Gastos com LGPD não geram créditos de Pis e Cofins, diz Receita

Advogados recomendam cautela das empresas após publicação da Solução de Consulta 307/23

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Desde que as empresas começaram a adequação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), os contribuintes pleiteiam que esses gastos gerem créditos de Pis e Cofins, que poderiam ser usados para abater o valor devido dessas contribuições. Mas recente Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal, aplicável a empresas de serviços financeiros, deixou claro o oposto: considerou que esses gastos são despesas, não podem ser considerados insumos e não geram créditos. Apesar do entendimento contrário aos contribuintes e de recomendarem cautela, advogados avaliam que ele não enfraquece os argumentos das empresas no Judiciário.

“As soluções de consulta proferidas pela Cosit vinculam os agentes da Receita Federal a partir da sua publicação. Sendo assim, em caso de fiscalização, o auditor da Receita estará obrigado a autuar o contribuinte caso verifique o aproveitamento de créditos dessa natureza”, afirmam Nathan Amaral e Romero Marinho, associados do Freitas Ferraz Advogados. Eles ressaltam que, sem amparo de decisão judicial preventiva, a tomada de créditos pelas empresas traz ao contribuinte risco concreto de autuação fiscal.

Bianca Mareque e Maria Alice Laranjeira, respectivamente sócia e associada do Vieira Rezende Advogados, consideram que a tese dos contribuintes conta com bons argumentos, pois eles estão submetidos às normas que tratam da proteção de dados, de modo que a discussão é válida. Mas, considerando a Solução de Consulta Cosit 307/23 e decisões majoritariamente desfavoráveis nos Tribunais Regionais Federais, elas recomendam que as empresas que pretendem discutir a questão continuem efetuando o recolhimento do Pis e da Cofins sem se utilizar dos créditos e que sigam a discussão judicial, considerando as particularidades do setor da economia em que se enquadram.

“É provável que a discussão chegue aos tribunais superiores, quando, a depender do posicionamento adotado, a matéria estará bem definida quanto ao recolhimento de Pis e Cofins futuro e eventual possibilidade de recuperação de créditos quanto ao passado”, afirmam Mareque e Laranjeira.

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei PL 04/22, que prevê a geração de créditos de Pis e Cofins decorrentes dos gastos de adequação à LGPD. Mas, na inexistência da lei, a questão tem ido parar no Judiciário.

Os argumentos da Solução de Consulta Cosit 307/23

A Receita Federal entendeu que, para gerar créditos de Pis e Cofins, seria necessário demonstrar que a despesa (no caso, de adequação à LGPD) ocorria estritamente dentro do processo de produção de bens ou da prestação de serviços. Isso porque os gastos com insumos dão direito aos créditos – e a discussão gira em torno do que pode ou não ser considerado insumo. Este é contabilmente registrado como custo de produção e não como despesa no sentido geral.

“Os gastos de implementação da LGPD, por não estarem relacionados ao processo de prestação de serviços em si, mas sim à proteção de dados dos clientes, constituiriam espécies de despesa no sentido geral e não de custos de produção. Evidência disso, segundo a Receita, é que os gastos com a LGPD, quando subtraídos do processo produtivo da empresa, não acarretam a impossibilidade de exercício do objeto social, nem mesmo substancial perda em sua qualidade”, explicam Marinho e Amaral.

Outro ponto da argumentação do fisco, lembram as advogadas do Vieira Rezende, é que a LGPD não foi editada especificamente para aplicação ao setor financeiro (ao qual pertence a empresa que realizou a consulta), mas a diversos setores da economia, e que não havia relação direta entre a atividade desempenhada pela empresa e os gastos com adequação à lei. Mareque e Laranjeira lembram que a perda da possibilidade de creditamento é relevante, já que, no regime de apuração não cumulativo, o total de créditos das duas contribuições seria de 9,25% sobre os valores gastos.

Leia, na entrevista abaixo, os argumentos da Receita e dos contribuintes que pleiteiam o direito aos créditos de Pis e Cofins referentes aos gastos com adequação à LGPD.


– Quais são as novidades trazidas pela Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) 307/23? 

