A decisão do STF sobre a “tese tributária do século” e seus impactos

Modulação temporal no caso do ICMS na base de PIS/Cofins ajuda a perpetuar insegurança jurídica

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Depois de cinco anos de expectativa, o Supremo Tribunal Federal (STF) enfim encerrou o julgamento da questão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins. O julgamento do mérito — pela inconstitucionalidade da inserção — já havia sido concluído em março de 2017, mas a apresentação de embargos de declaração pela Fazenda Nacional mais uma vez colocou suspense no ar. O fisco reivindicou a determinação de qual ICMS seria desconsiderado da base de cálculo: aquele constante da nota fiscal ou o efetivamente recolhido (no fim, prevaleceu o da nota fiscal).

O atual julgamento também resultou em modulação de efeitos quanto aos prazos para devolução de valores pagos a mais pelos contribuintes. Se o STF decidisse pela devolução de anos anteriores sem modulação o governo estimava ter de desembolsar cerca de 250 bilhões de reais.

“Tendo em vista o monumental impacto anunciado sobre o Tesouro Nacional, acabou-se definindo, por meio de modulação, um critério de limitação temporal do direito à recuperação dos valores indevidamente recolhidos, a fim de mitigar o impacto financeiro para a União”, observa Tiago Severini, sócio do Vieira Rezende Advogados. “Considerando que a decisão foi proferida em sede de repercussão geral, o resultado do julgamento obriga a todos os órgãos da administração pública federal, de modo que, independentemente do ajuizamento de medida judicial, todos os contribuintes já podem se aproveitar dos efeitos futuros da decisão, podendo deixar de recolher o PIS/Cofins calculado sobre o valor do ICMS destacado na nota fiscal”, ressalta a sócia do Candido Martins Advogados Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia.

A conclusão do julgamento, no entanto, não significa necessariamente diminuição da insegurança jurídica relacionada a tributos no Brasil. “A modulação dos efeitos, vista em conjunto com as demais modulações já realizadas pelo STF, pode causar um aumento dos litígios tributários”, opina Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. “Estima-se que a maior parte das empresas, sobretudo pequenas e médias, não tenham ajuizado suas ações anteriormente e representam o maior número de contribuintes afetados com a modulação dos efeitos da recente decisão do STF, acabando por terem que suportar, ao menos em período pretérito, uma incidência inconstitucional”, observa Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados.

A seguir, Severini, Chiaradia, Braichi e Coimbra comentam em detalhes outros aspectos do julgamento da chamada “tese do século” na área de tributação.


O STF finalizou recentemente o julgamento que tratava do alcance temporal do ressarcimento dos valores pagos a mais com o ICMS considerado na base de cálculo do PIS e da Cofins. Qual a sua avaliação sobre o resultado do julgamento?

O resultado do julgamento foi técnico quanto ao mérito e político quanto à limitação dos efeitos da decisão, por meio de modulação. Ou seja, prevaleceu, no mérito, o reconhecimento da inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins (inclusive com o reconhecimento de todos os valores destacados de ICMS foram indevidamente incluídos na base daquelas contribuições, e não apenas o valor do ICMS efetivamente recolhido). No entanto, tendo em vista o monumental impacto anunciado sobre o Tesouro Nacional, acabou-se definindo, por meio de modulação, um critério de limitação temporal do direito à recuperação dos valores indevidamente recolhidos, a fim de mitigar o impacto financeiro para a União. Para esse aspecto, e definição da linha de corte, foi considerado preponderantemente o volume expressivo de medidas judiciais ajuizadas a partir de março de 2017, e o montante objeto das ações.

Minha avaliação é de que não foi de todo ruim, já que poderia ser pior. O ponto positivo é que restou definido que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins é aquele destacado na nota fiscal. Só isso acabará com numerosas discussões pendentes que estavam impedindo o aproveitamento dos créditos na esfera administrativa. O ponto negativo, mais uma vez, foi a modulação dos efeitos, especialmente fundamentado em razões econômicas e políticas implícitas que acarretam, na realidade, mais insegurança jurídica, além de manifesta injustiça fiscal.

A discussão finalmente encerrada pelo STF, que foi objeto de grande controvérsia no Judiciário entre os contribuintes e a Fazenda Nacional, na verdade já havia sido decidida em 2017, quando o Supremo declarou que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”, por não corresponder a faturamento dos contribuintes.

A oposição de embargos de declaração pela Fazenda Nacional foi uma tentativa de se rediscutir a matéria, com o argumento de que não teria ficado claro qual seria o ICMS a ser excluído — aquele destacado nas notas fiscais ou o efetivamente recolhido, bem como de modular seus efeitos, limitando a aplicação temporal e, por consequência, o impacto dessa decisão para os cofres públicos.

