Empresas são beneficiadas em julgamento de “tese filhote”

STJ entende que ICMS-ST não integra a base de cálculo do Pis e da Cofins

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Empresas dos setores de alimentos, bebidas, cosméticos e medicamentos, dentre outros que operam sob sistemática de substituição tributária (ST), serão beneficiadas por recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu que o ICMS recolhido pela ST não integra a base de cálculo do Pis e da Cofins.

A questão está ligada à chamada “tese do século”, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017. Na ocasião, a corte entendeu que o ICMS não consiste em receita bruta ou faturamento das empresas e, por isso, não deve integrar a base de cálculo das duas contribuições federais. Esse entendimento deu surgimento a teses derivadas, as chamadas “teses filhotes” – como a julgada pelo STJ em dezembro de 2023, que trata do ICMS recolhido sob a sistemática da ST.

“A substituição tributária progressiva do ICMS, conhecida como substituição “para frente”, é um regime de apuração e recolhimento que consiste na atribuição de responsabilidade pelo pagamento antecipado do tributo futuramente devido por um ou vários terceiros de determinada cadeia produtiva (“substituídos”), ao contribuinte situado no início dessa cadeia (“substituto”)”, explicam Bernardo Fenelon e Júlia Swerts, associados do Freitas Ferraz Advogados. Essa sistemática facilita a fiscalização porque  concentra o recolhimento de todo o tributo em um único contribuinte.

A “tese do século”

“Em verdade, a tese é exatamente a mesma da tese do século, uma vez que envolve o mesmo tributo, não havendo alteração no fundamento em razão de se tratar do ICMS para os casos de substituição tributária, vale dizer, a sistemática de apuração do tributo não altera o fato de que este permanece sendo uma receita do Estado”, avaliam Bruna Luppi e Fernanda Rizzo, sócia e associada do Vieira Rezende Advogados.

A decisão, lembram as advogadas, vale apenas para o ICMS-ST e os ministros alertam que ela não sinaliza a possibilidade de exclusão de todo e qualquer tributo da base de cálculo das referidas contribuições.

Os contribuintes que recolheram o Pis e a Cofins com o ICMS em suas bases de cálculo terão direito à restituição dos valores indevidamente pagos. Na entrevista a seguir,  os advogados do Freitas Ferraz e do Vieira Rezende explicam quais são os procedimentos para tanto e abordam a decisão do STJ.


– Qual é o histórico da questão julgada pelo STJ envolvendo a inclusão do ICMS-ST na base de cálculo do Pis e da Cofins? 

Bernardo Fenelon e Júlia Swerts: Em março de 2017, o STF encerrou o julgamento do Recurso Especial (REsp) nº 574.706/PR, (Tema nº 69), fixando o entendimento pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do Pis e da Cofins (“tese do século”). Naquela oportunidade, a corte entendeu que, por serem repassados aos Estados e ao Distrito Federal, os valores de ICMS destacados nas notas fiscais não se enquadrariam no conceito constitucional de faturamento ou receita bruta, razão pela qual não podem ser incluídos na base de cálculo das referidas contribuições.

Após o encerramento do referido julgamento, os contribuintes buscaram a aplicação do entendimento em hipóteses semelhantes, conhecidas como “teses filhotes”, dentre as quais encontra-se a discussão quanto à (im)possibilidade da inclusão do ICMS-ST na base de cálculo do Pis e da Cofins.

O STF, ao se debruçar sobre o tema no julgamento do REsp 1.258.842/RS (Tema 1.098), concluiu que a discussão da exclusão do ICMS recolhido na sistemática progressiva de substituição tributária da base de cálculo do Pis e da Cofins tem natureza infraconstitucional, razão pela qual coube ao STJ decidir definitivamente sobre a questão.

O STJ realizou o julgamento dos Recursos Especiais 1.958.265/SP e 1.896.678/RS, na sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.125), em 13 dezembro de 2023.

Bruna Luppi e Fernanda Rizzo: A tese envolvendo a inclusão ou não do ICMS-ST na base de cálculo do Pis e da Cofins para o contribuinte substituído, que é objeto do Tema Repetitivo 1.125 no STJ,  é uma das teses chamadas “filhotes” da discussão acerca da exclusão do ICMS na base de cálculo dessas contribuições, a chamada “tese do século”, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017.

A discussão é baseada no argumento utilizado na tese do século, segundo o qual o ICMS-ST não seria receita bruta ou faturamento do contribuinte substituído, mas sim um valor do Estado, não devendo, portanto, compor a base de cálculo das contribuições ao Pis e Cofins. Em verdade, a tese é exatamente a mesma da “tese do século”, uma vez que envolve o mesmo tributo, não havendo alteração no fundamento em razão de se tratar do ICMS para os casos de substituição tributária, vale dizer, a sistemática de apuração do tributo não altera o fato de que este permanece sendo uma receita do Estado.


– A corte decidiu pela exclusão do ICMS-ST da base de cálculo do Pis e da Cofins. Por quê? 

Bernardo Fenelon e Júlia Swerts: A 1ª Seção do STJ, quando do julgamento dos REsp 1.958.265/SP e 1.896.678/RS (Tema nº 1.125), fixou o entendimento de que “o ICMS-ST não compõe a base de cálculo da Contribuição ao Pis e da Cofins devidas pelo contribuinte substituído no regime de substituição tributária progressiva”.

A substituição tributária progressiva do ICMS, conhecida como substituição “para frente”, é um regime de apuração e recolhimento que consiste na atribuição de responsabilidade pelo pagamento antecipado do tributo futuramente devido por um ou vários terceiros de determinada cadeia produtiva (“substituídos”), ao contribuinte situado no início dessa cadeia (“substituto”). A sistemática tem como principal objetivo facilitar a fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias pelo Fisco, pois concentra o recolhimento de todo o tributo em um único contribuinte.

