Vale a pena aderir à transação tributária de teses sobre lucros no exterior?

Apesar de condições atraentes para contribuintes, é necessário avaliar com cautela

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Um dos pontos questionados por empresas brasileiras no Judiciário ou na esfera administrativa se refere à tributação, pelo imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), do lucro obtido por uma coligada ou controlada no exterior, mesmo quando estas estão localizadas em países signatários de tratados para evitar a dupla tributação. Esta é uma das teses relativas à tributação sobre lucros no exterior que integram edital de transação tributária publicado pela Receita Federal (RFB) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

A transação tributária é uma espécie de acordo entre o fisco e o contribuinte, baseada em concessões mútuas, para encerrar litígios tributários. Ela se dá por adesão: o fisco lança um edital e o contribuinte adere se considerar as condições interessantes. No caso da chamada transação de tese, como a de tributação de lucros no exterior, são escolhidos temas relevantes, que geram muita controvérsia e cujo entendimento não foi pacificado pelo Judiciário. É o caso das teses sobre tributação de lucros no exterior.

“As teses são relevantes pois os tratados internacionais têm natureza de normas infraconstitucionais, o que significa que revogam e alteram a legislação interna e devem ser observados por normas tributárias que os sobrevenham. Muitos destes acordos têm como maior objetivo evitar a dupla tributação, pelo Brasil e outros países signatários, de lucros e outros valores”, explicam Thiago Braichi e Anna Laura Lacerda, sócio e associada do Freitas Ferraz Advogados. O problema é que a Receita Federal frequentemente questiona os contribuintes que tributam os lucros auferidos no exterior nos termos dos tratados porque não reconhece a natureza supralegal das normas internacionais – ao contrário do Judiciário, que já proferiu decisões nesse sentido.

“As teses são de suma importância, sobretudo para os grandes contribuintes”, afirmam Michel Siqueira Batista, Frederico Bakkum e Caio Persici, sócio e associados do Vieira Rezende Advogados. Estima-se que haja cerca de 200 processos tramitando no Judiciário e na esfera administrativa envolvendo teses referentes à tributação de lucros no exterior, que somariam cerca de 69 bilhões de reais.

Vale a pena aderir?

O prazo para adesão das empresas começou em 2 de janeiro e se estende até 28 de março de 2024. Apesar da importância das teses, e dos descontos e parcelamentos serem considerados interessantes, advogados recomendam cautela na hora de analisar se vale a pena aderir ou não: é necessário analisar as chances de ganhos na Justiça.

“Considerando que o Judiciário já possui precedentes que reconhecem a natureza supralegal e prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação interna, entendemos que os contribuintes que discutem sobre o direito de não tributar duplamente os lucros do exterior não vão aderir”, avaliam os advogados do Freitas Ferraz. “No entanto, para discussões sobre obrigações acessórias e taxa de câmbio, os descontos concedidos pela RFB e PGFN podem ser interessantes levando-se em conta o aspecto econômico. Porém, vale a análise cuidadosa das obrigações exigidas dos contribuintes que aderirem à transação, listadas no edital.”

Os advogados do Vieira Rezende consideram que é pouco provável que o número de adesões à transação seja grande porque a jurisprudência judicial vem se mostrando favorável aos contribuintes em diversos casos. “No entanto, como se trata de uma possibilidade de desconto de até 65%, inclusive sobre o valor do montante principal, a transação pode se mostrar uma alternativa interessante a depender do caso concreto, e economicamente viável para as empresas que possuem caixa e obtiveram até o momento decisões desfavoráveis, em especial na esfera judicial, o que pode contribuir Na entrevista abaixo, os advogados detalham as teses sobre lucros no exterior que podem ser objeto de transação e as condições oferecidas para os contribuintes.


– Quais são as discussões referentes à tributação de lucros no exterior contempladas no edital de transação tributária lançado pela PGFN no início do ano? Essas teses são relevantes?

Anna Laura Lacerda e Thiago Braichi: O edital da Receita Federal do Brasil (RFB )e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) lista como elegíveis discussões sobre:

  • a tributação de lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior pela controladora brasileira, para fins de tributação pelo IRPJ e CSLL;
  • aproveitamento de tributos pagos no exterior;
  • cumprimento de obrigações acessórias e a
  • taxa de câmbio aplicável aos lucros auferidos no exterior.

As teses são relevantes pois os tratados internacionais têm natureza de normas infraconstitucionais, o que significa que revogam e alteram a legislação interna e devem ser observados por normas tributárias que os sobrevenham. Muitos destes acordos têm como maior objetivo evitar a dupla tributação, pelo Brasil e outros países signatários, de lucros e outros valores.