A Corte entendeu — a meu ver, corretamente — que o ICMS a ser excluído é aquele destacado nas notas fiscais, de forma contrária ao que defendia a Fazenda. No entanto, o STF, por maioria de votos, decidiu modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, tendo como referência a data do julgamento de mérito: 15 de março de 2017.

Assim, os contribuintes passaram a ter direito à exclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições a partir de 15 de março de 2017, ressalvados os contribuintes que já tinham ajuizado suas ações antes desta data, que ficaram autorizados a recuperar os tributos indevidamente recolhidos nos cinco anos anteriores à propositura da ação. Os contribuintes que ajuizaram ações posteriormente a 15 de março de 2017 e que ainda não tiveram o trânsito em julgado, ou seja, ações que ainda estiverem pendentes de julgamento final, restaram prejudicados, uma vez que apenas poderão recuperar os valores indevidamente recolhidos a partir dessa data.

Entendemos que o resultado final do julgamento, guardadas as devidas proporções, foi positivo para os contribuintes e deu contornos mais firmes para todas as partes envolvidas. A clareza resultante ao final pôs uma pá de cal a uma discussão daí advinda, arquitetada pela Receita Federal e manifestada na Solução de Consulta Interna da Receita Federal do Brasil (SCI/COSIT nº 13/2018), que tinha uma interpretação restritiva da decisão até então proferida pelo STF.

Contudo, o universo de contribuintes favorecidos reduziu-se, na medida em que somente aqueles que protocolaram ações judiciais e administrativas até a data da sessão em que proferido o julgamento do STF acerca do mérito da decisão — qual seja, 15 de março de 2017 — poderão compensar créditos pretéritos (cinco anos anteriores à data de protocolamento da ação).

Em exemplificação emblemática, um contribuinte que tiver incluído o ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins e tiver ajuizada a ação em 16 de março de 2017, um dia depois da sessão, somente poderá reaver o crédito referente ao dia anterior. Caso tivesse ajuizada a ação no dia 14 de março de 2017, ou seja, um dia antes da sessão, poderia reaver créditos desde cinco anos anteriores, ou seja, desde 14 de março de 2012. Nesse sentido, a modulação trará distorções evidentes, sobretudo para empresas que foram mais lentas no ajuizamento de sua demanda. Estima-se que a maior parte das empresas, sobretudo pequenas e médias, não tenham ajuizado suas ações anteriormente e representam o maior número de contribuintes afetados com a modulação dos efeitos da recente decisão do STF, acabando por terem que suportar, ao menos em período pretérito, uma incidência inconstitucional (lamente-se).


Na sua opinião, a decisão dos ministros afeta os contribuintes? De que maneira?

Em um sentido mais objetivo, os contribuintes saíram vencedores — ainda que, para alguns, o montante a recuperar tenha sido limitado no tempo. Isso porque há agora o efeito prospectivo, para os contribuintes que ajuizaram a ação, de que a inconstitucionalidade seja imediatamente sanada, além de uma tendência/expectativa de edição de normas para efetivar a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, o que deverá atingir a todos os contribuintes. Além disso, há o direito, ao menos, à restituição dos valores indevidamente recolhidos desde 15 de março de 2017, para todos os contribuintes que ajuizaram e, ainda, para os que apenas agora venham a ajuizar ação discutindo a matéria. E, enfim, para as empresas que ajuizaram suas ações e já tenham obtido o trânsito em julgado, há o reconhecimento do direito integral à restituição dos valores recolhidos desde os cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.

Já sob uma perspectiva mais ampla, a decisão sinaliza para os contribuintes a confirmação da tendência de modulação de efeitos em discussões com ampla repercussão financeira para a União. Isso significa um impulso para que as empresas, para maximizarem seu proveito quanto às teses tributárias, ajuízem as suas ações o mais cedo possível, em vez de aguardarem alguma sinalização ou desfecho mais claro nos tribunais. Em outras palavras, premia-se as empresas que, acreditando na tese desde o início, ajuizaram suas ações há bastante tempo, tendo obtido o trânsito em julgado, e portanto, restando protegidas quanto ao impacto da modulação de efeitos.