Nathan Amaral e Romero Marinho: A Solução de Consulta Cosit 307/23 estabeleceu que os valores despendidos com investimentos em atividades de adequação e operacionalização da LGPD não geram créditos de Pis/Cofins.

Contextualizando, na sistemática não cumulativa, o contribuinte pode descontar os créditos de Pis/Cofins da base de cálculo do próprio tributo. As despesas que dão direito ao crédito estão previstas taxativamente na lei, que inclui, em seu rol, a aquisição de “bens e serviços, utilizados como insumo”.

Em regra, para ser considerado insumo, o bem ou serviço deve ser essencial à atividade produtiva da empresa, ou seja, sua retirada do processo de produção deve ter como consequência a inviabilização ou perda de qualidade dos bens vendidos por ela ou dos serviços prestados por ela a terceiros. Também é considerado insumo aquele bem ou serviço que, mesmo não sendo essencial ao processo produtivo, o integra por singularidades da cadeia ou por imposição legal.

Baseando nesses conceitos, os contribuintes defendem que, por se tratar de uma imposição legal, os gastos relacionados à adequação à LGPD se encaixariam no conceito de insumo, dando direito a crédito de Pis/Cofins. Tal argumento não vinha sendo acolhido, com exceção de casos específicos em que se entendia que as exigências da LGPD estavam relacionadas diretamente à atividade econômica do contribuinte, como no caso das empresas de prestação de serviços digitais.

Portanto, a Solução de Consulta concretizou o posicionamento da Fazenda contrário à tese do creditamento por gastos de adequação à LGPD, reforçando-o, em especial, no que se refere às empresas de prestação de serviços digitais, como aquelas de pagamento digital. 

Bianca Mareque e Maria Alice Laranjeira: O posicionamento da Receita Federal em relação à LGPD e ao direito a créditos de Pis e Cofins é inédito, apesar de estar em linha com entendimentos externalizados anteriormente, em relação a outros gastos decorrentes de imposição legal.

Ao publicar a Solução de Consulta 307/23, a Receita formalizou entendimento no sentido de que que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não foi editada especificamente para aplicação ao setor financeiro, (ao qual pertence a empresa consulente), mas a diversos setores da economia.

Seguindo essa lógica, não haveria relação direta entre a atividade desempenhada pela empresa e os gastos com adequação à LGPD, o que, por consequência, não geraria direito a créditos de Pis e Cofins. 


– O que a Receita Federal argumentou, na Solução de Consulta 307/23, para negar ao contribuinte o direito do crédito de Pis e Cofins referentes aos gastos de adequação à LGPD?

Nathan Amaral e Romero Marinho: A Receita Federal argumentou que a caracterização do creditamento de Pis/Cofins exige a demonstração de que determinada despesa incorre estritamente dentro do processo de produção de bens ou da prestação de serviços. Por isso, em regra, o insumo é contabilmente registrado como custo de produção e não como despesa no sentido geral.

Os gastos de implementação da LGPD por não estarem relacionados ao processo de prestação de serviços em si, mas sim à proteção de dados dos clientes, constituiriam espécies de despesa no sentido geral e não de custos de produção. Evidência disso, segundo a Receita, é que os gastos com a LGPD quando subtraídos do processo produtivo da empresa não acarretam a impossibilidade de exercício do objeto social, nem mesmo substancial perda em sua qualidade.

Segundo o entendimento da Fazenda, o caráter geral é reforçado pelo fato de que a LGPD é direcionada a todas as empresas, não sendo do processo produtivo específico de nenhuma. Ainda, a LGPD não imporia aos contribuintes a assunção de despesas, limitando-se a estabelecer normas gerais sobre o tratamento de dados pessoais. 

Bianca Mareque e Maria Alice Laranjeira: Seguindo o racional de que as disposições da LGPD são aplicáveis a diversos setores da economia, a Receita se posicionou no sentido de que os valores incorridos pelas empresas para adequação aos termos da LGPD configuram despesas, e não custos, por não guardarem relação direta com o objeto social da consulente. Por esse motivo, a empresa não teria direito a créditos de Pis e Cofins sobre tais gastos.