Nesse cenário, ao julgar se o ICMS recolhido nessa sistemática deve compor a base de cálculo do Pis e da Cofins, o STJ concluiu que o entendimento firmado pelo STF no julgamento da “tese do século” (Tema nº 69) é inteiramente aplicável à hipótese, já que os contribuintes, substituídos ou não, encontram-se na mesma situação no que se refere à tributação pelo ICMS – cujo valores não são considerados faturamento ou receita bruta –, diferenciando-se, tão somente, em razão do mecanismo de recolhimento do tributo.

Há que se ressalvar, contudo, que o acórdão ainda não foi disponibilizado pelo STJ, de modo que uma análise mais profunda da decisão deverá ser realizada após a sua publicação.

Bruna Luppi e Fernanda Rizzo:  A corte aplicou o mesmo princípio adotado no julgamento da tese do século, entendendo que o ICMS-ST, de fato, não é receita tributável pelo Pis e Cofins. Sobre a questão da substituição, os ministros destacaram que não há alteração do entendimento aplicado ao ICMS comum para as operações envolvendo a substituição tributária, pois o que muda é apenas a sistemática de recolhimento para uma maior eficiência da arrecadação, e não a natureza do tributo envolvido.

Os ministros alertaram, contudo, que a decisão se aplica apenas ao ICMS-ST, não constituindo entendimento sobre a possibilidade de exclusão de todo e qualquer tributo da base de cálculo das referidas contribuições. Os ministros tentam evitar, assim, que esse entendimento seja automaticamente aplicado para outras “teses filhotes” do ICMS na base de cálculo do Pis e da Cofins.


– De que forma a decisão beneficia os contribuintes? 

Bernardo Fenelon e Júlia Swerts: A decisão beneficia aqueles contribuintes que operem com mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária progressiva e que se encontrem na posição de substituídos tributários, situação em que poderão deixar de recolher o Pis e a Cofins sobre o valor correspondente ao ICMS-ST.

Esses contribuintes terão, ainda, o direito à restituição dos valores indevidamente recolhidos a esse título.

Bruna Luppi e Fernanda RizzoA decisão, proferida pela Primeira Seção do STJ em recurso repetitivo, beneficia os chamados contribuintes substituídos do ICMS, como aqueles dos setores de bebidas, cosméticos, alimentos, medicamentos, artefatos domésticos e outros tantos submetidos ao regime em que se transfere para o início da cadeia produtiva o recolhimento do ICMS das demais fases. Os contribuintes substituídos que se beneficiarem da decisão poderão excluir o montante correspondente ao ICMS-ST da base de cálculo do Pis e da Cofins.

Vale lembrar que a decisão proferida pelo STJ é definitiva, uma vez que o STF não analisará o tema por entender que a discussão é infraconstitucional.


– A partir de quando os contribuintes podem excluir o ICMS-ST da base de cálculo do Pis e da Cofins? Contribuintes que pagaram as contribuições a mais podem pleitear restituição? Como é esse processo? 

Bernardo Fenelon e Júlia Swerts: Considerando a possibilidade de oposição de Embargos de Declaração pela União e, por consequência, a ausência de trânsito em julgado do acórdão, recomenda-se cautela aos contribuintes substituídos para a realização do procedimento de exclusão do ICMS-ST da base de cálculo do Pis e da Cofins.

Para os contribuintes que discutem judicialmente a matéria, recomenda-se a obtenção de tutela que autorize expressamente a exclusão imediata do ICMS-ST da base de cálculo do Pis e da Cofins; enquanto, para os contribuintes que não ajuizaram ação própria, recomenda-se que se aguarde o trânsito em julgado dos REsp 1.958.265/SP e 1.896.678/RS e a manifestação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional sobre a inclusão do tema na lista de dispensa de contestação e recurso, a que se refere o art. 19-A, III, da Lei 10.522/02.

Os contribuintes poderão pleitear a repetição do indébito dos valores indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos contados do trânsito em julgado da decisão judicial que reconhecer esse direito, no caso de existência ação judicial; ou, da data do protocolo pedido de restituição ou declaração de compensação, caso não exista discussão judicial.

Na primeira hipótese, os contribuintes poderão se valer da sistemática do precatório, via judicial, ou, caso prefiram, da transmissão administrativa de pedido de compensação de crédito reconhecido judicialmente, que deverá ser precedido da habilitação do crédito perante a Receita Federal. Já na segunda hipótese, os contribuintes poderão valer-se do pedido administrativo de restituição ou da transmissão da declaração de compensação, nos termos regulamentados na Instrução Normativa RFB 2.055/21.

Bruna Luppi e Fernanda Rizzo:  Com o precedente firmado pelo STJ em recurso repetitivo, os tribunais devem aplicar aos demais casos o mesmo entendimento, beneficiando os contribuintes que atualmente discutem a questão. Espera-se, além disso, que não haja autuações aos contribuintes que deixarem de incluir o ICMS-ST na base de cálculo das contribuições a partir da decisão do STJ.

Os contribuintes que pagaram indevidamente as contribuições majoradas podem pleitear a restituição, mas para isso devem ajuizar ação judicial. A partir da decisão judicial favorável transitada em julgado, poderão optar por receber os créditos por precatório ou habilitar administrativamente o crédito e compensar administrativamente o indébito de Pis e Cofins, lembrando-se apenas que atualmente vigora a Medida Provisória 1.202/23, que limita a compensação mensal de valores reconhecidos em decisões judiciais para créditos acima de R$ 10 milhões.


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