Receita reforça restrição ao Perse

Soluções de Consulta endossam normas que reduzem acesso a programa do setor de eventos

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Duas soluções de consulta publicadas pela Receita Federal (Soluções de Consulta nº 51 e 52) confirmaram o que os advogados tributaristas e empresários do setor de eventos já vinham sentindo na prática: o governo restringiu o acesso aos benefícios fiscais criados pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). E como as soluções de consulta orientam a atuação dos auditores fiscais, podem ser esperadas autuações dos contribuintes.

A polêmica do Perse começou porque o governo veio restringindo o rol de empresas que podem se beneficiar das alíquotas zero de vários impostos. Criado para promover a retomada do setor duramente atingido pela pandemia, o Perse foi se tornando menos acessível. As normas que restringiram o acesso das empresas foram a Portaria nº 11.266/23 do Ministério da Economia (ME) e a Instrução Normativa 2.114/22 (IN 2.114/22) da Receita Federal.

Para ter acesso ao programa, as empresas precisam ter atividades relacionadas ao setor de eventos, o que é verificado por meio da lista de códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). A portaria reduziu de 88 para 38 atividades que se enquadrariam como relacionadas a eventos.

“Para a Receita Federal, há um duplo requisito cumulativo para fruição do benefício fiscal: a atividade exercida pela pessoa jurídica deve corresponder a um dos CNAES listados na Portaria ME 11.266/2022 (que substitui a Portaria ME n° 7.163/12 e exclui 50 CNAES anteriormente previstos), desde que relacionados às atividades listadas no § 1º do artigo 2º da Lei 14.148/2021”, explicam os advogados Michel Siqueira Batista e Caio Persici, associados do Vieira Rezende Advogados.  Eles consideram que as soluções de consultas buscam confirmar o rol mais restrito de empresas que podem usufruir do benefício.

As restrições levaram os contribuintes a buscar o Judiciário para ter direito ao programa. Batista e Persici acreditam que essa continua a ser uma alternativa adequada aos contribuintes que cumprem os requisitos de adesão ao programa e exercem qualquer uma das 50 atividades do setor de eventos compreendidas nos CNAES excluídos pela portaria. “Uma vez que os benefícios fiscais previstos em lei não podem ter seus efeitos limitados por disposições infralegais, as soluções de consulta e portarias não poderiam prever requisitos não previstos em lei para fruição do benefício previsto na Lei 14.148/2021”, afirmam.

Na entrevista abaixo, Persici e Batista comentam sobre as recentes orientações da Receita para os auditores fiscais.


– Quais são os principais pontos das Soluções de Consulta 51 e 52 da Receita Federal?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: O primeiro ponto importante abordado pelos dois normativos é relacionado ao âmbito temporal de aplicação do benefício fiscal do Perse. Segundo as Soluções de Consulta em questão, a vigência do programa se dará a partir de março de 2022 até fevereiro de 2027.

Outro aspecto importante abordado na Solução de Consulta n° 52 é relacionado à aplicação do benefício conforme natureza/origem da receita e não à empresa como um todo, independente da natureza da receita. Segundo o entendimento da Receita Federal, somente as receitas atreladas aos CNAES previstos na legislação é que seriam isentas, não sendo possível aproveitar o benefício fiscal para a totalidade das receitas de pessoa jurídica que exerça outras atividades além daquelas beneficiadas pelo Perse.

Além disso, essa Solução de Consulta também confirmou que não há prazo ou procedimento específico para sujeição ao Perse, bem como que não é requisito para fruição da redução de alíquotas a zero prevista no artigo 4º da Lei nº 14.148 que a pessoa jurídica realize renegociação prévia de dívidas tributárias ou não tributárias, nos termos do artigo 3º da mesma lei.

Por fim, a Solução de Consulta nº 52 também esclarece a impossibilidade de fruição do benefício fiscal por empresas optantes pelo SIMPLES nacional, mas esclarece ser possível o aproveitamento do Perse no caso de alteração do regime de tributação após o termo inicial de vigência da isenção (março de 2022).


– As normas confirmam a restrição dos estabelecimentos que podem ter acesso ao Perse?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici:  As soluções de consultas buscam confirmar o rol mais restrito de empresas que podem usufruir do benefício, validando assim a interpretação da Receita Federal de que houve a redução das empresas beneficiadas pela alíquota zero por meio da Instrução Normativa 2.114/22, da Portaria do Ministério da Economia 11.266/2022 e da Medida Provisória 1.147/22.

Assim, para a Receita Federal, há um duplo requisito cumulativo para fruição do benefício fiscal: a atividade exercida pela pessoa jurídica deve corresponder a um dos CNAES listados na Portaria ME 11.266/2022 (que substitui a Portaria ME n° 7.163/12 e exclui 50 CNAES anteriormente previstos), desde que relacionados às atividades listadas no § 1º do artigo 2º da Lei 14.148/2021.


– Com relação ao período que as empresas podem ter acesso à alíquota zero de impostos federais, o que as normas preveem? E de acordo com a lei que criou o Perse, os benefícios valem a partir de quando?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici:  Segundo as Soluções de Consulta em questão, considera-se a vigência do programa para as empresas a partir de março de 2022 em diante, data de publicação da rejeição pelo Congresso Nacional aos vetos feitos pelo então presidente da República aos artigos da Lei nº 14.148/2021.

Esse posicionamento da Receita reforça o entendimento exposto na Instrução Normativa RFB n° 2.114/22 que já previa a aplicação do benefício fiscal a partir de março de 2022 a fevereiro de 2027, uma vez que nos casos de rejeição de veto, a parte da lei que havia sido vetada pelo presidente (e no caso do Perse, derrubada posteriormente pelo Congresso Nacional) entrará em vigor a partir de sua publicação e não na data do restante da lei não alcançado pelo veto, publicada em 3 de maio de 2021.


– O que se recomenda aos contribuintes prejudicados pelas restrições?

Michel Siqueira Batista e Caio Persici:  Uma vez que os benefícios fiscais previstos em lei não podem ter seus efeitos limitados por disposições infralegais, as Soluções de Consulta e Portarias não poderiam prever requisitos não previstos em lei para fruição do benefício previsto na Lei 14.148/2021.

Assim, recomenda-se que as empresas que cumpram os demais requisitos de adesão e exerçam qualquer uma das 50 atividades do setor de eventos compreendidas nos CNAES excluídos pela Portaria ME 11.266/2022 avaliem a opção de utilização de medida judicial para assegurar a fruição do benefício fiscal do Perse, tendo em vista a flagrante extrapolação da competência destes atos infralegais, bem como o crescente número de precedentes favoráveis.

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