Sim, claro que afeta a todos os contribuintes pessoas jurídicas sujeitas ao recolhimento de PIS/Cofins. O contribuinte que ajuizou medida judicial antes de março de 2017 poderá aproveitar dos efeitos da decisão para recuperar os valores recolhidos dentro do respectivo prazo prescricional correspondente à data da distribuição da ação. O contribuinte que ajuizou medida judicial após 2017 ou aquele que nada fez poderá recuperar os valores recolhidos após março de 2017. E ambos, daqui para a frente, não devem mais recolher PIS/Cofins calculado sobre o faturamento composto da parcela do ICMS destacado na respectiva nota fiscal, independentemente de ordem judicial.

A decisão afeta financeiramente os contribuintes de forma direta, na apuração das contribuições ao PIS e à Cofins e na possibilidade de recuperação dos valores indevidamente recolhidos, corrigidos pela taxa Selic. Ao estabelecer que o ICMS que deve ser retirado da base de cálculo das contribuições é o destacado e não o efetivamente recolhido, a decisão põe fim aos questionamentos que já vinham ocorrendo na esfera administrativa. É importante lembrar que a Solução de Consulta nº 13/2018, que vinculava o fisco federal, se posicionou no sentido de que deveria ser excluído o ICMS efetivamente recolhido, reduzindo o montante que poderia ser recuperado pelos contribuintes e colocando em risco de autuação contribuintes que já estavam se aproveitando de decisões judiciais. Portanto, a decisão gera segurança para os contribuintes no que diz respeito à abrangência da decisão.

Por outro lado, a modulação dos efeitos, vista em conjunto com as demais modulações já realizadas pelo STF, pode causar um aumento dos litígios tributários. Antes da pandemia, os contribuintes optavam por ajuizar questionamentos que tinham grande impacto econômico e monitorar o andamento da jurisprudência de assuntos que não tinham um impacto econômico tão relevante para as suas atividades. Após uma virada de jurisprudência ou de uma tendência mais sólida de sucesso dos questionamentos nos tribunais, as ações eram ajuizadas. Esse comportamento tende a mudar. Os contribuintes não têm como saber quando o Poder Judiciário vai decidir uma questão tributária, e nem se modulará os efeitos de uma eventual decisão favorável, o que levará os gestores responsáveis a optar pelo questionamento tributário mais cedo e de mais assuntos.

Os contribuintes poderão utilizar do valor de ICMS destacado nas notas fiscais para fins de compensação tributária, o que representa um volume de recursos muito maior do que se fosse acolhida a pretensão fazendária de que o valor de ICMS a ser utilizado para tal fim seria o efetivamente recolhido. Isso ocorre pois como o ICMS é um tributo não-cumulativo, os créditos adquiridos nas etapas anteriores da cadeia de produção são utilizados para fins de cálculo do imposto, o que representa, para grande parte dos setores econômicos, um valor quase sempre menor do que o do destacado na nota fiscal da venda a consumidor intermediário ou final. Para o caso do Estado de São Paulo, por exemplo, em uma média geral, desconsiderando-se as peculiaridades de cada setor, o valor do ICMS destacado nas notas fiscais equivale a duas vezes o valor efetivamente arrecadado, o que, em termos absolutos, significa valores vultosos.

Ademais, estabeleceu-se um corte temporal para os contribuintes que ajuizaram ações posteriormente a 15 de março 2017. O julgado sedimentou a posição de que aqueles que porventura tenham erroneamente incluído o ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS posteriormente à sessão do STF que afastou a inclusão ou que tenham utilizado o valor de ICMS efetivamente recolhido em vez daquele destacado da nota poderão ter seus créditos reavidos contados da data da sessão e conforme a orientação emanada da decisão.

É de se frisar que a Receita Federal já reconhecia a possibilidade da compensação administrativamente a partir de 15 de março de 2017, posição vincada pela SCI/COSIT nº 13/2018, sem a necessidade de propositura de ação, discordando apenas em relação ao valor de ICMS a ser utilizado como referência no pedido de restituição — se o destacado da nota fiscal ou o efetivamente recolhido, tendo o fisco entendido por esta última opção. Esse entendimento restritivo ficou superado pela decisão do final do STF que, em nossa avaliação, foi correta. Afinal, o que foi acrescido na base do PIS e da Cofins não foi o valor do ICMS efetivamente pago, mas sim o ICMS destacado nas notas de vendas emitidas.

Apesar de algumas certezas, ainda se vislumbra a possibilidade de novos desdobramentos decorrentes da decisão do STF, recrudescendo o já conflituoso relacionamento entre fisco e contribuintes. Há em alguns receio de que o fisco busque expurgar dos créditos de PIS e Cofins o valor do ICMS incidente nas operações de entrada. Possivelmente essa novela ainda renderá longos capítulos.


Quais contribuintes podem se beneficiar do resultado do julgamento?

