Projeto cria nova modalidade de contrato para startups
PLP 252/23 prevê novo instrumento, os Contratos de Investimento Conversível em Capital Social (CICC)
Os mútuos conversíveis são o instrumento mais utilizado por investidores em startups no Brasil. No entanto, esse tipo de contrato traz uma desvantagem para as empresas em estágio inicial, que é a sua natureza de dívida e o fato de o investidor poder pedir reembolso dos valores que aportou, gerando insegurança para as startups. Este é um dos aspectos que o Projeto de Lei 252/23 (PLP 252/23), aprovado no Senado Federal, pretende equacionar. O projeto cria os Contratos de Investimento Conversível em Capital Social (CICC). No entanto, a opinião de especialistas é a de que o PLP 252/23 poderia ser aperfeiçoado para introduzir novas alternativas com potencial para fazer mais diferença no mercado.
O CICC seria uma nova modalidade contratual para regular os investimentos e potencial conversão em equity da startup. Ele não teria natureza de dívida e poderia ser convertido em participação societária, sob determinadas condições previamente acordadas. Também mitigaria os riscos de responsabilização dos investidores por dívidas da startup.
No entanto, o instrumento já tem similares no Brasil. Além do mútuo conversível, há outros tipos de contratos também usados por startups, como o modelo open source lançado em 2023 pela Comissão de Startups da OAB/RJ, o “Modelo de Acordo de Investimento em Startup” (conhecido como MAIS), que consiste numa minuta padrão para investimentos em startups early-stage. Para Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Maria Rosandiski, sócio, associado e estagiária do Vieira Rezende Advogados, o MAIS é um dos modelos satisfatórios para reduzir o custo de transação nessas startups.
“Assim, a criação de mais um modelo de contrato por meio de alteração legal talvez não estabeleça um novo paradigma capaz de impactar significativamente o ecossistema – inclusive o próprio tratamento fiscal a ser dado ao CICC permanece uma incógnita, e seus efeitos podem vir a ser severos, tal qual ocorreu com o Contrato de Investimento Anjo, criado anos atrás e que jamais ganhou tração por conta do regime tributário que lhe foi assegurado”, afirmam.
Bônus de subscrição para sociedades limitadas
Hanszmann, Brandão e Rosandinski consideram que mais efetivo para impulsionar aportes em startups e o ecossistema de inovação – e que pode vir a ser tratada pelo PLP 252/23 – seria a permissão expressa para emissão de bônus de subscrição por sociedades limitadas e a formalização da inaplicabilidade de tributação de ágio em decorrência do aumento de capital social por força do exercício desses bônus. “Entende-se que o impacto positivo de tais mudanças seria substancial, uma vez que adicionaria uma nova ferramenta – e bastante relevante – ao estojo do mercado. Ficamos na torcida para que nossos legisladores, à vista de tais benefícios, possam contemplar tais ajustes no âmbito do PL”.
O PLP 252/23 altera o (Lei Complementar 182/21) e seguiu para tramitação na Câmara dos Deputados. Na entrevista abaixo, Hanszmann, Brandão e Rosandiski abordam a criação do CICC.
O PLP 252/23, aprovado no Senado Federal, cria os Contratos de Investimento Conversível em Capital Social (CICC)? No que consiste esse instrumento e o que motivou a sua criação?
Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Maria Rosandiski: O CICC foi proposto no Senado Federal por iniciativa do senador Carlos Portinho (PL-RJ), inspirado no Simple Agreement for Future Equity (SAFE) – modelo norte-americano amplamente utilizado no país.
O objetivo declarado do CICC foi facilitar a captação de recursos por founders de startups early-stage, reduzindo os custos de transação, por meio da simplificação das dificuldades práticas nesse tipo de investimento, em especial a parametrização do valuation. Além disso, foi mencionado expressamente o interesse de evitar o tratamento como dívida na linha do que acontece com os mútuos conversíveis – instrumento mais utilizado no Brasil no que diz respeito a investimento em startups.
Diante desse cenário, o CICC foi proposto como uma nova modalidade contratual com o objetivo principal de regular os investimentos e potencial conversão em equity da startup, e também mitigar os riscos aplicáveis, como o risco de responsabilização dos investidores por dívidas da startup.
Os CICCs são considerados instrumentos de dívida ou participação societária? Há instrumentos comparáveis no Brasil?
Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Maria Rosandiski: O projeto de lei do CICCs dispõe expressamente que tal instrumento “não possui natureza de dívida, independentemente do seu tratamento contábil”.
Já houve no Brasil algumas tentativas de criação de modelos semelhantes, destacando-se o modelo open source lançado em 2023 pela Comissão de Startups da OAB/RJ, o “Modelo de Acordo de Investimento em Startup” (conhecido como “MAIS”) – minuta padrão para investimentos em startups early-stage, elaborado com apoio de diversas instituições de renome e experiência no setor, disponível em www.startups-mais.com.br.
Há pontos do PLP 252/23 que podem ser aprimorados durante tramitação na Câmara dos Deputados?
Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Maria Rosandiski: O artigo 8º, inciso I, do Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182) prevê que os investidores que realizam aportes de capital nas startups não serão considerados sócios ou acionistas, nem poderão exercer direitos de gerência ou de voto na administração da empresa. Por sua vez, o PLP 252/23 dispõe no §2° do artigo 5°-A que as partes são livres para negociar os critérios e direitos de conversão, o que naturalmente pode dispor sobre certos direitos de gestão e fiscalização do investidor. Nota-se, assim, uma certa incongruência no sistema normativo, que pode ser aprimorada no âmbito da tramitação do projeto.
Em sua opinião, os Contratos de Investimento Conversível em Capital Social (CICC) devem se tornar importantes formas de aporte de recursos de investidores em startups? Há uma tendência de seu uso, em detrimento dos contratos mútuos conversíveis?
Felipe Hanszmann, Caio Brandão e Maria Rosandiski: A nosso ver, os modelos já existentes no mercado (dentre eles o MAIS) já oferecem ferramentas satisfatórias para reduzir o custo de transação para investimentos early stage. Assim, a criação de mais um modelo de contrato por meio de alteração legal talvez não estabeleça um novo paradigma capaz de impactar significativamente o ecossistema – inclusive o próprio tratamento fiscal a ser dado ao CICC permanece uma incógnita, e seus efeitos podem vir a ser severos, tal qual ocorreu com o Contrato de Investimento Anjo, criado anos atrás e que jamais ganhou tração por conta do regime tributário que lhe foi assegurado.
Ou seja, em termos práticos, movimentar a máquina legislativa para instituir um novo modelo contratual cujos resultados nos parecem que já foram alcançados pelas iniciativas do setor privado poderia ser considerado ineficiente.
Por outro lado, um outro tema que demanda alteração legal e, portanto, poderia ser compreendido pelo PLP, seria a permissão expressa para emissão de bônus de subscrição por sociedades limitadas – que nos parece que geraria um impacto mais relevante do que o CICC –, assim como a formalização da inaplicabilidade de tributação de ágio em decorrência do aumento de capital social por força do exercício de tais bônus. Ou seja, a criação de algo efetivamente novo poderia agregar valor consideravelmente maior ao ecossistema de inovação nacional e atender aos anseios do mercado. Entende-se que o impacto positivo de tais mudanças seria substancial, uma vez que adicionaria uma nova ferramenta – e bastante relevante – ao estojo do mercado. Ficamos na torcida para que nossos legisladores, à vista de tais benefícios, possam contemplar tais ajustes no âmbito do PL.