Para que fique claro, a diferença entre os conceitos de custo e despesa é que o primeiro está diretamente ligado à produção de bens ou serviços; já o segundo tem relação mais direta com a manutenção do negócio.

A Receita ainda argumentou que a LGPD não impõe, de maneira expressa, na espécie, a realização de gastos, limitando-se a prever normais gerais sobre o tratamento de dados pessoais, razão pela qual os valores despendidos com investimentos em atividades de adequação e operacionalização da Lei 13.709/2018 (LGPD) não configuram aquisição de insumos.


– Com a publicação dessa Solução de Consulta, como fica o argumento dos contribuintes de que os gastos de adequação à LGPD deveriam gerar créditos de Pis e Cofins?

Nathan Amaral e Romero Marinho: As soluções de consulta proferidas pela Cosit vinculam os agentes da Receita Federal do Brasil (RFB) a partir da sua publicação. Sendo assim, em caso de fiscalização, o auditor da RFB estará obrigado a autuar o contribuinte caso verifique o aproveitamento de créditos dessa natureza.

Ainda que os argumentos dos contribuintes possuam seus fundamentos e não sejam necessariamente enfraquecidos pela Solução de Consulta, a tomada de créditos pelas empresas, sem amparo de decisão judicial preventiva, traz ao contribuinte risco concreto de autuação fiscal pela Receita Federal.

Bianca Mareque e Maria Alice Laranjeira: A argumentação dos contribuintes segue sendo a de que, apesar de as normas previstas pela LGPD se aplicarem a diversos setores da economia, elas são obrigatórias. Isto é, caso descumpram as previsões da LGPD, as empresas estão sujeitas à aplicação de penalidades, o que deve ser observado para fins de eventual adequação das despesas como insumos.

No caso das atividades realizadas pela empresa consulente, a preservação dos dados dos clientes se revela ainda mais essencial, por se tratar de dados sensíveis, com grande potencial de causar danos financeiros aos clientes em caso de vazamento.

A discussão é relevante porque, caso o direito aos créditos seja reconhecido, o total de créditos de Pis e Cofins, no regime de apuração não cumulativo, seria de 9,25% sobre os valores gastos.


– O que se recomenda aos contribuintes interessados em discutir a questão no Judiciário?

Nathan Amaral e Romero Marinho: Não há dúvidas de que a discussão quanto ao direito ao aproveitamento de créditos de Pis e Cofins no que se refere às despesas incorridas para dar efetivo cumprimento às diretrizes da LGPD conta com argumentos plausíveis do ponto de vista jurídico. Ainda, cabe salientar que a Solução de Consulta analisou especificamente o caso das empresas de tecnologia financeira, incluindo aqui as empresas de pagamento digital, vinculando à Receita especificamente nessa hipótese.

Não obstante, dado o atual contexto, recomenda-se uma análise estratégica prévia ao ajuizamento da ação judicial em que se verifique (ou não) a específica correlação entre a adequação à LGPD e a cadeia produtiva da atividade da empresa, buscando instruir a demanda com exemplos ilustrativos e comprovação da inserção da realização das diretrizes normativas na atividade econômica da sociedade empresária. Afinal, quanto mais evidente for no caso concreto a relevância da adequação à LGPD dentro do processo produtivo da companhia, maior a chance de êxito.

Bianca Mareque e Maria Alice Laranjeira: Os contribuintes já levaram a discussão ao Judiciário, com decisões desfavoráveis na grande maioria dos casos. No entanto, a tese conta com bons argumentos aos contribuintes, que, ao final, estão submetidos às normas que tratam da proteção de dados, de modo que a discussão é válida.

Nesse contexto, considerando o posicionamento da Receita Federal e as decisões majoritariamente desfavoráveis nos Tribunais Regionais Federais, recomenda-se que as empresas que pretendam discutir a questão continuem efetuando o recolhimento das contribuições sem se utilizar dos créditos, e sigam a discussão judicial, considerando as particularidades do setor da economia em que se enquadrem.

É provável que a discussão chegue aos tribunais superiores, quando, a depender do posicionamento adotado, a matéria estará bem definida quanto ao recolhimento de Pis e Cofins futuro e eventual possibilidade de recuperação de créditos quanto ao passado.

 

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