Entenda a decisão que delimita dois conceitos de receita bruta

Julgamento do STJ em “tese filhote” difere do proferido pelo STF e gera insegurança jurídica

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O conceito de receita bruta pode ser um para as empresas do lucro real e outro para as do lucro presumido? Sim, conforme se deduz do resultado de recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre uma “tese filhote” da “tese do século”. A corte considerou que o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) faz parte da receita bruta e compõe a base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) nas empresas do lucro presumido.

Ao julgar a “tese do século”, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o ICMS não compõe a receita bruta das empresas porque apenas transita pela contabilidade e, por isso, deve ficar de fora da base de cálculo do Pis e da Cofins. Por conta disso, muitos acreditavam que esse entendimento deveria balizar também o julgamento das “teses filhotes”, como a recentemente julgada pelo STJ (exclusão do ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL).

De fato, o julgamento começou de forma favorável aos contribuintes – ocasião em que a relatora, ministra Regina Helena Costa, seguiu o entendimento do STF na “tese do século” e considerou que o ICMS não poderia ser considerado receita bruta – e que não poderia haver dois conceitos diferentes, um para empresas do lucro real e outro para aquelas do lucro presumido. No entanto, houve uma virada em prol da União e o resultado final a beneficiou. Associados do Vieira Rezende Advogados, Bianca Mareque e Miguel Guerrero explicam que a decisão foi fundamentada no entendimento que o lucro presumido é optativo e oferece ao contribuinte uma forma simplificada de apuração da base de cálculo tributável e exação a pagar, se comparada à sistemática do lucro real.

Para fins de presunção do lucro, consideram-se tanto as receitas quanto despesas, custos e encargos – e, ao aderir, o contribuinte deve, necessariamente, concordar com a forma de apuração tributária e conceito de receita bruta eleito para o regime. Já no lucro real, é possível deduzir o ICMS como despesa. “Assim, considerou 1ª Seção do STJ que deverá o contribuinte, ao optar pela sua sistemática de tributação, considerar o ônus e o bônus verificado em cada uma delas, não podendo se valer de uma sistemática híbrida, que utilize a receita bruta como base presumida tributável, mas autorize eventuais deduções de base de cálculo.”

Rute Souza e Pedro Simão, associada e sócio do Freitas Ferraz Advogados, explicam que a corte considerou que existe previsão expressa na legislação federal para a inclusão do ICMS e de demais tributos, despesas e custos, no conceito de receita bruta para fins de tributação do IRPJ e da CSLL nas empresas do lucro presumido. “Nesse sentido, uma vez que não é necessário realizar deduções, entenderam que o ICMS seria incluído da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das empresas sujeitas ao lucro presumido.” E que, caso o contribuinte quisesse realizar deduções, deveria optar pelo lucro real.

Souza e Simão consideram que a decisão cria cenário de incerteza jurídica para os contribuintes: “Ao decidir dessa forma, o STJ assume que o advento de lei infraconstitucional pode conferir tratamento diverso ao conceito de receita bruta previsto na Constituição Federal e do próprio entendimento já externalizado pelo STF. Em ambos os casos, o ICMS não compõe acréscimo patrimonial para contribuinte, não sendo razoável, portanto, que o conceito de receita bruta seja moldado para diferentes fins.”

A mesma avaliação – de insegurança jurídica – têm os advogados do Vieira Rezende. “Com isso, segue um cenário incerto aos jurisdicionados quanto à eventual êxito nas ações que discutam matérias denominadas como “teses filhotes”, que possuem como embasamento exatamente o resultado extraído do julgamento do Tema 69 pelo STF”, afirmam Mareque e Guerrero.

Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz e do Vieira Rezende explicam a fundamentação da decisão do STJ e abordam os seus impactos.


– O STJ entendeu que o ICMS deve ser incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL da empresas sujeitas ao lucro presumido. O que embasou a decisão da corte?

Bianca Mareque e Miguel Guerrero: O julgamento do tema, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), contou com dois entendimentos diversos, tendo prevalecido a tese pela inclusão do ICMS na base de cálculo do IPRJ e CSLL apurados sob a sistemática do lucro presumido.

Sobre o entendimento, o voto prevalecente destacou que o lucro presumido figuraria como regime optativo ao contribuinte, que contaria com forma simplificada de apuração da base de cálculo tributável e exação a pagar, se comparada à sistemática do lucro real. Ou seja, tendo o contribuinte aderido ao lucro presumido, que, no entendimento do acórdão, considera, para fins de presunção, tanto receitas, quanto eventuais despesas, custos e encargos, deve, necessariamente, concordar com a forma de apuração tributária e conceito de receita bruta elegido para o regime.

Isso porque, considerando que apenas o lucro real tem como base de cálculo o lucro contábil, apenas nessa sistemática seria possível a dedutibilidade do ICMS como despesa, nos termos da legislação de regência.

Assim, considerou 1ª Seção do STJ que deverá o contribuinte, ao optar pela sua sistemática de tributação, considerar o ônus e o bônus verificado em cada uma delas, não podendo se valer de uma sistemática híbrida, que utilize a receita bruta como base presumida tributável, mas autorize eventuais deduções de base de cálculo.