No entanto, os contribuintes que tributam os lucros auferidos no exterior nos termos dos tratados são constantemente questionados pela Receita Federal, que não reconhece a natureza supralegal das normas internacionais, diferentemente do Judiciário, que já proferiu decisões nesse sentido.

Michel Siqueira Batista, Frederico Bakkum e Caio Persici: O edital da transação prevê dez hipóteses de discussões envolvendo a tributação de lucros no exterior por pessoas jurídicas brasileiras. São elas:

  1. a) sobre a exigência do IRPJ e da CSLL de pessoa jurídica domiciliada no Brasil, na proporção da sua participação societária, em virtude da tributação, com base no artigo 74 da Medida Provisória n° 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, e nos artigos 77 a 81 da Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014, dos lucros percebidos por meio de empresas coligadas ou controladas ou da parcela do ajuste do valor do investimento em controlada, direta ou indireta, residentes em países signatários de tratados (convenções ou acordos);
  2. b) sobre a compatibilidade do artigo 74 da Medida Provisória n° 2.158-35/2001 com o artigo 43 do Código Tributário Nacional, caput e §2º e artigos 146, inciso III, alínea a e 153, inciso III da Constituição Federal;
  3. c) sobre a consolidação dos resultados das investidas indiretas no balanço da controlada direta e interpretação do inciso I do artigo 16 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e § 6º do artigo 1º da Instrução Normativa SRF nº 213, de 7 de outubro de 2002, e questões probatórias correlatas;
  4. d) sobre o aproveitamento do tributo pago no exterior de forma consolidada nos termos do artigo 14, §§ 4º, 5º e 6º da IN nº 213/2002 e questões probatórias correlatas;
  5. e) sobre o cumprimento das exigências previstas no artigo 78 da Lei nº 12.973/14 para consolidação e questões probatórias correlatas;
  6. f) sobre o cumprimento de obrigações acessórias, conforme artigo 2º da Instrução Normativa RFB nº 1.520, de 4 de dezembro de 2014, c/c o artigo 76 da Lei nº 12.973/14 e, anteriormente, artigo 1º, §5º, da Instrução Normativa nº 213/02 c/c artigo 16, I, da Lei nº 9.430/96 e questões probatórias correlatas;
  7. g) sobre o oferecimento do lucro obtido no exterior à tributação no Brasil e a comprovação da apuração deste lucro, nos termos dos artigos 76, 77 e 81 da Lei nº 12.973/14 e, anteriormente, do artigo 25 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e 74 da Medida Provisória n° 2.158-35/2001, inclusive acerca da documentação probatória de suporte às demonstrações financeiras e outras questões probatórias correlatas;
  8. h) sobre a forma e comprovação do pagamento do tributo no país estrangeiro, inclusive artigo 26, §2º da Lei n.º 9.249/96; artigo 14, §§8º e 14 da IN nº 213/02; artigo 87, §§1º e 9º da Lei nº 12.973/14 e artigos 26, §§1º e 2º da IN 1520/14;
  9. i) relativas à taxa de câmbio aplicável aos lucros auferidos no exterior;
  10. j) sobre a caracterização de hipótese de disponibilização da renda mediante “emprego de valor” conforme artigo 1º, §2º, alínea “b”, item 4, da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997.

Para celebração da transação, é necessário que, na data de publicação do edital (27/12/23), exista inscrição em dívida ativa, ação judicial, embargos à execução ou reclamação ou de recurso administrativo pendente de julgamento definitivo, em relação às teses elencadas.

Apesar de todas as hipóteses previstas no edital girarem em torno da discussão envolvendo a possibilidade de tributação automática dos lucros auferidos e não disponibilizados por controladas no exterior por entidade brasileira, o edital prevê também outras discussões correlatas ao mérito, como questões probatórias, forma de aproveitamento no Brasil do tributo pago por empresa estrangeira, cumprimento de obrigações acessórias, efeitos de variação cambial na apuração do lucro, caracterização de hipótese de disponibilização do lucro mediante “emprego de valor”, bem como a forma de demonstração do lucro auferido pela entidade estrangeira.

As teses são de suma importância, sobretudo para os grandes contribuintes. Em levantamento realizado pelas autoridades fiscais no passado, havia cerca de 200 processos em tramitação na esfera judicial e administrativa, que somavam cerca de 69 bilhões de reais.


– As condições oferecidas para os contribuintes são interessantes? Quais são elas?

Anna Laura Lacerda e Thiago Braichi: As condições oferecidas são interessantes, os descontos chegam a 65% sobre o valor do montante principal, multa, juros e demais encargos, parcelado em até 6 meses, podendo o contribuinte parcelar a entrada de pelo menos 6% do valor total do débito em até 3 vezes.

Importante ressaltar que as parcelas serão acrescidas de juros (Selic), acumulados mensalmente, e de 1% relativamente ao mês em que o pagamento for efetuado.

