Município de São Paulo reduz ISS para reter contribuintes
Medida vale para atividades prestadas por plataformas digitais ligadas à economia criativa e franquias
Para não perder contribuintes — e de preferência atrair empresas —, o município de São Paulo diminuiu as alíquotas de imposto sobre serviços (ISS) de atividades prestadas por meio de plataformas digitais ligadas à economia criativa e das franquias para o patamar mínimo permitido por lei. A redução foi generosa: dos atuais 5% para 2% a partir do início de 2022.
Bruna Luppi, advogada associada do Vieira Rezende Advogados, considera que a iniciativa pode estimular outros municípios próximos a São Paulo a reduzirem suas alíquotas. Ela lembra que municípios como Santana de Parnaíba, Barueri, Poá, Mogi das Cruzes e São Roque, entre outros, já adotaram essa estratégia para atrair empresas e investimentos, o que gerou um deslocamento de estabelecimentos comerciais da cidade de São Paulo para localidades da região metropolitana.
A redução do ISS foi promovida por meio da Lei 17.719/21, publicada em 27 de novembro, que também estabeleceu alterações em outros impostos cobrados pelo município. No que diz respeito ao ISS, foram modificadas ainda as regras relacionadas ao cadastro de prestadores de outros municípios (CPOM). Antes da promulgação da lei, se esse documento não fosse preenchido pelo prestador de serviço localizado fora de São Paulo, a prefeitura exigia que o tomador sediado no município retivesse o ISS. Agora, essa obrigação deixa de existir. A mudança também é uma adequação, por parte do município, à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgou inconstitucional a obrigatoriedade desse tipo de cadastro.
Outra alteração relevante prevista na lei diz respeito ao aumento de ISS para as sociedades uniprofissionais (geralmente formadas por profissionais liberais). “O que se vê é uma tentativa de se estabelecer uma tributação progressiva para essas sociedades. Porém, como não há permissão constitucional para a progressividade do ISS, essa medida pode ser questionada pelos contribuintes no Poder Judiciário”, explica a advogada.
A seguir, Luppi detalha as mudanças provocadas pela Lei 17.719/21 no ISS e seus impactos:
Quais foram os setores beneficiados pela redução da alíquota de ISS de 5% para 2%?
Bruna Luppi: A Lei Municipal 17.719, publicada em 27 de novembro de 21, estabeleceu uma série de alterações relevantes na legislação tributária do município de São Paulo em relação ao imposto predial e territorial urbano (IPTU), imposto sobre serviços (ISS), imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI), contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (COSIP), transação tributária e programas de parcelamento e regularização de débitos – programa de parcelamento incentivado (PPI) e programa de regularização de débitos relativos a ISS (PRD).
Especificamente no que tange ao ISS, a nova legislação altera a Lei Municipal 13.701/03, passando a prever novas regras em relação ao cadastro de prestadores de outros municípios (CPOM), aumento da tributação para as sociedades uniprofissionais e redução da alíquota de 5% para 2% em relação aos seguintes serviços:
- Item 10.05 – intermediação, via plataforma digital, de aluguéis, transporte de passageiros ou entregas, bem como de compra e venda de mercadorias e demais bens móveis tangíveis (marketplace);
- Item 17.11 – administração de imóveis realizada via plataforma digital;
- Item 10.04 – agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de franquia (franchising);
- Item 17.07 – Franquia (franchising);
- Item 23.01 – programação visual, comunicação visual e congêneres; e,
- Itens 13.01. 13.02 e 13.03 – fonografia ou gravação de sons, fotografia e cinematografia, reprografia, microfilmagem e digitalização, exceto quando prestados por notários, oficiais de registro ou seus prepostos.
Portanto, a nova alíquota de 2% passará a beneficiar os setores de tecnologia que atuam por meio de plataformas digitais, de comunicação e programação audiovisual e franquias, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2022.
Em sua opinião, outros municípios próximos a São Paulo podem reduzir o ISS para atrair (ou não perder) empresas?
Bruna Luppi: Sim, sem dúvida essa é uma possibilidade real e iminente em mais um capítulo da recorrente guerra fiscal entre os municípios para atrair ou mesmo manter empresas e investimentos, com o intuito de aumentar ou não perder arrecadação.
Aliás, não é demais lembrar que o que temos visto ao longo do tempo foi feito por outros municípios menores próximos a São Paulo ⎯ a exemplo de Santana de Parnaíba, Barueri, Poá, Mogi das Cruzes, São Roque, entre outros ⎯, que praticam alíquotas reduzidas do ISS para diversos serviços ou mesmo isenções ou incentivos fiscais como forma de atrair empresas e investimentos para as suas localidades, o que notadamente causou um crescente deslocamento de empresas, que saíram da capital paulistana para municípios da região metropolitana.
Agora, o município de São Paulo passa a adotar a mesma estratégia como forma de competir com muitos outros municípios que já praticam alíquotas reduzidas para os setores contemplados, principalmente em relação a serviços de plataformas digitais, já que ultimamente houve perda de arrecadação em relação a empresas que atuam com tecnologia. A mudança é, portanto, não só uma forma de atrair novas empresas para a capital, mas também de evitar novos movimentos de saída para municípios menores.