Rute Sousa e Pedro Simão: O principal fundamento para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixar a tese pela inclusão do ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, para empresas sujeitas ao lucro presumido, decorre do fato de existir previsão expressa na legislação federal nesse sentido.

De acordo com o entendimento da corte, o conceito de receita bruta previsto no artigo 12 do Decreto-Lei n° 1598/77, com a redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014, observadas as alíquotas previstas nos artigos 15 e 20 da Lei n° 9.249/95, representa uma clara intenção do legislador de incluir na definição de receita bruta, para fins de tributação de IRPJ e CSLL pelo lucro presumido, os tributos, despesas e demais custos que sobre ela incidem. Nesse sentido, uma vez que não é necessário realizar deduções, entenderam que o ICMS seria incluído da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das empresas sujeitas ao lucro presumido.

Para o ministro Gurgel de Faria, responsável pela redação do voto vencedor – e divergente da relatora ministra Regina Helena –, não pode o contribuinte tentar alcançar o melhor dos dois mundos ao tentar realizar uma combinação entre o regime do lucro presumido e do lucro real. Caso o contribuinte pretenda realizar as deduções, deveria seguir a sistemática do lucro real, sendo necessário avaliar caso a caso qual o regime mais benéfico para as atividades desenvolvidas e segui-lo.


– Ao julgar a “tese do século”, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o ICMS não compõe a receita bruta das empresas e, por isso, deveria ficar de fora da base de cálculo do Pis e da Cofins (o que valeu tanto para empresas do lucro presumido quanto do lucro real). Por que o mesmo raciocínio não foi adotado no caso julgado pelo STJ?

Bianca Mareque e Miguel Guerrero: Para afastar a aplicação do Tema 69 ao caso, o STJ acabou por fazer um paralelo entre o lucro presumido e a Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta – CPRB. Isso porque, no entendimento do tribunal, ambos os regimes seriam facultativos ao contribuinte, de modo que eventual apuração deve se dar conforme as regras dispostas na legislação de regência das exações.

Com isso, apesar do julgamento da tese do século, entendeu a corte superior que referido entendimento deve ser aplicado tão somente em relação ao Pis/Cofins, sendo indevida a sua extensão e aplicação no que se refere a outros tributos, sendo de observância como precedente, portanto, o Tema 1.049 do STF, que discutiu a inclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB.

Rute Sousa e Pedro Simão: Para o STJ, são contextos e bases de cálculo distintas, sobretudo diante do fato de que, no presente caso, a discussão se dá na seara infraconstitucional.

De acordo com o voto do ministro Gurgel de Faria, na tributação do IRPJ e CSLL pelo lucro presumido, a receita pública representa um parâmetro para aplicação de percentual com o fim da apuração do lucro presumido, da qual se extrai a base de cálculo para o cálculo do tributo.

No caso da contribuição para o Pis e Cofins, a receita já constitui a própria base de cálculo, o que caracteriza diferentes situações. Portanto, para o STJ, o entendimento fixado pelo Tema 69 não deve ser estendido para todos os casos, seguindo entendimento do próprio STF que já proferiu decisão no sentido de não ser possível aplicar o entendimento do Tema 69 quando o contribuinte pode escolher qual regime de tributação adotar.


– Qual é a sua avaliação sobre o resultado do julgamento?

Bianca Mareque e Miguel Guerrero: Por ocasião do julgamento do Tema 1.049, o STF optou por dar interpretação distinta ao conceito de receita bruta que havia sido fixado quando do julgamento da “tese do século”.

Com isso, restou definido um conceito do que seja receita bruta para fins do Pis e da Cofins e também que, em relação aos regimes de caráter facultativo ao contribuinte, como é o caso da CPRB e do lucro presumido, referida restrição ao alargamento da base de cálculo das exações para fins de exclusão de tributos incidentes não seria aplicável.

No entanto, o que se verifica, da distinção do conceito de receita bruta conforme o tributo que esteja sendo analisado, é a criação de um cenário de insegurança jurídica, porquanto não se verifica um conceito definido a ser observado pelo contribuintes, mas a necessária observância do cenário em que estejam inseridos. Com isso, segue um cenário incerto aos jurisdicionados quanto à eventual êxito nas ações que discutam matérias denominadas como “teses filhotes”, que possuem como embasamento exatamente o resultado extraído do julgamento do Tema 69 pelo STF.

Rute Sousa e Pedro Simão: A alteração do conceito de receita bruta em contextos diferentes de tributação representa um cenário de insegurança jurídica para os contribuintes. Ao decidir dessa forma, o STJ assume que o advento de lei infraconstitucional pode conferir tratamento diverso ao conceito de receita bruta previsto na Constituição Federal e do próprio entendimento já externalizado pelo STF.

Em ambos os casos, o ICMS não compõe acréscimo patrimonial para contribuinte, não sendo razoável, portanto, que o conceito de receita bruta seja moldado para diferentes fins.


– A partir de quando a decisão se aplica?   

Bianca Mareque e Miguel Guerrero: Como não houve modulação dos efeitos por parte do STJ, em razão de já haver entendimento no STJ no sentido da tese fixada pelo tribunal, sua eficácia é imediata.

Rute Sousa e Pedro Simão: A decisão será aplicável de imediato, tendo sido dispensada a aplicação da modulação de efeitos na sessão de julgamento.


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