ser difícil antever o desfecho da controvérsia, pode-se afirmar que há uma tendência para que se aplique o entendimento segundo o qual a tributação deve ocorrer no local onde as empresas prestadoras estão localizadas, considerando que já havia maioria formada no julgamento virtual, em que sete ministros acompanhavam o relator nesse sentido.
Tal mecanismo, ainda que guarde divergências com a alteração normativa proposta, tende a se assemelhar com o mecanismo de substituição tributária aplicável ao ICMS, cujo intuito sempre foi, dentre outros, concentrar o recolhimento do imposto nas grandes empresas fornecedoras de forma a facilitar o cumprimento da obrigação tributária e também o trabalho da fiscalização competente.
Inclusive, se considerarmos o atual contexto jurídico nacional em que, cada vez mais, tem se priorizado a diminuição da “complexidade tributária” e conferida importância aos preceitos que garantem a “simplificação da atividade arrecadatória” – inclusive, em um contexto de análise de propostas de reforma tributária – nos parece que a manutenção de um normativo que venha a tornar a tributação do ISS sobre os referidos segmentos como uma atividade deveras complexa e insegura, iria de encontro ao que se busca atualmente em termos de idealização de um sistema tributário ideal para o País.
Nada obstante, vale reiterar que, após o destaque, os votos anteriormente registrados são, na prática, desconsiderados, o que torna necessária a apresentação de uma nova fundamentação pelos ministros. Assim, é possível que haja alterações de entendimento até a nova inclusão em pauta – para a qual não há um prazo máximo definido.
– Qual é o impacto e a importância desse julgamento para as empresas e os municípios?
Sávio Hubaide e Pedro Simão: O resultado do julgamento impactará diretamente a receitas auferidas pelos municípios, pois, caso seja declarada a constitucionalidade das alterações legislativas, os municípios onde estão situados os prestadores de serviço perderão considerável receita, enquanto ganharão aqueles onde estão situados os tomadores. E, tendo em vista que o ISS é o imposto municipal de maior arrecadação, eventual deslocamento do local da incidência produziria impactos relevantes nas receitas públicas.
O julgamento impacta consideravelmente os contribuintes, pois eventual deslocamento do local da incidência poderá resultar em substancial aumento dos custos operacionais. Ainda que seja criado um padrão nacional de obrigações acessórias, a lei determina que esse sistema eletrônico deverá ser desenvolvido pelos próprios contribuintes, que deverão contar com a colaboração dos mais de 5.500 municípios para o fornecimento de informações como alíquotas, legislações vigentes e dados bancários de cada um, o que é de difícil operacionalização.
Nesse ponto, cabe destacar que a LC nº 175/20 determina a criação do padrão nacional de obrigações acessórias e de um Comitê Gestor, e seu julgamento impactará no reconhecimento ou não da competência dos municípios para instituírem e arrecadarem seus tributos.
Para além da ofensa à segurança jurídica destacada no voto proferido no julgamento virtual, haja vista as indefinições contidas nas leis, o aumento dos custos operacionais decorrentes desse eventual deslocamento poderá ofender a livre iniciativa, a proporcionalidade, pela existência de medidas menos custosas capazes de atingir a mesma finalidade, e a almejada praticabilidade tributária.
Paloma Rosa e Maria Alice Laranjeira: Caso o STF entenda pela impossibilidade de recolhimento do ISS ao local em que estão localizados os tomadores dos serviços afetados pela LC 157/16, todos os contribuintes atuantes nas atividades em questão poderão seguir realizando o pagamento do imposto ao município onde estiver localizado o estabelecimento prestador, o que certamente facilitará o cumprimento das obrigações principais e acessórias inerentes ao ISS e mitigará os riscos de que mais de um município reivindique o imposto sobre um mesmo fato gerador.
Por outro lado, é natural que os municípios considerem desvantajosa a não aplicação das regras trazidas pela LC 157/16, que inevitavelmente fazem com que a distribuição da receita derivada do recolhimento do ISS seja mais equânime, especialmente dentre os municípios menores, considerando que, indubitavelmente, há uma tendência – em termos operacionais e financeiros – para que as empresas dos setores afetados instalem os seus estabelecimentos centrais administrativos em cidades maiores.
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