Carf decide em prol do contribuinte

Divergência de entendimento não enseja multa por descumprimento de obrigação acessória

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As multas aplicadas pela Receita Federal quando o contribuinte apresenta uma declaração considerada incompleta, inexata ou com erro são relativamente comuns e podem ser altas, até mesmo superiores aos valores dos tributos. A situação é ainda mais complicada porque o Fisco muitas vezes considera que há vícios na declaração mesmo quando esta reflete o procedimento adotado pelo contribuinte. Por isso, é relevante a recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre o descumprimento de obrigações acessórias, isentando o contribuinte de multa.

“O julgado é importante porque expressamente define que a divergência de entendimento sobre a tributação de determinado fato não enseja multa por declaração incorreta se essa declaração era congruente com o procedimento adotado pelo contribuinte, ainda que eventualmente este contribuinte esteja equivocado na maneira de apurar o tributo”, afirma Fernanda Rizzo, associada do Vieira Rezende Advogados.

Ela explica que muitas vezes a fiscalização verifica divergência entre o que foi declarado e o que, no seu entender, deveria ter sido declarado, e multa o contribuinte por considerar que a informação prestada era inexata, incompleta ou com erro. No entanto, Rizzo lembra que há situações diferentes. Uma coisa é o contribuinte prestar informação com erro ou omissão – quando o vício está contido na declaração – e outra situação é o contribuinte apresentar em sua declaração valores congruentes com a sua contabilidade e com a operação praticada, quando não há erro de informação na declaração porque a informação era verídica. Nesta última situação, não caberia multa por vício na declaração, mas eventualmente o entendimento do fisco de que a operação tinha problemas, exigindo suposta diferença tributária.

O caso julgado ocorreu na 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção, afastando uma multa de 140 milhões de reais aplicada à Ambev por descumprimento de obrigação acessória, conforme noticiado pelo Valor Econômico.

Na entrevista abaixo, Rizzo aborda a importância do julgamento para os contribuintes.


– O que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu com relação à aplicação de multa de 3%, por parte da Receita Federal, referente a descumprimento de obrigação acessória?

Fernanda Rizzo: O Carf expressamente define que a divergência de entendimento sobre a tributação de determinado fato não enseja multa por declaração incorreta se essa declaração era congruente com o procedimento adotado pelo contribuinte, ainda que eventualmente este contribuinte esteja equivocado na maneira de apurar o tributo.


– São comuns as multas de descumprimento de obrigação acessória quando a Receita Federal tem entendimento diferente do contribuinte?

Fernanda Rizzo: São relativamente comuns as multas de tal natureza, e previstas em diversos atos normativos que regulam referidas obrigações acessórias, como, por exemplo, no artigo 57, inciso III, alínea “a” do Decreto nº 2.158-35/2001 e no artigo 8º-A do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977.

Assim, muitas vezes a fiscalização verifica divergência entre o que foi declarado e o que, no seu entender, deveria ter sido declarado, e lavra cobranças do tipo, supostamente embasadas na fundamentação de que haveria ocorrido prestação de informação inexata, incompleta ou com erro.


– Qual é a sua avaliação sobre o julgamento?

Fernanda Rizzo: O julgado está corretíssimo. Prestar informação inexata é o ato de se prestar uma informação com erro. Prestar informação incompleta é o ato de se prestar uma informação parcial, e a omissão é a falta de apresentação da informação. O vício está contido na declaração, ou seja, o ato de declarar ocorreu com erro.

Se o contribuinte apresenta em sua declaração valores congruentes com a sua contabilidade e com a operação praticada, não há erro de informação na declaração, pois a informação era verídica. Outra coisa é o Fisco entender que a operação tinha problemas e exigir suposta diferença tributária.

A divergência, nesse caso, não está na prestação da informação, pelo contrário, é por ela ser fidedigna que o Fisco pode verificar erro na apuração do tributo ou não.

Nesse sentido o relator do precedente ao afirmar: “Entende-se, neste passo, como informação incorreta, para fins de aplicação da penalidade em comento, aquela informação que não reflita a realidade da operação realizada pelo contribuinte”. “Portanto, pode-se afirmar, mais uma vez, que informações incorretas, que dão ensejo à penalidade prevista no artigo 8º-A, inciso II do Decreto-Lei 1.598/77, são aquelas que, de alguma forma, não refletem a realidade, ou seja, não refletem o que de fato aconteceu, independentemente do entendimento contrário da fiscalização sobre o tema”.

Do contrário, qualquer autuação fiscal ensejaria a aplicação da multa pela informação incorreta, o que obviamente não faz sentido.


– O entendimento do Carf é importante para os contribuintes? Por quê? 

Fernanda Rizzo: O julgado é importante porque expressamente define que a divergência de entendimento sobre a tributação de determinado fato não enseja multa por declaração incorreta se essa declaração era congruente com o procedimento adotado pelo contribuinte, ainda que eventualmente este contribuinte esteja equivocado na maneira de apurar o tributo.

Em outras palavras, se o contribuinte deduz um montante do IR e assim o declara, o fato de o fisco entender ser tal valor indedutível não torna a declaração incorreta, pois ela reflete a conduta adotada pelo contribuinte. Ele poderá ser autuado para recolher a diferença do IR e multa de ofício vinculada ao tributo, apenas isso, pois não há “defeito” na declaração, que refletiu a realidade dos fatos. Somente se este não tivesse declarado a dedução ou tivesse declarado valor diferente da dedução é que caberia a multa por algum “vício” na declaração.

Vale lembrar que as multas nesses casos podem representar valores expressivos, pois são calculadas sobre o montante informado “com vício” e não sobre o tributo não pago (que pode sequer existir). Assim, se o suposto vício estiver na base de cálculo, por exemplo, a multa poderá ultrapassar o montante do tributo, o que aumentaria a possibilidade de arrecadação. O julgado, nesse sentido, contribui para impedir esses tipos abusivos de autuação.


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