Todos os contribuintes podem se beneficiar do julgamento, porém em diferentes medidas. Até mesmo quem não ajuizou ação sobre a matéria ainda pode se beneficiar, seja quanto aos esperados efeitos prospectivos (via modificação normativa), seja por meio de uma ação que venha a ser ajuizada apenas agora, e que ainda viabilizaria a recuperação dos valores indevidamente recolhidos desde março de 2017.

Considerando que a decisão foi proferida em sede de repercussão geral, o resultado do julgamento obriga a todos os órgãos da administração pública federal, de modo que, independentemente do ajuizamento de medida judicial, todos os contribuintes já podem se aproveitar dos efeitos futuros da decisão, podendo deixar de recolher o PIS/Cofins calculado sobre o valor do ICMS destacado na nota fiscal. Quem ajuizou medida judicial antes de março de 2017 recuperará os valores recolhidos, observado o respectivo prazo prescricional. Quem ajuizou medida judicial após essa data deverá aguardar o respectivo trânsito em julgado para poder se aproveitar dos valores recolhidos a partir de março de 2017. Quem não ajuizou medida judicial não mais precisará fazê-lo, podendo desde já recuperar, administrativamente, os valores recolhidos indevidamente a partir de março de 2017.

Entendo que os contribuintes podem ser vistos em cinco categorias: aqueles que ajuizaram ações antes de março de 2017 e que já tiveram o trânsito em julgado; os que ajuizaram ações antes de março de 2017 e ainda não tiveram seu trânsito em julgado; os que ajuizaram ações após março de 2017, que já foram finalizadas; os que ajuizaram ações após 2017, ainda em discussão no Judiciário; e os contribuintes que não ajuizaram ações.

Os contribuintes enquadrados nos três primeiros casos serão mais beneficiados, pois poderão recuperar os indébitos referentes aos cinco anos antes da data de ajuizamento das ações. Portanto, se um contribuinte ajuizou a ação em janeiro de 2010, poderá recuperar todos os valores indevidamente recolhidos a título de PIS e Cofins desde janeiro de 2005 até a data do trânsito em julgado da ação.

Os que ajuizaram ações posteriormente a março de 2017 ainda pendentes de julgamento são os mais afetados pela modulação, pois não poderão recuperar os valores recolhidos indevidamente no quinquênio anterior ao ajuizamento. Mas todos os contribuintes podem se beneficiar da decisão a partir de 15 de março de 2017, mesmo aqueles que não chegaram a questionar a tributação em juízo.

No geral, todos os contribuintes serão beneficiados, podendo se vislumbrar dois grandes cenários. Os contribuintes que protocolaram ações judiciais e administrativas até a data da sessão em que proferido o julgamento do STF — recorde-se, 15 de março de 2017 — poderão realizar a compensação tributária desde os cinco anos anteriores à data da propositura da ação. Assim, um contribuinte que tenha ajuizada uma ação em 2005, poderá reaver 21 anos de créditos a serem compensados (desde 2000 até o presente ano, de 2021).

Por outro lado, os contribuintes que não ajuizaram ações até 15 de março de 2017 e que incluíram o ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS ou que utilizaram como valor de referência o valor de ICMS recolhido poderão pleitear administrativamente a recuperação dos créditos alusivos.

Deve-se entrever que alguns setores serão mais beneficiados do que outros, sobretudo aqueles em que o ICMS destacado na nota tem valor bem superior ao do efetivamente recolhido — como é o caso dos setores farmacêutico, químico e da indústria em geral, que nos últimos tempos foram contemplados com regimes especiais de ICMS nas mais diversas unidades federativas.


O que a conclusão do julgamento representa em termos de segurança jurídica?

O tempo envolvido na discussão da matéria, com destaque para os longos anos de pendência de um desfecho, apenas no STF, expõe um cenário de absoluta insegurança jurídica, seja pela perspectiva dos contribuintes, seja pela da Fazenda Nacional (que se beneficiou da inconstitucionalidade ao longo dos anos, mas via o montante envolvido na discussão crescer progressivamente).

De certa forma, o elevado impacto financeiro sobre a União decorre, em grande medida, da própria demora em se encerrar a discussão sobre a matéria. Impôs-se, assim, um dilema entre a injustiça com os contribuintes, que sofreram o ônus da inconstitucionalidade, mas não poderão ser plenamente ressarcidos dos prejuízos sofridos (por conta da modulação de efeitos), e o rombo financeiro ainda mais expressivo que seria causado sobre o Tesouro Nacional caso a modulação não tivesse sido adotada. Me parece, nesse sentido, que um esforço consistente em conferir maior celeridade à análise e decisão das matérias relativas às teses tributárias seria a única maneira de evitar o impacto severo da modulação de efeitos sobre a segurança jurídica. Por conseguinte, uma vez afastada a modulação baseada tão somente no aspecto financeiro, as decisões passariam a ter caráter efetivamente exemplar para uma maior cautela do Legislativo e da administração pública, no que tange à observância dos preceitos constitucionais, a fim de que construções elásticas voltadas à majoração de arrecadação no curto prazo não venham a cobrar a devida conta anos depois.