No entanto, é importante observar que qualquer alteração que venha a ser realizada por outros municípios próximos a São Paulo, com o intuito de reduzir o ISS para os serviços alcançados pela nova legislação paulistana, deverá observar a alíquota mínima prevista para tal tributo, que é de 2%, conforme expressa previsão do artigo 8º-A da Lei Complementar 116/03, sendo vedada a concessão de isenções, benefícios fiscais/financeiros, redução da base de cálculo ou mesmo outras formas que resultem em carga tributária efetiva menor que esse percentual, sob pena de nulidade.
Quais foram as alterações previstas pela lei para o cadastro de prestadores de outros municípios (CPOM)? Elas têm relação com decisão do STF que julgou inconstitucional os municípios exigirem cadastros de prestadores de serviço de fora?
Bruna Luppi: A Lei 17.719/21 alterou o artigo 9º-A da Lei 13.701/03 para tornar facultativa a inscrição no cadastro de prestadores de outros municípios (CPOM) pelos prestadores de serviços estabelecidos fora do município de São Paulo, afastando a exigência da retenção do ISS pelos tomadores de serviços paulistanos nos casos em que os prestadores de serviços localizados em outros municípios não tinham cadastro ativo no CPOM local.
Essas alterações revelam sim uma adequação à recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE 1.167.509/SP, objeto do Tema 1020 da repercussão geral, que declarou inconstitucional a obrigatoriedade do referido cadastro e a exigência da retenção do ISS pelo tomador de serviços em relação a prestadores de outros municípios não inscritos no CPOM paulistano.
Vale lembrar que tal decisão foi tomada no julgamento de um recurso extraordinário com repercussão geral, o que tem o efeito de vincular os demais órgãos do Poder Judiciário, mas não os demais poderes. Portanto, a lei não é imediatamente anulada, devendo ser objeto de alteração legislativa para adequação ao precedente firmado, o que finalmente ocorreu por meio das disposições estabelecidas pela Lei 17.719/21.
Outra alteração relevante envolve as penalidades aplicáveis às infrações relativas à nota fiscal eletrônica do tomador/intermediário de serviços (NFTS), que se tornaram mais gravosas.
De acordo com a nova lei, será aplicada multa de 50% do valor do imposto sobre o serviço prestado aos tomadores de serviços que, embora não estejam obrigados à retenção e recolhimento do imposto, deixarem de emitir ou emitirem a NFTS com valor incorreto/dados inexatos. Tal multa será devida por documento e deverá observar uma imposição mínima de R$ 1.870,57.
A multa ainda poderá chegar a 100% do valor do ISS incidente sobre o serviço prestado nos casos em que o fisco municipal comprovar que o tomador de serviços tinha conhecimento de que o prestador simulava estabelecimento fora do município de São Paulo, e será aplicável tanto para o tomador não obrigado à retenção e recolhimento do imposto, quanto para o tomador responsável pelo pagamento do tributo.
Quais impactos as mudanças feitas no ISS devem gerar?
Bruna Luppi: De uma forma geral, as alterações estabelecidas pela Lei Municipal 17.719/21 quanto ao ISS implicam num aumento da carga tributária no âmbito do município de São Paulo.
Especificamente em relação às reduções de alíquota previstas para os setores de tecnologia que atuam por meio de plataformas digitais, de comunicação e programação audiovisual e franquias, embora a tendência imediata seja uma queda na arrecadação, a expectativa é de atração de novas empresas e investimentos para o município de São Paulo, com potencial arrecadação futura.
No que se refere ao CPOM, a partir do momento que a Lei Municipal 17.719/21 passa a estar adequada ao precedente do STF em repercussão geral, os contribuintes não mais precisarão recorrer ao Poder Judiciário para afastar a exigência do referido cadastro e a obrigatoriedade de retenção do imposto pelo tomador de serviços paulistano, passando a nova regra a valer para todos.
Portanto, com a nova regra, o tomador de serviços não estará mais obrigado a fazer a retenção e recolhimento do ISS quando contratar prestador de serviço estabelecido em outro município, mas permanece a obrigação de emissão da NFTS, com a previsão de multas mais pesadas pela não emissão do documento fiscal ou sua emissão com valor incorreto/dados inexatos, impondo ainda o agravamento da multa quando restar comprovado que o tomador tinha conhecimento de simulação de estabelecimento pelo prestador.
Para as sociedades uniprofissionais, as alterações previstas na lei, que entrarão em vigor a partir de 24 de fevereiro de 22, implicam num significativo aumento do ISS devido e, portanto, da arrecadação municipal, já que a base de cálculo do imposto, que antes era prevista em valor fixo (base de cálculo presumida) e multiplicada pela quantidade de profissionais, passa a ser calculada sobre faixas de receita bruta mensal que variam de 1.995,26 reais a 60 mil reais, conforme a quantidade de profissionais habilitados, e será multiplicada por esse número de profissionais habilitados dentro de cada faixa.
No caso da legislação paulistana, o que se vê é uma tentativa de estabelecer uma tributação progressiva para as sociedades uniprofissionais. Porém, como não há permissão constitucional para a progressividade do ISS, a mudança pode ser objeto de questionamento pelos contribuintes perante o Poder Judiciário.
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