Para fins comparativos, as condições são melhores que as oferecidas no Edital nº 9 de 2022, para transações tributárias de casos de amortização de ágio, e Edital nº 11 de 2021, para casos sobre a incidência de contribuição previdenciária sobre participação nos lucros e resultados, que oferecia desconto de até 50%, para parcelamentos em até 7 meses.

Michel Siqueira Batista, Frederico Bakkum e Caio Persici: As condições são interessantes, sobretudo considerando que o prazo de pagamento e os descontos são maiores do que os apresentados nos editais de transação de outras teses, como Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e de Amortização Fiscal do Ágio. No entanto, as condições não são tão atrativas como as que foram disponibilizadas durante a pandemia ou em antigos parcelamentos.

O pagamento dos débitos incluídos na transação poderá ser efetuado com entrada de, no mínimo, 6% do valor total do débito ou da inscrição elegível à transação, sem reduções. A entrada poderá ser paga em até três parcelas, para os requerimentos de adesões apresentados em janeiro; em duas parcelas, para os apresentados em fevereiro; e em apenas uma, para os apresentados em março.

O saldo remanescente poder ser parcelado em até 6 meses, com redução de 65% do valor do montante principal, da multa, dos juros e dos demais encargos; em até 18 meses, com redução de 50% do valor do montante principal, da multa, dos juros e dos demais encargos; ou em até 30 meses, com redução de 35% do valor do montante principal, da multa, dos juros e dos demais encargos.

O prazo para adesão começou no dia 2 de janeiro e vai até 28 de março de 2024.


– O que os contribuintes devem analisar para optar pela adesão?

Anna Laura Lacerda e Thiago Braichi: Acordos de transação tributária implicam em concessões por ambas as partes, contribuintes e a RFB ou PGFN. As autarquias concedem descontos e condições de pagamento facilitadas para que as empresas se interessem pela transação; no entanto, há uma contrapartida.

No item 6 do edital, estão listadas as obrigações do contribuinte ao aderir à transação. Dentre elas, o fornecimento de informações sobre bens, direitos, valores, transações e operações, sempre que solicitada pelas autarquias, o requerimento de extinção do processo objeto da transação, com resolução do mérito, a regularização de débitos que vierem a ser inscritos em dívida ativa ou que se tornarem exigíveis na RFB em até 90 dias da adesão, e declarar que as informações patrimoniais e econômico-fiscais prestadas à administração tributária são verdadeiras e que não houve omissão destes valores.

Michel Siqueira Batista, Frederico Bakkum e Caio Persici: O ponto principal a ser analisado pelos contribuintes é a diferença dos prognósticos na esfera judicial e administrativa com relação em especial à tese de plano de fundo, como aquela referente à aplicação da legislação de tributação de lucros no exterior em no caso de controladas localizadas em países com o qual o Brasil tenha celebrado tratado contra dupla tributação. Enquanto no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) alguns casos vêm sendo julgados de forma desfavorável aos contribuintes (embora haja precedentes favoráveis também) – vale dizer, muitas vezes por meio do voto de qualidade, há precedentes judiciais que reconheceram a prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação interna e afastaram a tributação automática pela entidade brasileira dos lucros auferidos pela controladas e coligadas no exterior.

Assim, como é um tema não pacificado e que possui muitas vertentes ainda não analisadas pelos tribunais, é essencial que os contribuintes realizem estudo caso a caso para verificar a viabilidade de adesão à transação, evitando renunciar a discussões com prognóstico de sucesso. Vale dizer que os descontos são inaplicáveis a eventuais depósitos judiciais já realizados pelos contribuintes.


– Espera-se uma grande adesão por parte das empresas?

Anna Laura Lacerda e Thiago Braichi: Considerando que o Judiciário já possui precedentes que reconhecem a natureza supralegal e prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação interna, entendemos que os contribuintes que discutem sobre o direito de não tributar duplamente os lucros do exterior não vão aderir. No entanto, para discussões sobre obrigações acessórias e taxa de câmbio, os descontos concedidos pela RFB e PGFN podem ser interessantes levando-se em conta o aspecto econômico. Porém, vale a análise cuidadosa das obrigações exigidas dos contribuintes que aderirem à transação, listadas no edital.

Michel Siqueira Batista, Frederico Bakkum e Caio Persici: Como a jurisprudência judicial vem se mostrando favorável aos contribuintes, em diversos casos, entendemos que é pouco provável haver um grande número de adesões à transação. No entanto, como se trata de uma possibilidade de desconto de até 65%, inclusive sobre o valor do montante principal, a transação pode se mostrar uma alternativa interessante a depender do caso concreto, e economicamente viável para as empresas que possuem caixa e obtiveram até o momento decisões desfavoráveis, em especial na esfera judicial, o que pode contribuir para um maior volume de transações.


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