A conclusão do julgamento foi fundamentada na necessidade de conferir segurança jurídica, especialmente pela denominada “alteração de jurisprudência” sobre a matéria, motivada pela mudança de composição do tribunal. Entretanto, há mais de cinco anos a posição do STF está consolidada sobre a matéria, o que não justificaria tal modulação. De qualquer forma, a mensagem para os contribuintes, para se ter segurança jurídica, é a de sempre ajuizar medidas judiciais para discussão de temas tributários, já que nunca se sabe como e quando será apreciado pela Suprema Corte e o perigo que há na eventual modulação. Ao menos, até aqui, o STF vem mantendo preservado o direito daqueles que se anteciparam e ajuizaram medidas judiciais, conferindo a esses contribuintes o direito à segurança jurídica.

Talvez o impacto mais importante desse julgamento seja na relação entre fisco, contribuinte e Poder Judiciário. No último ano, foram várias as decisões que reconheceram a inconstitucionalidade de normas tributárias e que tiveram seus efeitos modulados para limitar os prejuízos para os cofres públicos. Em uma das decisões, que tratou do ICMS-DIFAL, o STF chegou a modular os efeitos para janeiro de 2022, dando tempo para que o Congresso edite a lei complementar necessária e os estados aprovem as leis estaduais para regularizar a cobrança. A falta de critérios para modulação das decisões causa instabilidade para o próprio sistema tributário e premia o poder público, que arrecada tributos sem respeitar a legislação e a Constituição Federal e mesmo após vários anos de litígios nos tribunais é dispensado do dever de restituir aos contribuintes o indébito.

A estabilidade do sistema tributário e a confiança dos contribuintes no sistema são fundamentais para a garantia da conformidade fiscal, para o desenvolvimento dos negócios e para a atração de investimentos para o País. Muito se discute sobre o que leva os contribuintes a pagar seus tributos, o que é chamado de moralidade tributária. De acordo com estudos do Banco Mundial, o comportamento de conformidade fiscal depende da dinâmica entre confiabilidade, simplificação e imposição do sistema de regras. Atualmente o sistema tributário brasileiro apresenta muitas fragilidades nesse tripé, o que ficou muito evidente com este julgamento do STF.

O sistema tributário brasileiro não é acessível, as regras não são claras e conhecidas, de modo que as pessoas e as empresas não compreendem o que estão pagando e quase sempre têm questionamentos sobre quanto devem pagar. O grau de imposição do sistema é a garantia de que, se os tributos não forem pagos, os contribuintes serão cobrados. Talvez esse seja o único ponto com o qual a administração realmente se preocupa. As penalidades aplicadas aos contribuintes são altas e podem comprometer inclusive a viabilidade de manutenção das empresas.

A confiabilidade no sistema varia conforme os contribuintes entendem o sistema como justo, isonômico, recíproco e respeitável. Infelizmente, entendo que não há tratamento isonômico, não há reciprocidade, pois não há obrigação do fisco restituir indébitos, o que pode ser visto como confisco. Não há coerência do STF ou dos tribunais para aplicar os fundamentos da decisão, basta olhar para como estão sendo analisadas as “teses filhotes”.

Portanto, entendo que passamos por um momento muito ruim, no qual a confiabilidade no sistema está abalada e consequentemente a segurança jurídica.

O julgado representou uma pá de cal em questionamentos que poderiam aumentar a litigiosidade — por exemplo, se o valor de referência a ser utilizado para fins de compensação seria o do ICMS destacado na nota ou o efetivamente recolhido. Ademais, pavimentou caminho para que a perniciosa sistemática de inclusão de tributos no cálculo da base de outros seja, enfim, afastada, a exemplo do que ocorre, também, na inclusão do imposto sobre serviços (ISS) na base de cálculo do PIS/COFINS ou no caso da inclusão do imposto de renda (IR) na base de cálculo da contribuição para o desenvolvimento econômico sobre remessas ao exterior (CIDE-royalties).

Quando um tributo incide sobre outro há um efeito em cascata em progressão geométrica, que tende a comprometer seriamente a capacidade contributiva.

 

 

 

 

 

 

 

 

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